Foi em 1971 que foi gravada, em Paris, Grândola Vila Morena, que acabou por ser a segunda senha do 25 de Abril, indicador que a revolução era irreversível. No mesmo ano, gravaram-se em Paris os primeiros álbuns de José Mário Branco e Sérgio Godinho.

E, em Portugal, aconteciam dois festivais marcantes: Vilar de Mouros e o Cascais Jazz. Ao mesmo tempo que apareciam importantes fenómenos, como o programa ZipZip ou os primeiros passos de músicos como Marco Paulo e Quim Barreiros.

Tudo isto aparece em A Revolução antes da Revolução, livro de Luís de Freitas Branco, que faz uma leitura do ano em que tudo mudou na música em Portugal.

O teu trisavô foi um importante compositor erudito e o teu bisavô um dos mais reputados musicólogos portugueses… Mas tu não és o primeiro a gostar de rock na família?

Luís de Freitas Branco: A primeira revolução antes da revolução foi a do meu avô. Foi o primeiro filho do musicólogo João de Freitas Branco, secretário de Estado da cultura. O meu avô teve uma banda de rock, os Claves, que participaram no grande concurso do iéié em 1966 e venceram.

Uma das groupies dessa banda era a minha avó. E, na consequência disso, o meu pai apareceu sem aviso. Há vários acasos que me fizeram estar aqui. Aliás, o meu trisavô, o compositor Luis de Freitas Branco, teve vários casos extraconjugais e, de um deles, nasceu o seu único filho, o meu bisavô, João, às escondidas no Conservatório Nacional de Música.

Como assim?

Ele nasceu clandestinamente no gabinete do meu bisavô no conservatório e depois morou grande parte da vida num apartamento que ele arranjou que fica no mesmo prédio.

Essa herança e a apetência pela música é transmissível… (a outra parte, espero que nem por isso).

Sempre tive o capital cultural. Em miúdo já sabia de trás para frente a discografia dos Beatles, Rolling Stones, U2… Portanto, tive logo à partida o que outros precisaram de ir à procura, na música pop, no jazz e erudita. Recebi sobretudo por via do meu avô e do meu pai. Mas nunca tive gosto nem jeito na música prática, por isso fui naturalmente à procura de um espaço onde escrever. O resultado mais recente é este livro.

Nunca tive gosto nem jeito na música prática, por isso fui naturalmente à procura de um espaço onde escrever. O resultado mais recente é este livro

Luís de freitas branco – crítico musical

Sentes alguma responsabilidade acrescida por teres esse nome?

Não sentia, porque nunca fui músico. Mas agora sinto mais um bocadinho. Comecei a tirar o mestrado de Ciências Musicais na Nova, onde o meu bisavô foi professor, e isso já tem algum peso. O professor olha para a lista dos alunos, vê lá o nome do compositor e sente-se baralhado (risos). Mas não sinto um grande peso. Evidentemente numa família músicos ninguém é rico e isto é mais uma forma de abrir portas e quebrar o gelo, como se vê nesta nossa conversa.

Trabalhas ligado à música?

Trabalho numa agência de comunicação. Durante o período da Troika fiquei sem emprego e o primeiro-ministro convidou os jovens a emigrar. E eu fui para o Brasil, onde vive o meu pai, e trabalhei em jornalismo cultural, no Globo. Mas depois cansei-me da precariedade e decidi ter um trabalho estável durante o dia para poder escrever sobre música à noite. 

Quando é que descobriste que 1971 era o ano de charneira para a música portuguesa?

Qualquer pessoa que trabalhe em volta desta música já perceber que 1971 é um ano especial, pelos três álbuns fulcrais – Cantigas do Maio, de José Afonso; Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades, de José Mário Branco e Os Sobreviventes, de Sérgio Godinho.

Além disso, ocorreram aqueles dois eventos: os festivais de Vilar de Mouros e o Cascais Jazz. Voltei a lembrar-me disto, em 2021, e desafiei o Observador a publicar em fascículos, à razão de um por mês, textos sobre esse ano. Essa foi a base para este livro.

Não te debruçaste apenas sobre a música de intervenção, num sentido estrito…

Quis falar da música em toda a amplitude, do Marco Paulo ao Bonga, do Gabriel Cardoso ao José Afonso, do Carlos do Carmo ao Carlos Paredes. Isso levou-me a pensar que cada mês fosse ligado a uma visão musical. E que cada visão musical fosse também uma visão ideológica. O livro é feito de uma série de combates, de capítulos que estão uns contra os outros.

O que acontece em 1971 para que toda esta ‘revolução musical fosse possível?

É consequência de um certo afrouxamento do regime, a célebre Primavera Marcelista. O tiro de partida é o programa ZipZip, para o qual os baladeiros são todos convidados, dando-lhe um grande palco. Esse afrouxamento vinha da politização da geração que se formou durante as crises académicas, com mais dinheiro no bolso e individualismo.

Daí surgiram fenómenos como Marco Paulo. A individualidade é um elemento perigoso para regimes autoritários. Também contribuiu a profissionalização das editoras, da televisão, surgem programas de rádio especializados no tipo de música que estava a aparece. Há uma juventude a combater contra o isolamento de décadas.

José Mário Branco fez uma conceção wagneriana do que seria uma canção de protesto, uma revolução musical. Fez isso para o seu disco, mas também para o do Zeca e um pouco para o do Sérgio Godinho

Luís de Freitas Branco – crítico musical

1972 já não foi assim?

Culmina em 1971 porque em 1972 é imposto o exame prévio. Isso estabelece a censura prévia que não existia até então nos discos Depois há também um apertar na censura dos eventos. O José Afonso teve uma dificuldade cada vez maior em cantar em público, o Francisco Fanhais até decidiu emigrar.

