As histórias da Colecção Ver e Ler são importantes auxiliares de uma aprendizagem da leitura, em que a criança descobrirá por si uma nova aptidão como se o livro falasse só para ela. Ver e Ler como o Coelhinho Branco foi ajudado pela formiga. A bibliografia de António Torrado regista atualmente mais de 120 títulos, onde sobressai a produção literária para crianças, contemplada em 1988, com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças.
Livro nomeado para o 1.º ciclo
Histórias para recordar
Desta vez, o desafio que coube às turmas vencedoras da iniciativa Agora o Escritor És Tu! foi o de continuarem a obra Teatro às Três Pancadas, escrita por António Torrado
A primeira coisa em que António Torrado reparou, ao entrar no edifício onde é feita a VISÃO Júnior, foi o grande quadro onde estavam expostas as capas imaginárias para o seu livro Teatro às Três Pancadas.
«Mas que desenhos tão bem feitos, alguns até parecem tridimensionais », comentou logo o escritor.
Mas daí a menos que nada, já ele tinha sido reconhecido, e quase que engolido, pelas dezenas de alunos entusiasmados do 4.º ano, acabadinhos de chegar de autocarro, para o conhecerem e visitarem a redação da revista.
Vindas das escolas de Condeixa-a-Nova, Coimbra e Mafra, as quatro turmas vencedoras da iniciativa Agora o Escritor És Tu!, mostraram que a imaginação não tem idade e conceberam muitas reviravoltas na continuação do livro Teatro às Três Pancadas. Numa sessão dominada pela boa disposição, entrevistaram António Torrado, que lançou o mote: «Façam descer a pergunta desde o cérebro, indo pelo ombro, descendo o cotovelo, até chegar à ponta do dedo.» No final, ainda houve tempo para duas surpresas: debaixo das cadeiras, rapazes e raparigas descobriram papéis onde estavam escritas palavras soltas, para, em conjunto com o escritor, criarem uma história original. E António Torrado leu ainda três poemas inéditos, intitulados A menina dos teus olhos, Uso óculos e Gatos: «Se não gostarem deles, não avanço para a sua publicação», adiantou. No fim, antes dos autógrafos e do lanche, o autor deixou um conselho: «A imaginação trabalha-se, exercita-se.»
Já foi jornalista. Foi assim que aprendeu a escrever para crianças?
Pedro, 9 anos, 4.º ano da Escola Básica N.º 3, Condeixa-a-Nova
Isso deu-me uma certa prática de escritor. Como eu era o mais novo da redação, atribuíram-me a responsabilidade de fazer o suplemento infantil do jornal A Capital. Todas as semanas, eu tinha que inventar uma história. Às vezes, esquecia-me, porque os dias passavam depressa e havia tanto para fazer… Então, eu dizia ao ilustrador: «Ó Martim, faz aí um cavalo a beber água numa fonte e umas pessoas a espreitar lá atrás.» Eu nem sabia ainda como seria a história, mas depois escrevia-a para o desenho.
Já escreveu histórias sobre a sua família?
Catarina, 10 anos, Colégio Bissaya Barreto, Coimbra
Não. Mas estive há pouco tempo em Castelo Branco, a cidade dos meus avós, onde perdi o medo ao escuro.
As duas casas das minhas tias ficavam num primeiro andar, e, no rés do chão, havia um armazém de azeite. As noites eram frias, e elas diziam-me: «Ó António José, vai para o armazém, filho.» E eu dizia que não porque não havia luz elétrica no armazém, e só existia uma vela que projetava sombras de monstros.
Aterrorizado, eu imaginava ratazanas nos cantos, sentia teias de aranha a passarem-me pelo nariz. Mas as minhas tias tanto insistiram, que, um dia, resolvi ir para o armazém.
Sentia as pernas a tremer mas tinha a sensação de que estava a crescer.
Comecei a assobiar para espantar o susto, e lá fui percebendo que não havia monstros. Consegui assim vencer o medo. Esta história entrará, um dia, no livro de memórias que escreverei, chamado Antes que me esqueça.
Gosta mais de ver os seus livros em papel ou em suporte digital?
Gonçalo, 9 anos, Escola Básica Dr. Sanches de Brito, Mafra
Eu prefiro o papel. E ainda escrevo à mão. Não gosto do computador, e ele também não manifestou interesse em conhecer-me melhor [risos].
O papel é a minha melhor companhia de escrita. Sei que os meus netos terão uma biblioteca que ocupa menos espaço do que a minha: é tão grande que já nem sei onde pôr os livros.
Ando sempre à procura de espaço em minha casa: «Olha ali um cantinho, ali ainda cabe uma prateleira.» Qualquer dia, cai-me a biblioteca em cima da cabeça [risos].
O que sentiu quando soube que Teatro às Três Pancadas foi escolhido como leitura para o 4.º ano?
Maria, 9 anos, Escola Básica Dr. Sanches de Brito, Mafra
Achei natural. Tenho que ser sincero. Não andei aos pulos por isso. Ter sido escolhido significa que o livro vai ser mais difundido.
