São cada vez mais numerosos e consensuais os sinais de que a biosfera está perto do seu limite e de que há um conjunto de equilíbrios em risco, fundamentais para a continuidade da vida na Terra, e para mantermos a rota de progresso dos últimos dez mil anos e os atuais níveis de bem-estar.
É neste contexto que terá lugar, em breve, a conferência das Nações Unidas sobre o clima – a COP26. Para cumprirmos o Acordo de Paris, até 2030 as emissões globais de gases com efeito de estufa terão de diminuir em 50 por cento. Esta redução tão drástica, apenas numa década, implica uma redução anual superior à de 2020 – porém, sem a economia e as nossas vidas confinadas. Depois de sucessivos recordes de emissões ano após ano, trata-se de algo quase impossível de alcançar. Porém, se falharmos, teremos de nos habituar a um mundo metade em chamas, metade em cheias.
A transição para o paradigma da sustentabilidade depende de conseguirmos reduzir substancialmente a emissão de gases com efeito de estufa, os níveis de poluição, a perda galopante de biodiversidade, o consumo de água e a produção de resíduos. Paralelamente, há que assumir a urgência da coesão social e da revitalização das democracias. Mas, acima de tudo, essa transição depende de uma mudança profunda no modo como interagimos com os outros e com o planeta. Por isso, ou estamos disponíveis para questionar os valores e os comportamentos com que, dia a dia, tecemos o tapete do futuro, ou ela nunca ocorrerá.
O sociólogo Zygmunt Bauman costumava dividir as pessoas em dois grupos opostos: os caçadores e os jardineiros. Os caçadores são os que têm uma relação autocentrada e predadora com o planeta e com os outros, já os jardineiros são os que procuram fazer do mundo um lugar melhor, agindo em prol do bem comum.
A sustentabilidade, ou seja, a ecologia e a coesão social, tinha tudo para ser a utopia do século XXI – tal como a democracia e os direitos humanos foram a do século XX. Com uma enorme vantagem a favor da sustentabilidade: a de facilmente se poder tornar uma causa universal, objetiva e agregadora, ao contrário da causa política (ou religiosa), que se traduz em múltiplas propostas alternativas e, assim, em separações e conflitos. Porém, ainda está longe de ter a visibilidade e o magnetismo necessários para que possa haver uma mobilização coletiva e uma mudança de paradigma civilizacional.
Faltam causas e utopias ao século XXI, mas faltam também protagonistas capazes de apontar o caminho com rasgo e entusiasmo. O século XX não foi apenas rico em ideologias, foi-o, também, em políticos, artistas, poetas, cientistas e pensadores que nos ajudaram a ver mais além, a ambicionar mais, a desejar a mudança. Quem são hoje essas vozes credíveis, ainda que, por vezes, algo ingénuas ou loucas e sonhadoras? Não existem ou somos nós que nos instalámos numa bolha individualista e nem sequer as vemos? Parece que já não sentimos a angústia, a esperança e o inconformismo do século XX, é como se o conforto que alcançámos nos tivesse desvitalizado.
Surpreendentemente, não só a última Feira do Livro de Lisboa foi comercialmente das melhores de sempre, como um dos livros mais vendidos por uma das editoras foi a mais recente reedição de “O Ser e o Nada”, de Sartre. Publicado originalmente em 1943 e escrito durante a ocupação nazi, trata-se de um livro que marcou uma época a braços com o desmoronamento de uma civilização. Para Sartre, o sentido das nossas vidas não é predeterminado, pelo contrário, estamos condenados a ser livres e somos os únicos responsáveis pelo nosso destino.
Tal como Sartre, também nós hoje assistimos ao desmoronamento de um paradigma civilizacional, neste caso do mundo que herdámos da Revolução Industrial. Teremos a coragem de fazer a transição para a sustentabilidade numa década? De transitar do paradigma caçador para o do jardineiro? É certo que todos sentimos uma certa atração pelo abismo ou pelo nada, que há algo de sedutor no apocalipse, mas a construção do futuro é um desafio tão mais criativo e apaixonante.
O futuro (ainda) está em aberto e o engenho humano já deu provas de ser capaz de se transcender em momentos decisivos. Que a COP26 seja o princípio de uma revolução verde é o que todos devíamos desejar.