O regime não se limitou aos cantautores… havia também uma censura moral…

A censura moral era violenta no rock e especialmente com as mulheres que cantavam. A Ana Maria Teodósio e a Rita Olivais contaram-me que havia uma repressão brutal que ia da família ao próprio estado. E depois há este combo da Maria Teresa Horta ter resolvido fazer um disco de rock. Para o regime aquilo é o diabo a quatro e saiu logo de circulação.

O festival de Vilar de Mouros também é exemplo disso.

Vilar de Mouros pode ocorrer porque era no Alto Minho, sem nenhum músico de intervenção e quase ninguém cantava em português. O quarteto 1111 tinha acabado de ter um disco completamente censurado, mas não cantaram nenhuma música do álbum. O concerto foi todo em inglês. Foi uma loucura de um ginecologista obstetra que quis fazer ali um grande festival. Ele queria os Beatles, ainda tentou os Black Sabath e conseguiu o Elton John. Totalmente independente. Houve uma distância entre a população e o festival que acabou por fazer as pazes, no final, com Amália e o Duo Ouro Negro.

E o Cascais Jazz?

O festival teve o aval do regime que ajudou a escolher o local. Mas a surpresa ali no meio foi o Charlie Haden fazer aquela frase memorável sobre a libertação dos povos africanos. O mais extraordinário é a reação do público, que aplaude aos gritos. O povo estava à espera do 25 de abril e as manifestações musicais servem de termómetro para revolução que estava a chegar.

Como é que no meio disto tudo vieram os iluminados, como o Carlos Paredes ou o José Afonso?

O Carlos Paredes tinha grande vantagem em ser instrumental. Um militante comunista preso e torturado, mas ainda assim o regime promovia-o internacionalmente porque a Amália também assim o pedia. Noutros casos é importante falar de Paris. São pessoas que estão exiladas em França e vivem intensamente o maio de 68.

Há um embrião revolucionário a partir do maio de 1968 de que faz parte José Mário Branco. Ele fez uma conceção wagneriana do que seria uma canção de protesto, uma revolução musical. Faz isso para o seu disco, mas também para o do Zeca e um pouco para o do Sérgio, que foi feito mais à pressa.

O que fez o 25 de abril a tudo isto?

Há uma completa alteração de paradigma. Antes do 25 de abril havia um inimigo em comum que era o regime, mesmo estando todos estes baladeiros contra o rock, o fado, o nacional cançonetismo. No PREC deixa de haver o inimigo em comum e os músicos passam a ser agentes políticos. Isso altera a estrutura. Dá-se um interregno de todas as outras expressões musicais.

É o próprio José Jorge Letria que diz que faz um saneamento musical. Todos se arrependeram disto mais tarde. Só nos anos 80 é que a música popular portuguesa iria vingar.

Hoje em dia, com a proliferação de ondas, movimentos contra movimentos, é mais difícil perceber as tendências?

Nem tudo é mau com a internet. No final de cada semana, vou ao spotify, e recolho os dados para saber as músicas mais ouvidas. Estou a fazer a tese de dissertação de mercado sobre 2011. Estou a analisar as manifestações musicais com uma amplitude de géneros. É fácil de fazer.

Os bombardeamentos aéreos e de artilharia israelitas “estão em curso desde a noite passada e intensificaram-se a partir da manhã”, disse o porta-voz da defesa civil palestiniana, Ahmed Redwan, à agência francesa AFP.

Redwan disse que dois dos bairros visados, Al-Shuka e Al-Salam, estavam entre os que o exército israelita pediu aos residentes que se retirassem para uma “zona humanitária”.

Segundo Redwan, a intensificação dos bombardeamentos coincidiu com o facto de Israel ter anunciado aos habitantes de certos bairros do leste de Rafah que deviam abandonar o local devido a uma operação militar iminente.

Questionado pela AFP, o exército israelita não fez qualquer comentário imediato.

Ossama al-Kahlut, membro do departamento de operações de emergência do Crescente Vermelho em Rafah, confirmou os bombardeamentos israelitas nos bairros orientais da cidade do sul da Faixa de Gaza e que faz fronteira com o Egito.

“É evidente que o alvo são as casas, mas não fomos informados de quaisquer vítimas nas zonas visadas”, disse.

Yakoub al-Sheikh Salama, 30 anos, residente em Rafah, relatou fortes bombardeamentos em vários bairros, incluindo Al-Salam e Al-Shuka.

“Há explosões fortes e sons assustadores de bombardeamentos aéreos e de artilharia”, disse à agência francesa.

O exército israelita ordenou hoje aos residentes dos bairros orientais de Rafah que se retirassem para uma “zona humanitária”.

As autoridades israelitas disseram que a operação envolveria cerca de 100 mil pessoas.

Apesar dos apelos internacionais, Israel continua a ameaçar realizar uma ofensiva em Rafah, onde se encontram milhares de pessoas que já tinham sido obrigadas a fugir do norte do território.

Israel argumenta que as últimas unidades ativas do grupo extremista Hamas palestiniano estão em Rafah.

O Hamas controla o pequeno enclave palestiniano com 2,4 milhões de habitantes desde 2007.

Ordem de retirada de civis de Rafah é inaceitável

O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, classificou esta segunda-feira,através de uma mensagem divulgada na rede social X, como inaceitável a ordem de Israel para a deslocação de civis em Rafah, considerando que traz “mais guerra e fome”.

O Alto Representante para a Política Externa da UE apelou a Israel para que desista da ofensiva terrestre anunciada para Rafah e que aplique a resolução 2728 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que salienta a necessidade urgente de alargar o fluxo de assistência humanitária e reforçar a proteção dos civis em toda a Faixa de Gaza e que expressa uma grande preocupação com a situação humanitária catastrófica que enfrenta o enclave palestiniano.

A ONU estimou que cerca de 1,2 milhões de pessoas, a maior parte delas deslocadas pelos combates, estão na cidade de Rafah, contra a qual Israel insiste há meses que tenciona levar a cabo uma ofensiva militar de grande envergadura.

