Uma empresa associada à porta-voz e cabeça de lista do PAN, Inês Sousa Real, divulgou um post sobre autorização para utilizar pesticidas sintéticos e altamente tóxicos. Segundo se podia ler na página de Facebook da Red Fields, em março de 2015 foi pedida à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) uma licença de utilização do Delegate 250 WG, um inseticida com spinetorame como substância ativa, para matar moscas da fruta (Drosophila suzukii).
Por lei, a autorização para este produto tem de ser pedida às autoridades competentes por ser considerado um inseticida de última linha, especialmente agressivo – considerado mesmo “mutagénico ou carcinogénico de categoria 3”, “nocivo” e “prejudicial para o meio ambiente”, de acordo com o distribuidor em Portugal. A lista de impactos ambientais e possíveis efeitos na saúde é longa: “Suspeito de afetar a fertilidade; pode afetar os órgãos após exposição prolongada ou repetida; muito tóxico para os organismos aquáticos com efeitos duradouros; perigoso para as abelhas; para proteção das abelhas e de outros insetos polinizadores, não aplicar este produto durante a floração das culturas [nem] durante o período de presença das abelhas nos campos”. A licença da DGAV foi atribuída a 20 de março, o primeiro dia de primavera, com duração de 120 dias.
Esta informação constava de uma publicação do Facebook da Red Fields, de que Inês Sousa Real deterá uma quota de 25% (em novembro, o PAN disse que a deputada estava em processo de finalizar a cedência da sua parte, mas, ao que a VISÃO apurou, mantém a quota em seu nome; o marido, com quem fundou a empresa em 2014, detinha outros 25%). Entretanto, no dia 12 deste mês, dois dias antes do início oficial da campanha eleitoral, a página da empresa de produção de mirtilos, morangos e framboesas foi apagada, mas a VISÃO teve acesso a imagens originais das publicações, captadas antes de deixarem de estar disponíveis.
No seu programa eleitoral, o PAN defende “uma transição da agricultura convencional para uma agricultura mais sustentável e biológica ou equiparada” e “o fornecimento efetivo de alimentos biológicos às cantinas públicas” das escolas. A aplicação de pesticidas sintéticos, como o spinetorame, não é habitualmente permitida. Há alternativas mais ecológicas para combater a mosca da fruta, como armadilhas ou produtos naturais, mas têm menor eficácia.
Abelhões ‘forasteiros’: um perigo
Também foi apagada, no mesmo dia, a página de Facebook da Berry Dream, de que Inês Sousa Real era sócia com o marido, que ficou com as suas quotas em dezembro de 2019 (a líder do PAN mantém interesses indiretos na empresa, por estar casada em comunhão de adquiridos). Nesta rede social, em fevereiro de 2019, a Berry Dreams divulgou fotos e um vídeo de uma caixa de abelhões importados, para polinizar as plantas na exploração agrícola.
O problema é que esta espécie de abelhão, a mamangava-de-cauda-amarela-clara (Bombus terrestris), muito utilizada comercialmente para polinização, pode pôr em risco a subespécie autóctone, a Bombus terrestris lusitanicus. “Introduzir uma nova genética, com possibilidade de hibridização, pode destruir o património genérico das nossas subespécies, selecionadas ao longo de milhares ou milhões de anos”, explica Fábio Abade Santos, médico veterinário e investigador. As abelhas “forasteiras” também são potenciais transmissoras de parasitas para os quais os insetos portugueses não têm defesas. O especialista em coelhos dá o exemplo da mixomatose, em que o vírus é benigno no coelho americano mas que, depois de trazido para a Europa, é um dos responsáveis pelo perigo de extinção do coelho europeu.
Há alternativas à utilização de abelhas importadas, lembra Fábio Abade Santos: “Procurar apicultores portugueses e explorar a nossa subespécie, e com colmeias tradicionais, de madeira, em vez daquelas colmeias de plástico que vêm de fora.”
As empresas agrícolas ligadas a Inês Sousa Real já tinham sido alvo de polémica em novembro, quando saíram notícias sobre o uso de estufas por parte das explorações de frutos silvestres. Na altura, a porta-voz do PAN disse que as estufas eram túneis, por serem abertas nas extremidades. Há, no entanto, fotos das estufas das explorações completamente fechadas, no inverno.
A VISÃO enviou várias perguntas a Inês Sousa Real, através do gabinete de comunicação do PAN, entre outras, como justifica a aplicação de um pesticida sintético na sua empresa quando publicamente defende a agricultura biológica, se a utilização da Bombus terrestris não configura um potencial problema ecológico e a razão para as páginas de Facebook das duas empresas terem sido apagadas.
Recebemos a seguinte resposta: “O PAN e a sua porta-voz já esclareceram o que havia a esclarecer sobre este tema. O partido não tem mais nada a acrescentar nem vai continuar a alimentar esta campanha de difamação criada por vários interesses instalados para atingir o PAN e tentar impedir-nos de defender as nossas causas fundamentais.”