A atriz e ativista Sacheen Littlefeather, que pertence às comunidades indígenas apache e yaqui, foi interrompida nos Óscares de 1973, enquanto explicava o porquê de Marlon Brando não poder aceitar o Óscar de Melhor Ator pelo filme O Padrinho. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood veio finalmente pedir desculpas. Questionada pela imprensa, há uns dias, pela espera de quase 50 anos pelo justo pedido de desculpas, a ativista foi luminosa e laminar: “Para um índio, 50 anos não é muito tempo.”
Em 1973, uma boa parte da plateia da cerimónia dos Óscares apupou palavras justas e sentidas. Os anfitriões da cerimónia – Liv Ulman e, sobretudo, Roger Moore –, não podiam representar melhor o estereotipado mundo ocidental da época, nem ser mais contrastantes com a simplicidade dessa índia tímida hesitante. Foi este o primeiro discurso “político” em cerimónias dos Óscares. É importante que o cinema seja um lugar de beleza, mas também de reflexão. Desde então, houve vários outros discursos políticos nas cerimónias de entrega dos Óscares. Quem não se recorda do discurso de Joaquin Phoenix sobre saúde mental ao receber o Óscar de melhor ator pelo seu papel no filme Joker?
Não é preciso ser índio, poeta, ator ou cientista para reconhecer que o modo como a civilização ocidental tratou o planeta e os outros – sobretudo os “estranhos” ou diferentes – durante os últimos séculos foi arrogante, autocentrado e instrumental. A centralidade do bem-estar material individual, que se acentuou com a Revolução Industrial, o Iluminismo e as sociedades liberais, acabou por dar origem a uma civilização de caçadores, de extração e apropriação, não de jardineiros, isto é, de partilha e dádiva. Ora, como disse Gandhi, o mundo tem o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não a ganância de apenas alguns.
Félix Guatarri, em “The Three Ecologies” (1989), defende que uma sociedade ecológica depende de sermos capazes de articular, de forma saudável e em permanência, três relações-chave: com o que nos rodeia – o planeta –, com os outros – as pessoas – e com nós próprios – corpo e mente. Obviamente, este tipo de “fórmula” não é estranho nem às comunidades indígenas atuais, nem às sabedorias ou civilizações ancestrais – das orientais, às da América Latina e outras. Por isso é tão estranho a valorização da diversidade, da igualdade e da inclusão só recentemente ser ter tornado uma prioridade na agenda pública e das empresas.
A valorização da diversidade, da igualdade e da inclusão deveria ser algo natural, uma evidência, não algo a depender de leis ou políticas empresariais. Um mundo monocromático, de uma nota só, seria obviamente infinitamente mais pobre. E não se trata de tornar o diferente algo exótico, merecedor da nossa condescendência, nem de converter a natureza selvagem num parque temático ajardinado. Trata-se simplesmente de reconhecer a importância capital da liberdade, a beleza da diversidade e, já agora, o nosso dever ontológico de fraternidade com todas as formas de vida.
As férias, no que têm de pausa nas agenda e ritmos frenéticos, são um momento privilegiado para nos abrirmos ou estarmos atentos a outras questões e dimensões da vida. No filme Into the Wild (2007), um jovem estudante norte-americano parte para uma viagem a pé pelo Alasca profundo. Essa sua tentativa de fuga ao niilismo suburbano não acaba bem, mas a ideia de pausa e questionamento é fundamental para um mundo mais sustentável. As três dimensões da ecologia de Guatarri dependem da nossa disponibilidade para essa viagem.
Até ao final do ano, teremos a COP27 sobre o clima e a COP15 sobre a biodiversidade. Esperam-se mais relatórios científicos de alerta e mais compromissos políticos e financeiros. Serão bem-vindos, tal como serão bem-vindos os arautos do crescimento verde, com as suas teses sobre a necessidade mais de inovação tecnológica e crescimento económico – até porque a população continua a crescer. Mas não teremos um novo modelo de desenvolvimento, que seja mais justo, equilibrado e ecológico, se não olharmos para nós próprios e para tudo o que nos rodeia com mais amor, fascínio e naturalidade.