O exército israelita garantiu que a operação de retirada dos habitantes da parte oriental da cidade de Rafah era temporária e “de âmbito limitado”.

“Iniciámos uma operação de escala limitada para retirar temporariamente as pessoas que vivem na parte oriental de Rafah”, disse um porta-voz do exército numa conferência de imprensa, repetindo: “Esta é uma operação de escala limitada”.

com Lusa

O coordenador André Pestana disse que a greve se justifica pelo facto de “os profissionais de educação continuarem sem uma avaliação justa e transparente, que mantém as cotas, e as muitas aulas que os alunos perderam o ano passado para realizar as provas de aferição, que sobrecarregaram muito os profissionais de educação”.

Numa conferência de imprensa, em Coimbra, o dirigente sindical salientou que a greve “é uma forma de pressionar o Governo para prestar atenção ao que se está a passar na escola pública”, considerando que deve existir uma discussão com os professores para aferir se fazem sentido as provas de aferição.

“Os pais e os avós percebem que provas de aferição, particularmente em formato digital, têm criado muita ansiedade e muito stress desnecessário, porque estamos a falar de crianças do segundo ano, com 7 anos”, sublinhou.

Por outro lado, André Pestana frisou que existe “uma grande disparidade ao lidar com as tecnologias e também disparidade entre escolas relativamente a plataformas e o próprio acesso [da Internet] aos computadores portáteis”.

“Os alunos estão a perder aulas, porque as provas de aferição implicam a perda de muitas aulas do ensino de aprendizagem normal e sobrecarregam também os profissionais de educação que já estão muito sobrecarregados e, por isso, é uma má gestão de recursos humanos”, afirmou.

Segundo o coordenador do Stop, a greve pretende que o Governo altera estes modelos e canalize “a energia para o ensino e aprendizagem”, evitando que os alunos “percam tantas aulas” e a avaliação dos docentes não seja “uma farsa, com cotas totalmente artificiais”.

“Tem de haver um modelo especial de avaliação e remuneratório, não apenas para os diretores de escola, mas para todos os profissionais de educação”, exigiu André Pestana.

Os pré-avisos de greve dirigidos a todos os trabalhadores docentes e com funções docentes foram emitidos até ao final de maio.

Entre 02 e 13 de maio as escolas podem realizar as provas de aferição do 2.º ano de Educação Física e Educação Artística, que marcaram o início de mais um ano de provas e exames nacionais.

Depois, entre 16 e 27 de maio, chega a vez dos alunos do 5.º ano mostrarem os seus conhecimentos em Educação Musical e os do 8.º ano realizarem as provas da componente de produção e interação orais de Inglês.

com Lusa

Há livros que o correio traz que são como milagres a acontecer. Tinha tido uma discussão com uma amiga, garantindo-lhe que não existia escrita feminina, argumentando com cinco razões (demasiado extensas para aqui reproduzir). Ela argumentava com as razões presentes no livro da Isabel Allegro Magalhães, O Sexo dos Textos (1995), que não me convencera aquando da sua leitura. E eis que chegou o correio, trouxe-me o livro de Susana Moreira Marques, Terceiro andar sem elevador. Notas de Lisboa, ora publicado.

Comecei a lê-lo e a boca abriu-se-me de espanto.

Aquelas páginas só podiam ter sido escritas por uma mulher, eram expressão da visão de uma mulher de meia-idade que habitava um bairro popular de Lisboa (Arroios), uma mulher que construíra um pequeno mundo, que ainda não desistira dele, mas cujo encantamento urbano fora, porém, já assaltado pelo ceticismo dominante europeu, aquele que nos diz que, se nunca vivemos tão bem, nunca tivemos casas, ruas, restaurantes, escolas, livrarias, roupas, vizinhos tão bons e belos, sentimos, porém, ainda que inconscientemente, uma culpa interior cuja origem desconhecemos, que nos obriga a problematizar tudo o que conquistámos. O mesmo sentimento e a mesma culpa que assaltou a Geração de 70 e do seu conceito de decadência.

O livro de Susana Moreira Marques não obedece a nenhum género literário, não é ficção e é ficção, porque fabula, não é ensaio, mas é ensaio, devido às explorações intersticiais que desenvolve, não é história de Lisboa, mas faz parte dela. E, paradoxo dos paradoxos, a ninguém se dirige em especial, não tem nenhum público específico a conquistar. Até o seu estilo é especial: fragmentário, como o de Fernando Pessoa, avançando como um puzzle a que faltará sempre uma última peça para ficar completo.

Terceiro andar sem elevador. Notas de Lisboa (Companhia das Letras, 130 pp., 15,45 euros)

Uma caraterística, porém, possui pela negativa: a ausência de desejo de Poder, isto é, de domínio e ostentação, de se mostrar como diferente e, assim, conquistar o leitor. Pessoa escrevia fragmentos à vida, Susana Moreira Marques escreve notas, breves comentários do tamanho de um parágrafo, e assim vai construindo o seu mundo, um pequeno mundo, mas significativamente feminino, como alguém que à janela (antigo lugar da mulher) vê, observa e comenta para si.

É um livro feminino porque suave, repleto de comentários curiosos sobre os vizinhos, sobre as janelas, as flores, as ruas, muitos sobre as duas filhas, a comunidade, o silêncio, rememorações da vida privada, e da pública também, sobretudo as cintilações da memória como o outro lado do tempo vivido, problemas de identidade de um eu que se consciencializa, se dissolve nos outros, se problematiza na meia-idade, sempre o afeto superior à posse (p. 92, & 8).