Eu tenho uma certa fé de que sou lido. Tenho uma grande diversidade de produção: contos, teatro, ficção, novelas, e ainda guionismo. Sabem o que é? Quando vão ao cinema, ou veem um filme na televisão, os atores não estão a inventar aquelas frases na altura.
Todas as situações foram escritas previamente. O último filme que eu escrevi chama-se Aristides de Sousa Mendes.
Quais são os géneros que gosta mais de escrever?
Matilde, 9 anos, 4.º ano da Escola Básica N.º 3, Condeixa-a-Nova
Tenho fases. Agora estou na fase da escrita para teatro.
É entusiasmante estar no silêncio do meu gabinete, a escrever na horizontal, e, depois, ver as minhas palavras ficarem na vertical do palco, com atores a interpretarem as situações que criei. Mas eu também já pisei um palco, e fui logo despedido. Foi numa peça de teatro em que eu fazia de boletim meteorológico [risos]. Nos ensaios, correu tudo bem. Mas, no dia da estreia, o encenador, que é quem manda no espetáculo, pediu-me para tirar os óculos. Sem óculos, eu vejo muito mal e fiquei cheio de medo de cair do palco abaixo.
Esqueci-me do texto e disse: «Amanhã é natural que chova.» Arranjaram logo outro para ler o boletim meteorológico [risos].
Ganhou o Grande Prémio de Literatura para Crianças Calouste Gulbenkian, em 1988.
O que sentiu?
Nuno, 9 anos, Colégio Bissaya Barreto, Coimbra
Todos os prémios são bem acolhidos e estimulantes. Mas há outros prémios.
Uma vez, fui fazer uma sessão numa escola das Caldas da Rainha.
No fim, uma menina de seis anos perguntou-me: «O senhor quer ser meu avô?» Eu disse-lhe logo que sim, e apresentei-lhe as fotografias dos meus netos, dizendo: «Olha, queres conhecer os teus primos?» Isto foi um grande prémio. Depois, contei este episódio numa escola. Um rapazinho aproximou-se, perguntou se podia falar comigo, deu-me um euro para a mão e foi-se embora. Era o que ele tinha, e um euro dava para ele ter comprado uma bola-de-berlim.
Achei que era um prémio fabuloso.
Não vou gastar aquele euro.
Quando era criança também se divertia a escrever histórias na sala de aula?
Eva, 10 anos, Escola Básica Dr. Sanches de Brito, Mafra
Na minha altura, a aula não era tão divertida. Fazíamos redações sobre a vaca, as estações de ano [risos]. Eu não sabia o que era um escritor.
No nosso livro de leitura, os escritores eram uns senhores com barbas compridas tipo Guerra Junqueiro ou com cabeleira de caracóis como o Almeida Garrett, ou então cavalheiros todos emproados com um monóculo no olho como o Eça de Queirós. Mas estes não eram escritores que pudessem ir falar às escolas porque já tinham morrido há muito tempo. Não havia nada como esta convivência do autor com os seus leitores. É pena.
O que aconselha a quem quer ser escritor?
Margarida, 9 anos, Escola Básica Dr. Sanches de Brito, Mafra
Que goste de ler e que vá lendo de tudo um pouco. E que perceba que os livros têm de crescer com a pessoa. Depois, que tenha os ouvidos bem abertos para ouvir as conversas. E que abra muito os olhos para ver tudo à roda, e tirar o que observa para a memória.
A imaginação trabalha-se, exercita-se.
A leitura é fundamental: enquanto lemos, refazemos a história. Que foi o que vocês fizeram: trouxeram para a história novos personagens, novos percursos. E isso também é um ato inventivo.
Adorei ler o Teatro às Três Pancadas porque…
Pedimos a dois dos alunos que nos visitaram para contarem o que mais gostaram no livro de António Torrado
«Gostei muito de ler este livro porque é muito imaginativo e tem ideias que nunca me tinham passado pela cabeça. Há uma personagem muito engraçada, o Zé das Moscas, que tem moscas na cabeça! Aprendi que se gozarmos com os outros, eles podem gozar connosco. Ah! E fiquei com mais ideias para escrever as minhas próprias peças de teatro.»
Margarida Fundo, 9 anos, Mafra EB1 Dr. Sanches
«A minha história preferida é a do Serafim e Malacueco porque eles dizem coisas muito disparatadas. De vez em quando, enquanto estava a ler, dava uma gargalhada.
Gostei muito do livro porque adoro teatro, até representei o Malacueco na peça que fizemos na escola. Foi muito divertido! Se estivermos tristes, lemos este livro e ficamos logo contentes! O livro também me fez pensar que devemos ajudar toda a gente porque um dia podemos ser nós a precisar.»
Francisca Ferreira, 9 anos, Coimbra Colégio Bissaya Barreto
Texto: Sílvia Souto Cunha
In VISÃO Júnior, sábado 1 de Mar de 2014
Vê aqui a entrevista dos alunos do 4.º ano a António Torrado
A Rádio Miúdos esteve à conversa com o escritor António Torrado. Ouve a entrevista aqui