Depois de ser maquilhado e penteado pelos mesmos de sempre, na sua casa de Lisboa, e já de camisa de marca a tapar-lhe o tronco antes nu, Herman José pega no telemóvel que o acompanha constantemente e mostra, entre o orgulho e a nostalgia, a entrevista que Vítor de Sousa fez a Felisberto Lalande, presidente da associação das pessoas que não dizem os eles. Rimos muito, ao recordar o sketch divertidíssimo, de 1990, que agora todos podem ver no seu perfil do Instagram. O humorista está mais atual do que nunca nesta rede social e esbanja energia em palco, mesmo que o Cartão de Cidadão teime em confirmar-lhe que já vai longa a sua jornada por aqui. A palavra ao mestre, com a devida vénia.

O Cartão de Cidadão diz que tem 70 anos. Mas aí dentro, como se sente?
Em alguns momentos, gosto de ter ganhado certezas sobre as coisas, pois há dúvidas que desaparecem. Quanto mais certezas temos, e mais se arruma aquilo que se sente, melhor é a qualidade de vida – sente-se mais paz, dorme-se melhor. Por esse lado, sinto que valeu a pena a passagem do tempo, e até lhe acho alguma piada. A parte inquietante é muito maior, sobretudo quando se chega à conclusão chocante de que vivemos menos de metade do tempo de uma baleia da Gronelândia. 

Portanto, já ficava contente com uns 200 aninhos…
Sim. Os primeiros 100 era para a pessoa se chatear e pagar as contas, acabar com os problemas financeiros e fazer profissionalmente tudo aquilo que considerasse que devia fazer. Depois, chegava ali aos 100, já muito cansado, e pensava: agora os próximos são para gozar. 

Em bom, claro.
Em bom, porque 100 anos dá perfeitamente para preparar os outros 100. Ao passo que, quando se tem uma vida de 70 ou 80, a maior parte das pessoas não tem a capacidade de se organizar, porque não basta querer. E a vida traz também muitas surpresas – a maior delas é a roleta-russa da saúde, que às vezes podemos dominar, outras nem por isso. 

Ao piano Palavra puxa palavra e, no meio da história, Herman senta-se e a música começa a ecoar numa das salas da sua elegante casa

Portanto, mais vale aproveitar isto muito bem.
Temos a obrigação disso. É o conselho que dou às crianças que me rodeiam, porque agora, para mim, todas as pessoas com menos de 40 anos são crianças: “Eh pá, aproveitem realmente o privilégio de acordarem sem gripe.”  

O Herman tem tido a sorte de acordar sem gripe.
Sim, mas também estou sempre em cima de mim, não deixo de me vigiar.

E quanto aos 50 anos de carreira, como olha para o trabalho feito?
Pela primeira vez, começo a ter orgulho no meu passado artístico. 

Não ligava a essa coisa de ser património do País?
Ligava, ligava, achava tudo bestial e O Tal Canal, que bom, que revolucionário. Mas via tudo com um certo encolher de ombros. Lembro-me de que, quando festejei os 40 anos de carreira, também fiz um espetáculo muito, muito, interessante no Coliseu dos Recreios – um balão de ensaio para estes que vamos fazer agora, mas com uma diferença: ainda deu para ganhar algum dinheiro. Este que vamos fazer agora é completamente ruinoso [Risos]…

Não tem a intenção final de gerar dinheiro?
O meu produtor passa os dias a fazer contas a ver se consegue não perder muito.

A minimizar o dano!
É que não vamos fazer 15, como há dez anos, só serão três [dois em Lisboa, a 4 e 5 de outubro, no Campo Pequeno, e um no Porto, a 19, no Pavilhão Rosa Mota]. Será uma comemoração com as pessoas que gostam de nós. Já tinha ouvido esta história a um cantor que conheci pessoalmente e de quem gosto muito, o Barry Manilow. Quando ele fez 50 anos de carreira, organizou um espetáculo do género, acho que em Madison Square Garden, e o discurso foi esse que eu estou a ter agora. Na altura, pensei: “Oh pá, não me venhas enganar. No fundo, é tudo negócio e estás a inventar uma treta para que a coisa soe bem.”

Afinal, era tudo verdade…
Tudo. Chegar aos 70 anos com a voz impecável, a tocar instrumentos melhor do que nunca, porque com a prática fui melhorando, com a memória completamente fresca, sem qualquer sintoma de demência ou cansaço, é um privilégio de tal maneira grande, e porventura irrepetível, que tem de ser comemorado com muita felicidade. O que também faz com que este espetáculo não corra qualquer risco no sentido de repertório, ele vai pura e simplesmente recuperar todo o material que tenho vindo a desenvolver ao longo destes anos, ao vivo. O único luxo que fizemos foi alargar a orquestra para um tamanho ruinoso [Risos]. Serão 20 músicos, uma big band, orquestrada pelo Pedro Duarte, com quem trabalho há muitos anos. Esse, sim, é o meu presente de aniversário, sentir aquela orquestra de apoio.