E foi esta caraterística que me alertou para a sua escrita feminina: o afeto superior à posse, à propriedade. E a suavidade da sua escrita, nada chocante a sua narração do quotidiano, nada de descrição ou narração de escândalos que atraíssem o leitor do Correio da Manhã ou o Crime, até o título mediano, nem o rés-do-chão do Saramago (Claraboia) nem os vigésimos andares dos romances cor-de-rosa com elevadores velocíssimos. Levar as filhas à escola, coisa mais banal para ser descrita, e económica na adjetivação, “terceiro andar” apenas, diz tudo, alguém que na História procura o seu lugar num meio-termo arcaico: edifícios antigos sem elevador.

Diria que Susana Moreira Marques escreve com os sentidos, todos, não abdicando da razão, evidentemente, mas privilegia e favorece uma visão do mundo ao nível sensorial, evidenciando uma sensibilidade muito afetiva. Coisas da sua vida, não filosofias, não ideologias, não explicações sociológicas, apenas argumentação simples a rasar o dia a dia (p. 13. & 5): “Em Lisboa aprendo a arte do desvio. Essa arte de nos aproximarmos, mas sabermos afastar-nos a tempo”.

É uma arte feminina por excelência, a do “faz de conta”, a do fingimento, a de olhar para um lado tendo a atenção concentrada no lado oposto. Era, antigamente, o modo como a mulher sobrevivia entre a pretensa autoridade do pai e a nova virilidade do filho.

É uma arte feminina por excelência, a do “faz de conta”, a do fingimento, a de olhar para um lado tendo a atenção concentrada no lado oposto. É uma arte de sobrevivência feminina que a autora percebe que já passou para a filha

miguel real – crítico literário

É uma arte de sobrevivência feminina que a autora percebe que já passou para a filha (p. 20, & 8). Ou princípios de ficção: “Uma pessoa que passa. Uma rapariga sozinha sentada numa esplanada. Um homem a atar os sapatos, uma criança a correr à frente dele. Um homem que tira o chapéu, como antigamente. Uma mulher à varanda, as cortinas corridas atrás dela. Qualquer um de nós poderia esse início de uma história, se vislumbrado no local certo no momento certo” (p. 34, & 11).

Não uma teoria a comandar a ficção, apenas um retrato humano, como se a autora estivesse à janela a contemplar o espetáculo do mundo, sem nele interferir. Não foi este, durante séculos, o papel da mulher? Diminuída na ação por pressão social, restava-lhe a contemplação e o sonho.

Susana Moreira Marques pensa com os sentidos e, ao nível da linguagem, concentra-se no corpo e na casa, na família (ou na falta dela – Irene Lisboa) e na comunidade (o bairro) e usa o leque de emoções que vão da ostentação (Florbela Espanca, Teresa Horta) ao recato (Maria Judite de Carvalho, Fernanda Botelho. Teolinda Gersão), uma escrita não raro colonizada pelo homem, que tem sido sempre a escrita dominante, deixando, até ao 25 de Abril de 1974, um pedacinho do mundo para as mulheres (a Modas & Bordados, a Maria, o “correio das leitoras”, a literatura infantil da Ana de Castro Osório, da Virgínia de Castro Almeida e da Fernanda de Castro).

Voltaremos a este tema, o da escrita feminina.

Chama-se Francisco, mas também poderia chamar-se Frederico. Autor e personagem têm muitos pontos em  comum e essa tem sido uma das marcas mais fortes da escrita de Frederico Pedreira. Não porque queria navegar os territórios da autoficção, na qual fidelidade ao vivido é ainda mais forte, mas apenas porque é a partir da biografia que edifica os seus objetos literários, quer sejam poemas, narrativas ou ensaios.

O autor de A Lição do Sonâmbulo sugere até, nesta entrevista ao JL a propósito do seu último romance, Sonata para Surdos, que a memória de certos episódios o remete para outros tempos, outros lugares, mais distantes dos seus, como se recordar abrisse uma porta para outra dimensão.

Em Sonata para Surdos, Frederico Pedreira aproxima-se ainda do que considera ser “um bicho particular”, o que por outras palavras poderia designar por estilo pessoalíssimo e intransmissível. E a encontrar uma definição para essa voz, ela passaria certamente pela confluência, sobreposição e mistura de géneros, num esbatimento cada vez mais acentuado de fronteiras.

Nascido em 1983, Frederico Pedreira estreou-se literariamente com o volume de poemas Breve Passagem pelo Fogo. Na poesia, publicou ainda Doze Passos Atrás, Presa Comum ou A Noite Inteira. Na prosa, revelou-se com os contos Um Bárbaro em Casa, a que se seguiram os romances Fazer de Morto e A Lição do Sonâmbulo, este distinguido com dois prémios europeu de literatura da União Europeia e o Eça de Queiroz / Fundação Millennium Bcp. Com o ensino Uma Aproximação à Estranheza, adaptação da sua tese de doutoramento, foi distinguido com o Prémio INCM/Vasco Graça Moura.

Nos seus últimos livros, as fronteiras entre campos literários – romance, poesia, ensaio – estão cada vez mais esbatidas. É para o texto, qualquer que ele seja, que tudo conflui?

Acho que este livro é um passo nesse sentido. Parece-me que é o primeiro em que sinto ter conseguido uma confluência mais aprimorada entre essas vozes. Isto no sentido em que um grau aprofundado de pensamento e uma aposta estilística dita poética enformam a narrativa e tornam-na o “bicho particular” que ela é.

Cada vez se me torna mais difícil pensar nestas coisas em compartimentos. Vou tentando um grau de perícia como leitor que mais tarde tornará imprecisas ou desnecessárias essas separações no que vou escrevendo.

Essa abordagem significa que se sente mais próximo de um estilo próprio, uma abordagem pessoalíssima, a sua voz?

É mesmo isso. E é a essa voz pessoalíssima que chamo o “bicho particular” que é a minha escrita ou cada livro meu. Continuo a escrever coisas que, mais tarde ou mais cedo, espero resultarem num livro de poemas, num livro de ensaios e assim por diante.

