O mundo mudou no final dos anos 1960 e Portugal não lhe ficou indiferente. A chegada de Marcelo Caetano ao poder foi acompanhada por uma onda de greves, protestos e reivindicações no mundo do trabalho que contribuíram para o fim do Estado Novo. A exposição «Unidos Venceremos! Protesto, Greves e Sindicatos no Marcelismo (1968-1974)», inaugurada a 1 de maio, Dia do Trabalho, evoca esse período de conflitualidade.
A mostra, de entrada livre, é organizada pela Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e pela Ephemera – Associação Cultural, e pode ser visitada até 30 de junho em dois locais: no Hub Criativo do Beato, em Lisboa, e nas oficinas da CP, no Barreiro.
Durante uma visita organizada para a imprensa no núcleo do Beato, o historiador e comissário científico da exposição, José Pacheco Pereira, afirmou que o objetivo é documentar o papel do movimento sindical e grevista dos trabalhadores na queda da ditadura. «O movimento militar que fez o 25 de Abril resultou do esgotamento gerado pela Guerra Colonial, mas desenvolveu-se num novo ambiente político, de luta contra a ditadura, em que as lutas operárias, as reivindicações de trabalhadores dos serviços e o sindicalismo livre e democrático tiveram um papel decisivo», acrescenta a folha de apresentação da mostra.
Considerando que o «sentimento de esperança» que a ascensão de Marcelo Caetano representou terá influenciado largas dezenas de movimentos de protesto entre os trabalhadores da indústria, comércio e serviços, principalmente em Lisboa e na margem sul do Tejo, o historiador contou como, aos poucos, essa expetativa se foi desvanecendo, principalmente a partir de 1971, altura em que a repressão policial regressou em força – nas fábricas como nas universidades.
As greves, apesar de continuarem a ser legalmente proibidas, eram «toleradas pelo regime», de acordo com a investigadora e co-organizadora da exposição Rita Almeida de Carvalho, que contabilizou em 310 o número de greves ocorridas no período de quase seis anos do marcelismo, que só viria a terminar com a Revolução de 25 de Abril de 1974.
Num País «pobre, atrasado, com muito analfabetismo e uma elevada taxa de mortalidade infantil», Pacheco Pereira explicou ainda que a situação económica e social precária dos finais dos anos 1960 «é que mobilizou os operários». Foi nesse contexto que uma onda de lutas sociais e reivindicativas, com o apoio de partidos e movimentos clandestinos de esquerda, como o PCP, mas também dos grupos de católicos progressistas, tomou de «assalto» os sindicatos corporativos afetos ao regime, para de seguida os transformar em movimentos fortemente reivindicativos. Quando, no início do marcelismo, a eleição das direções dos sindicatos deixou de requerer a homologação ministerial, alguns sindicatos, como o dos Bancários ou dos Metalúrgicos, conseguiram nomear dirigentes mais «reivindicativos», aumentando assim o tom da contestação social.
Levantamento inédito
Para a exposição, foi feito um levantamento exaustivo da informação sobre as greves e protestos do marcelismo a partir da consulta de documentação «inédita» da Legião Portuguesa e da PIDE-DGS que, segundo os organizadores, «permite compreender os mecanismos da repressão da ditadura: PIDE-DGS, PSP, GNR e LP.»
Dividida em 12 painéis, a exposição mostra como se vivia em Portugal no final do Estado Novo; como o sindicalismo foi evoluindo desde a I República; quais as principais reivindicações dos trabalhadores; a influência do PCP na organização dos sindicatos; o aparecimento da Intersindical; ou a participação dos grupos católicos na formação de quadros, publicação de boletins e divulgação das condições precárias dos trabalhadores. Encontram-se expostos diversos materiais gráficos – como comunicados sindicais, cadernos reivindicativos, cópias de contratos coletivos de trabalho, etc. – provenientes, na sua maioria, do Arquivo Ephemera.
Na parte final da exposição, dedicada à repressão dos movimentos laborais é dado destaque à prisão do presidente do Sindicato dos Bancários, Daniel Cabrita, em 1971. Joaquim Matos, dirigente histórico dos Bancários e co-organizador da exposição, explicou como esse episódio viria a marcar a luta sindical em Portugal, originando concentrações de milhares de bancários na Baixa lisboeta, o local onde estavam sediados os maiores bancos. As eleições do Sindicato dos Bancários eram habitualmente muito participadas, com os associados a formarem longas filas, na Rua de São José, para exercerem o seu direito de voto.
A exposição dedica ainda um painel ao protesto das trabalhadoras têxteis da Penteadora e da Fábrica Barro, e outro aos defensores e apoiantes dos movimentos laborais, como o economista Francisco Pereira de Moura e o advogado Jorge Sampaio.
Até 2026, as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril irão focar-se num tema prioritário em cada ano. Depois das lutas estudantis terem estado em destaque em 2022, o ano de 2023 é dedicado aos «movimentos sociais e políticos que criaram as condições para o golpe militar. É nesse contexto que se enquadra esta exposição”, afirmou Maria Inácia Rezola, comissária-executiva da estrutura de missão.