Será um espetáculo muito musical?
Será baseado no meu repertório habitual, uma evolução do muito que fui dizendo e fazendo ao longo dos anos, algumas tiradas deliciosamente primárias ou extraordinariamente sofisticadas e ainda outras alarvemente picantes.

Como, por exemplo…?
Alarvemente picantes? Ah, isso não posso dizer… Só adianto que tocarei músicas de Natal com as teias de aranha da rata de uma senhora de 90 e tal anos. Mais picante do que isto é difícil. Estou cada vez melhor a sincronizar o playback do barulho das teias de aranha da rata, que é uma espécie de harpa metálica.

Há muito público jovem nos seus espetáculos. Vão arrastados pelos pais ou o seu humor não tem idade?
Os que vão com os pais são os muito jovens, de 9 e 10 anos. Curiosamente, a geração que, neste momento, mais me contrata é a malta que tem agora entre os 35 e os 40 e poucos anos. 

Curioso, de facto. 
Há várias razões para isso acontecer. Primeiro, porque passaram a sua juventude a ouvir os pais a falarem nos tempos d’O Tal Canal, depois porque eram eles próprios jovens quando começo com o Herman Enciclopédia e criei as Produções Fictícias. A seguir, vou parar ao Herman 98, e os Gato Fedorento começam a trabalhar comigo, como autores. Às vezes, tenho a sensação de que essa geração é a que melhor me entende, até de forma emocionada.

Amarelo “Quando para aqui vim, gastei o meu dinheiro todo a pintar estas paredes.” Valeu a pena, porque elas vão mudando de tom consoante a luz que entra pelos janelões da sala de estar

Emocionada?
Ontem, fui atuar às Festas da Moita e apareceu-me um jovem desta geração de que falo, 30 e poucos anos, que trabalhava para o município. Dizia, comovido, ao presidente da câmara, que se fosse o Papa a estar ali, ele não teria ido às festas e que só havia duas pessoas que ele precisava de conhecer. Uma era o António Lobo Antunes, coisa já resolvida, e eu. Estava mesmo entusiasmado e fascinado.

Mas não são esses que sabem as suas piadas de cor…
Depende, porque a net veio subverter isso. Os sketches estão no YouTube e também no Instagram. Por exemplo, a última coisa que postei na minha página foi uma cena do programa Crime na Pensão Estrelinha, de 1990, uma entrevista a um homem que não diz os eles. A quantidade de mensagens de gente fascinada, que viu aquilo pela primeira vez, é maior do que as daqueles que dizem que se lembram, que era tão giro, “e no dia seguinte todos estávamos a falar assim”. O humor, quando bem feito, não envelhece.

Também pode ter a ver com a sua presença forte nas redes, essencialmente no Instagram. Qual foi o momento em que percebeu que era mesmo importante lá estar?
Começou com uma personagem que fiz com um filtro que descobri, a bicha festivaleira, a falar sobre o Festival da Canção. De repente, é a própria direção de programas da RTP que me pede se posso fazer aquela personagem para a apresentação da grelha. Pensei: “Olha que giro, a facilidade com que já acontece o bypass entre a net e o mainstream media.” E hoje, então, é completamente surpreendente a importância que este pequenino objeto que nos acompanha todos os dias passou a ter nas avaliações artísticas.

Os conteúdos que publica saem todos da sua cabeça?
A maior parte sai, sem grande esforço, que sou muito filho único, com excesso de imaginação e que está sempre a juntar coisas. Até estou a ficar como o meu pai – às vezes, digo piadinhas demais [Risos].

Nos comentários às suas publicações não se encontra um único que não seja carinhoso. Como consegue escapar ao discurso de ódio dominante?
Não provoco isso. É muito fácil criar polémicas, mas não tenho paciência para elas. Prefiro momentos de humor anódinos, à volta de coisas que sejam um bocado feel good, a pôr dedos em feridas que criam cisões. Não é que às vezes não me apeteça fazer alguns, porque o mundo está cheio de gente completamente idiota, mas contenho-me. Israel, Gazas, Trumps, Ucrânia… É muito fácil espoletar incêndios com base nestes temas. 

Também não são muito tema para o humor…
São, porque o humor pode ser tudo. Mas perdi essa capacidade que, curiosamente, por volta dos 40 anos, tinha em demasia, que era a de criar polémicas e dar o peito às balas e andar ali a sofrer por uma ideia, por uma polémica, um programa, como aconteceu com o Humor de Perdição, em 1988, que acabou suspenso, ou com aquela grande confusão criada pela Igreja, por causa d’A Última Ceia, no programa Parabéns, reunindo 250 mil assinaturas contra o momento.