Mas hoje, olhando para trás, parece-me que sempre achei o romance a arte suprema, talvez por terem sido originalmente os romancistas que me suscitaram a vontade de fazer da escrita uma forma de vida. E não me refiro à escrita como modo de ganhar a vida. Mas, retomando a pergunta, creio que é no romance que sou inteiro e falo ou tento falar todas as línguas, por assim dizer.

Outra das marcas fortes do seu trabalho é o cunho autobiográfico, também muito presente em Sonata para Surdos. Não há escrita sem biografia?

No meu caso, não há mesmo. Sou muito adepto da ideia wildiana de que a vida imita a arte. À partida, para um preponente da biografia como trampolim para a escrita, devia ser o contrário. O que acontece, no meu caso, é que de repente surge a ideia para um livro, um modo de estar mais aconchegado à ideia de ensaio, poesia ou romance, e então eu passo a viver em conformidade. É difícil explicar isto.

Mas sem uma ideia, sem algo que salte na poeira repisada da realidade, sem qualquer coisa que me deixe a levitar, por pouco que seja, torna-se difícil subsistir mentalmente. E por isso a vida vai seguindo as pistas da arte numa tentativa de regeneração e recomeço constantes. A biografia é uma efetivação gradual da ideia que me toma de assalto a imaginação.

E que papel desempenha a memória nesse processo? Ao JL já confessou ter “uma memória muito esquisita”…

A memória é a génese de tudo. Gostava muito que Gaspar Simões tivesse razão quando diz na sua biografia de Pessoa que a infância, ou a memória muito atenuada desse paraíso perdido, e se calhar nunca vivido, é o que comandou desde sempre o ímpeto criativo do escritor. Mas talvez a sobriedade da análise de Zenith seja mais acertada nesse aspeto.

Digo que gostava de Gaspar Simões tivesse razão porque, com franqueza, não vejo outro motivo para alguém criar seja o que for se não o de sair de onde está e ingressar num estado sobre-excitado da consciência alimentado pela memória de algo que muito provavelmente nem chegou a ser.

Acontece-me muitas vezes ter saudades do que nunca me aconteceu. A minha memória é esquisita porque parece tirar algum prazer em provocar-me com “sugestões de imortalidade”, na formulação de Wordsworth.

Comove-me a forma como as disfunções cognitivas e comportamentais se manifestam numa espécie de discurso avariado ou quebrado. Comove-me sobretudo a vulnerabilidade de quem assim se tenta exprimir

frederico pedreira – escritor

Nessa dinâmica entre o vivido, o recordado e o escrito, como seleciona o elemento biográfico a recriar literariamente? É um processo intuitivo ou planeado?

É absolutamente intuitivo. Há coisas que me cativam de um modo arrebatador e inexplicável no dia-a-dia, mas só porque estabelecem uma ligação com outros tempos, outros lugares às vezes sem referente exato, perdidos no saco sem fundo da biografia. É que, para mim, certas sensações parecem-me mais antigas do que a própria memória, até do que a própria vida.

Não quero soar místico, até porque de misticismos, ritos e cabalas sei pouco ou nada, mas cada vez mais vou sentindo na escrita um modo essencialmente diverso de sentir as coisas, e longe vão os tempos em que a procurava como modo de recapitular, ordenar ou corrigir o mundo em meu proveito.

Dito isto, o elemento biográfico a tratar surge de forma aleatória, ao sabor do vento, e converte-se num elemento situacional que irá filtrar todas as descrições. Essa situação funde o olhar do narrador e o cenário observado num só temperamento provisório.

Em Sonata para Surdos estamos em Veneza com um longo ensaio académico para escrever. No seu caso, esse momento também foi decisivo para o seu futuro percurso?

Francisco é, de certo modo, narrado pela lente baça e um tanto obscura da sua mente, e a tentativa de ele se livrar do peso das palavras a mais no título do seu longo ensaio é mais um gesto no sentido de aclarar a lente da sua perceção das coisas e, portanto, do seu “eu” provisório.

O que lhe interessa tão fortemente na estranheza, nas dificuldades do discurso ou na afasia, tão presente neste romance e no seu doutoramento?

Neste livro, existem algumas coincidências cronológicas com a minha vida, e o momento da escrita da minha tese de doutoramento é uma delas, embora Francisco esteja focado na escrita de um longo ensaio cujo como, porquê e para quê ignoramos. E a natureza pouco precisa desse ensaio é importante para a figura de contornos algo esbatidos ou indecisos que por vezes ele é.

Foi para mim um espanto quando, há muitos anos, li o livro do psicólogo A. R. Luria sobre o seu paciente Zasetsky, que no meu livro se transforma em pseudo-personagem, e comecei a inteirar-me dos primórdios da neuropsicologia. Comove-me a forma como as disfunções cognitivas e comportamentais se manifestam numa espécie de discurso avariado ou quebrado. Comove-me sobretudo a vulnerabilidade de quem assim se tenta exprimir.

É como alguém que está cheio de sede e vai constantemente ao poço com um púcaro furado. Sempre me revi nesse movimento constantemente frustrado que é, em maior ou menor grau, a condição de todos nós. E a estranheza disso está no contraste entre a evidência do nosso corpo, das nossas palavras, e a invisibilidade a que tantas vezes estamos sujeitos.

O outro polo do romance é o Alentejo, onde vive há vários anos. Veneza e Alentejo são extremos que se tocam, geografias carregadas de estereótipos, lugares-comuns, camadas de tinta turística? São também dois lugares para o quais o discurso é impossível ou difícil?

Sem dúvida, são dois autênticos postais, no sentido em que estão já tão carregados de descrições-rótulo que é difícil escapar à autoridade impositiva dessas descrições.

E refiro-me a estes lugares no livro não só pelo facto de ter deles algum conhecimento em nome próprio, mas também por serem mais desafiantes e interessantes de desmontar, uma vez que aquilo que procuro quando falo de determinados países, cidades ou vilas é, acima de tudo, torná-los não-lugares e livrá-los do que é puramente circunstancial.

O que eu procuro é, quando muito, o país-idioma, a cidade-sugestão. Para efeitos narrativos, a mera experiência de “estrangeiro”, com tudo o que o termo comporta, já é suficientemente fértil. Nos casos de Veneza e Alentejo, o discurso concebido como algo que contém a sua própria semente torna-se mais difícil porque existe num ambiente extremamente saturado em termos de representação.

Há coisas que me cativam de um modo arrebatador e inexplicável no dia-a-dia, mas só porque estabelecem uma ligação com outros tempos, outros lugares às vezes sem referente exacto, perdidos no saco sem fundo da biografia

frederico pedreira – escritor

Essas pessoas são marginais aos olhos de Francisco no sentido em que representam, cada um à sua maneira, uma periferia da comunicação ou da expressão a título individual. Ou porque são inábeis em termos expressivos, ou porque encaram obsessivamente a própria ideia de expressão nos seus moldes criativos ou quotidianos, ou porque manifestam, de facto, uma incapacidade cognitiva ou comportamental que lhes arruína as possibilidades de comunicação: se há algo que liga Francisco, Carlo, a surda e a filha, Zasetsky, o velho Silvio e a filha deste, e até Emília, será certamente este aspecto.

Depois, há essa busca de uma verdade provisória da parte de Francisco, que passará por uma tentativa de escavar mais fundo, de abrir corredores de comunicação, ainda que subterrâneos e em risco de desabar, entre os seus medos e os que espreitam do outro lado, no íntimo dos outros.

Talvez cansado da teoria, Francisco, o protagonista do romance, decide sair da teoria do seu longo ensaio e ir ao encontro das pessoas, sobretudo das mais marginais, de Veneza. É uma busca da verdade?

O narrador, por seu turno, convoca constantemente outros escritores, ensaístas, realizadores. Qual a importância deste diálogo para a construção da narrativa?

Isso foi “uma coisa supostamente divertida que nunca mais vou fazer”, para citar a tradução de um título de David Foster Wallace. E cá estou eu a fazer o mesmo. É importante no livro por duas razões: a primeira, mais evidente, é que o protagonista é estudante de literatura, um aspirante a literato, digamos.

A outra, que tem mais a ver comigo, prende-se com uma tentativa de mapear os meus saltos de fé intelectuais e de fazer jus – embora nem sempre – à ideia  de “o seu a seu dono”. Tenho dívidas contraídas ao longo do livro que só posso ir pagando às prestações, com brevíssimas tentativas de tributo aos escritores e livros que mais me encantaram.

Tolstoi é um exemplo: a forma como em Anna Karénina são descritas as orelhas de Karénin, o modo como, depois de mil vezes observadas, se destacam de súbito aos olhos da mulher em todo o seu aspeto grotesco… este aspeto motivou o meu diálogo entre a transformação fisiológica de Francisco e o seu tormento interior. Claro que essa dívida tinha de ser reconhecida.

O dialogo com a Bíblia também é particularmente forte neste romance. Qual a sua relação com o texto sagrado?

Na Bíblia, fui e continuo a ser um turista interessado e às vezes encantado. É o poder encantatório das suas repetições e tautologias que me fascina. Há momentos em que cada versículo parece um vitral de uma mesma janela temperada por uma luz ligeiramente desigual.

E isso, para o menos cético, poderá ser visto como um texto e uma verdade especialmente conseguidos, como eu acredito que são. Mas na Bíblia interessa-me acima de tudo o temperamento de certos episódios, que irá contaminar as imagens e o motivo metafórico de certos passos do meu livro.

E como ler o título Sonata para Surdos?

Parece-me que é um pouco como o título A Lição do Sonâmbulo. Ou seja, é uma tentativa da minha parte de encapsular uma tese ampla e experimental em três ou quatro palavras. Tanto num caso como no outro, há uma tentativa de chegar a alguém, seja através de uma sonata ou de uma lição, e de se esbarrar invariavelmente num elemento obstinadamente negativo ou pouco cooperante, seja o surdo ou o sonâmbulo.

A haver uma interpretação para o título, avançaria com a noção de que há certas coisas ditas de maneira especial que só poderão ser compreendidas através de uma surdez (ou cegueira) igualmente especial.

Acontece-me muitas vezes ter saudades do que nunca me aconteceu

frederico pedreira – escritor

Além do Prémio da União Europeia para a Literatura que recebeu com A Lição do Sonâmbulo, tem sido traduzido para várias línguas. Tem encontrado leituras novas? Como tem sido essa experiência?

É muito esquisito dizerem-me na Bulgária ou na Macedónia que sentiram uma ligação muito forte com esse meu livro.

Estou a falar do quintal da casa dos meus avós em Benfica, o molde da minha infância e início da adolescência, e de repente estou em Budapeste a ouvir não só esse quintal dito em húngaro, mas também toda essa gente da minha memória traduzida para uma língua que ignoro por completo, vertida em sensibilidades tão circunstancialmente distantes da minha aos dez anos.

A única esperança que posso ter é que isso se deva mais à força da linguagem e menos ao elemento referencial da narrativa, como nomes de marcas, objetos, lugares ou experiências de outras décadas. E, sim, tenho sido surpreendido por um tipo de interpretações muito militantes, pensadas e sentidas que raras vezes encontrei por cá.

A Federal Aviation Administration (FAA) acaba de dar ‘luz verde’ à Boom para testar o avião supersónico XB-1 em velocidades acima de Mach 1, quebrando a barreira do som. Os testes aprovados agora devem acontecer ainda este ano, no deserto do Mojave, nos EUA. O objetivo é permitir à empresa perceber se o design é funcional em termos de consumo de combustíveis, velocidade e outras características.

A aprovação chega poucas semanas depois do primeiro teste bem sucedido em velocidades subsónicas do X-B1 e depois de uma análise completa ao impacto ambiental e outros parâmetros. Ainda antes de se tentar quebrar a barreira do som, esperam-se entre dez e vinte voos de teste da Boom, para se confirmar o desempenho e outras qualidades do sistema.

Veja o primeiro teste de voo do XB-1

O Engadget avança que o piloto escolhido para quebrar a barreira do som é Tristan ‘Geppetto’ Brandenberg, um nome já conhecido destas andanças. Para já, não há uma previsão para quando é que este tipo de voos vai estar disponível para os passageiros. No entanto sabe-se que o objetivo da Boom é ter um avião comercial chamado Overture e que será capaz de transportar cem passageiros, com elevado conforto, entre Tóquio e Seattle em quatro horas e meia.

O trajeto da Boom até aqui não tem sido tranquilo, com a empresa a ter abandonado a parceria com a Rolls-Royce e unido esforços com a FTT para desenvolver o motor Symphony.

Uma cidade onde se lê, escreve, cria e se vive a cultura. É com esta filosofia, sintetizada no slogan “Lisboa Inspira”, que a capital portuguesa se apresenta, como convidada de honra, na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, na Argentina. Aberta ao público até ao próximo dia 13, esta é a quinta maior feira do livro do mundo, a terceira da América Latina, com mais de um milhão de visitantes (no ano passado registaram-se 1, 2 milhões de entradas).

Uma oportunidade única para reforçar a presença da língua e cultura portuguesas, bem como a de toda a Lusofonia, no contexto hispano-falantes, depois de participações idênticas e com o mesmo estatuto de convidado de honra em Bogotá, na Colômbia, em 2013, e em Guadalajara, no México, em 2018.

“Participar na Feia do Livro de Buenos Aires é uma oportunidade única”, sublinha Carlos Moedas, presidente da autarquia lisboeta. “Que esta celebração das artes e da liberdade fortaleça ainda mais os vínculos entre Argentina e Portugal”, deseja Martín Soto, encarregado de negócios da Embaixada Argentina em Portugal.

O programa cultural da representação portuguesa tem curadoria de Carla Quevedo e procura mostrar a pluralidade de vozes de que Lisboa é feita. “Um convite como o da Feira do Livro de Buenos Aires apela a uma curadoria que inclua a diversidade de géneros literários, do conto à poesia e ao romance, bem como a variedade de estilos de escrita, tão singulares como os seus autores, dos recém-chegados aos consagrados, da novidade ao bestseller”, sublinha a escritora e cronista.

Um convite como o da Feira do Livro de Buenos Aires apela a uma curadoria que inclua a diversidade de géneros literários, do conto à poesia e ao romance, bem como a variedade de estilos de escrita, tão singulares como os seus autores, dos recém-chegados aos consagrados, da novidade ao bestseller

Carla Quevedo – curadora do programa cultural da representação portuguesa

Já Diogo Moura, vereador da cultura da Câmara de Lisboa, afirma: “Abraçámos este convite da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires porque levar a cidade (e, já agora, o país) para além do seu território, torná-la conhecida a novos públicos, divulgando quem somos, é algo que está na nossa essência. É certo que a Feira do Livro de Buenos Aires é sobre o livro, mas entendemos o livro como uma metáfora: como um artefacto que nos permite rasgar horizontes e dar espaço à criação. O livro é a âncora, mas nesta viagem a âncora estabiliza-nos, não nos prende, e foi por isso que decidimos levar mais do que o livro. Foi por isso que decidimos levar Lisboa.”

É certo que a Feira do Livro de Buenos Aires é sobre o livro, mas entendemos o livro como uma metáfora: como um artefacto que nos permite rasgar horizontes e dar espaço à criação

Diogo Moura – vereador da cultura da Câmara de Lisboa

Levar a cidade implica, neste contexto, alargar a literatura lisboeta e portuguesa aos campos da ilustração e da banda desenhada, mas também à música, ao cinema e às artes plásticas. Uma proposta abrangente que assenta em várias parcerias, nomeadamente com a Imprensa Nacional, Fundação Calouste Gulbenkian, Casa Fernando Pessoa ou Fundação Saramago, sem esquecer vários organismos governamentais na área do livro e da cultura.

Humor, futebol, poder e literatua: um programa diversificado

No centro do programa estão as conversas com e entre escritores, iniciadas no passado dia 25 de abril. Em muitos casos, criadores nacionais cruzam-se com autores argentinos, num diálogo que procurará encontrar convergências e idiossincrasias.

A um de maio, Ana Pessoa falou com Isol Misenta sobre criatividade e imaginação, e Ricardo Araújo Pereira com Katja Alemann sobre o riso das mulheres. Houve ainda conversas entre Isabel Stilwell e Florencia Canale sobre romance histórico, a 3; Bruno Vieira Amaral e Martín Kohan sobre futebol e literatura; Francisco José Viegas e Cláudia Piñeiro sobre policiais e Lídia Jorge e Jorge Sigal sobre literatura e poder, ambos a 4.

Outros encontros juntam Joana Estrela e Inés Garland, a 6; Ana Cláudia Santos, Susana Moreira Marques e Valeria Tentoni, a 7; Joana Estrela e Laura Escudero Tobler, a 8; ou Maria Inês Almeida e Andrea Ferrari, a 12.

A maior parte das sessões, no entanto, é com criadores portugueses que apresentam livros seus, outros autores ou trocam ideias sobre temas relacionados com a literatura portuguesa. Além dos autores já referidos, participam ainda no programa cultural José Luís Peixoto, Yara Nakahanda Monteiro, Pedro Mexia, João Pedro Vala, Ana Cláudia Santos, Isabela Figueiredo, Maria Inês Almeida, António Pinto Ribeiro, Joana Bértholo, Júlia Barata.

Com um programa próprio, a Casa Fernando Pessoa divulga a obra do poeta português, amplamente conhecido em língua castelhana, em várias sessões: “Os outros nomes de Pessoa”, com Richard Zenith, Nuno Amado e Rita Patrício; “A razão de publicar-se – planos e projetos de Fernando Pessoa”, com Joana Matos Frias, Pedro Sepúlveda e Jorge Uribe, a 7; e “Quem é Fernando Pessoa?”, com Patricio Ferraria e Clara Riso, a 8.

Também haverá leitura de poemas de Pessoa e seus heterónimos pelo Grupo Amador de Teatro do Instituto Camões em Buenos Aires. Em diferentes painéis, a Imprensa Nacional divulga o seu trabalho na edição de clássicos, autores na diáspora e fotógrafos.

Música, cinema e exposições para celebrar Portugal

Na música, os sons nacionais serão representados, até ao final da feira, por Rodrigo Leão (a 4); Ana Lua Caiano (a 5), Artur Pizarro (a 6); Expresso Transatlântico (a 9); e Gaspar Varela (a 10). E, no cinema, o Teatro San Martín exibe, até 5 de maio, uma seleção de filmes inspirados em romances de Catarina Gonçalves, Edgar Pêra, Eduardo Brito, Fernando Vendrell, João Botelho, Júlio Alves, Luísa Marinho, Luísa Sequeira, Manuel Mozos, Mário Fernandes e Rosa Coutinho Cabral.

Algumas exposições que integram a representação nacional foram inauguradas na primeira semana da feira. O pavilhão de Lisboa, que tem cerca de 200 mil metros quadrados, com uma livraria com 700 títulos em português, recebe uma mostra de ilustração com trabalhos de artistas portugueses e argentinos.

A Fundação Calouste Gulbenkian apresenta, na Biblioteca Nacional Mariano Moreno, a partir de dia 2 de maio, Livros de Artista, e a Fundação José Saramago inaugura, na Biblioteca do Congresso, a 6, a mostra Direitos Humanos: Tomemos então, nós, cidadãos comuns, a palavra e a iniciativa.

Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas apresenta nova linha de apoio à tradução

Antes da abertura na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, nas suas jornadas profissionais para editoras e agentes, a Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas apresentou uma nova linha de apoio à tradução que tem como objetivo “promover a internacionalização de autores e da língua portuguesa”, assim como “contribuir para a continuação da publicação e presença de autores portuguesas no mercado editorial argentino.”

Esta linha de apoio suporta uma parte dos custos de tradução e tem sido responsável pela publicação de vários livros. Os mais recentes são Minha Senhora de Mim, de Maria Teresa Horta, pela editora Abisinia, que também lançou A Noção do Poema, de Nuno Júdice.

Ainda em 2023, saíram O Segredo de Compostela, de Alberto S. Santos, na El Ateneo (depois de Amantes de Buenos Aires e Profecias de Istambul do mesmo autor); KNK, de Luís Filipe Sarmento, na Leviatán, O Avô tem uma borracha na cabeça, de Rui Zink e Paula Delecave, e A Visão das Plantas, de Djaimilia Pereira de Almeida (depois de Esse Cabelo), na Edhasa.

Desde o início deste século foram editados na Argentina, com este apoio, entre outros, Catarina Sobral, David Machado, Dulce Maria Cardoso, Gonçalo M. Tavares, João Tordo, José Luís Peixoto, Maria João Cantinho ou Miguel Sousa Tavares, assim como os lusófonos José Eduardo Agualusa, Mia Cousa e Ondjaki.

Fernando Pessoa, José Saramago e António Lobo Antunes são os nomes mais traduzidos, como acontece em todo a América Latina. Como recordam Isabel Gaspar e João Ribeirete, o primeiro autor a ser traduzido na Argentina foi Almeida Garrett, com Frei Luís de Sousa, em 1900, seguido, na década de 40, por Eça de Queirós e Camilo Castelo Branco. A lista de clássicos inclui ainda Camões, Gil Vicente ou Oliveira Martins.

No sentido inverso, a literatura argentina em Portugal foi dominada, até há bem pouco tempo, por Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares, Silvina Ocampo, Ernesto Sabato ou Leopoldo Lugones. Hoje, as traduções alargam-se às novas gerações, sobretudo mulheres. Talvez a presença de Lisboa em Buenos Aires traga, na torna viagem, novas vozes e um intercâmbio mais acentuado

A cantora e compositora norte-americana Madonna terminou a digressão mundial “Celebration” com um concerto na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, sábado à noite. No que já é considerado um dos maiores concertos da história, Copacabana, encheu-se de 1,6 milhões de pessoas que assistiram ao espetáculo, com entrada gratuita.

Madonna, de 65 anos, esteve em palco por mais de duas horas, num espetáculo que incluiu êxitos como “Nothing Realy Matters”, “Like a Prayer”, “Vogue” e “Express Yourself”. “Rio, aqui estamos nós, no lugar mais bonito do mundo, com o oceano, as montanhas, Jesus. Este sítio é mágico”, declarou Madonna à multidão, a meio do espetáculo.  

Várias pessoas esperaram horas – e até dias – ao largo do recinto, com esperança de conseguir um bom lugar. Com ecrãs gigantes espalhados pelo local, várias pessoas assistiram ao espetáculo a partir de barcos ao largo da praia e de apartamentos e hotéis com vista para o areal.  

A digressão “Celebration” teve início no ano passado e destinou-se a celebrar os 40 anos de carreira da cantora.

O espetáculo contou ainda com a participação de artistas brasileiros como Anitta e Pabllo Vittar, bem como de jovens músicos de escolas de samba.

O governo do Rio de Janeiro terá investido mais de 3 milhões e meio de euros no evento e estima-se que o retorno foi de mais de 50 milhões de euros para a economia da região.