Isso foi um cancelamento, à luz do significado que a palavra tem atualmente.
Foi. Ainda ontem me lembrava do Fialho Gouveia a telefonar-me para me dizer: “Eh pá, estes gajos estão muito a sério. Imagina que pus a tua fotografia num concurso que estou a fazer e apareceu logo alguém a proibir-me de usar a tua imagem.” O Fialho foi muito corajoso em telefonar para me contar isto e em pôr-me à vontade para usar o seu nome. Respondi-lhe que já bastavam os meus problemas e que não queria que transbordassem para cima de outras pessoas. Nessa altura, o cancelamento foi tão grande que me transformaram numa espécie herói-vítima do poder. Nesse ano, até para a Festa do Avante!, que era muito mais militante do que hoje, fui convidado! 

E foi?
Por acaso não fui, porque já tinha outro espetáculo.To make a long story short, nesse ano de 1988 trabalhei tanto ou tão pouco que consegui comprar a minha casa de Lisboa. 

Esta em que estamos?
Metade desta, que era a principal, o resto comprei mais tarde. Antes disso, estava sempre em Azeitão e às vezes perdia gravações por causa do trânsito na ponte.

Hoje o seu cancelamento, a acontecer, seria por outras razões?
Hoje, cancela-se por questões completamente ridículas e as razões são diferentes, muito mais perversas e menos empolgantes. Na altura, os que se insurgiram quanto ao facto de eu brincar com as figuras históricas estavam a ser sinceros, estavam verdadeiramente ofendidos. E os católicos que assinaram a petição contra A Última Ceia estavam realmente chocadíssimos. Existia uma verdade naquelas polémicas, que as dignificava. O que sinto hoje é que as polémicas são basicamente hipocrisia.

E muito mais rápidas, não é? 
Rápidas, e muitas vezes letais para os pobres visados. Quando um incêndio desses começa, não se consegue lutar contra. E esse lado é uma nova realidade à qual me vergo humildemente, porque não conseguimos parar a História. A História é um comboio rápido, não para em estações nenhumas, e quem quiser apanhá-lo tem de ir a correr, a correr, a correr, e entrar em andamento. 

Sem perder pitada?
Essa é a minha visão do mundo. Não fico armado em maluquinho, do tipo Dom Quixote, a fazer lutas e a ser sobretudo algo que não suporto: um velho maldisposto. Quando alguém chega a uma certa idade começa a ter inveja da frescura de quem é muito novo. Portanto, a única vingança é chatear as pessoas: “Estás com um cu muito grande, olha a barriguinha, e nhó, nhó, nhó.” Não caio nessa tentação e assumo humildemente todas as vicissitudes de ter um prazo de validade grande. Nunca deixei de me fascinar com a convicção da juventude e aquela loucura que é a ausência de problemas que dá aos criadores a capacidade de se mandarem para a frente, porque a vida ainda é fantástica, sem problemas, com pais novos, avós vivos. Também olho para essa fase com alguma inveja, porque gostava de perder um bocadinho desta hiperconsciência que tenho.

Tem medo de perder a consciência?
Gostava de morrer lúcido, como o meu pai, que assim se manteve até ao último segundo.

E a Estrepitosa, a sua mãe, é o melhor boneco de sempre?
É fascinante, porque tive três mães diferentes. Uma primeira até à morte do meu pai, uma senhora, esposa do senhor administrador de empresas, que morava nas Avenidas Novas, com a sua Igreja de São João de Deus, as suas amigas e as suas canastas. Depois, tive a mãe viúva, já muito mais perto de mim, a acompanhar-me aos sítios onde eu ia, mas ainda com resquícios das angústias passadas e de todos os fantasmas herdados da cultura judaico-cristã. E, por fim, esta última, que nasceu em 2007, depois de uma depressão, ganhando um sentido de ironia maravilhoso. Ainda hoje estivemos juntos, fartei-me de dizer disparates e ela ria-se que nem uma doida.

“Gosto muito da liberdade que o dinheiro me dá”

Apreciador de relógios de marca, de peças de arte e de outros luxos, Herman é também um mãos-largas com os amigos

Tem um especial gosto por dinheiro, não tem?
Essa expressão é muito engraçada, porque a uso muitas vezes, na brincadeira, mas tem de ser explicada. Gosto muito da liberdade que o dinheiro me dá. 

Na VISÃO da semana passada, o tema é esse, e como o dinheiro desperta os mesmos mecanismos no cérebro que a paixão ou as drogas.
Sem dúvida. Se tivermos capacidade de, com ele, criarmos bem-estar à nossa volta, é um privilégio. Pagar uma conta a uma quantidade de amigos que não têm dinheiro, num sítio extraordinário, é o maior ato de amor que se pode fazer. E é um hype de felicidade. Foi sempre a minha perspetiva do dinheiro, a da partilha e a da distribuição, em vez de ficar sozinho a olhar para a conta, como muita gente faz. Hoje, não teria grande saúde para ter dívidas. Confesso que a única coisa que me tira o sono são contas para pagar. Já passei por negócios muito complicados, em que tive de zerar, e não sinto nenhuma saudade.

O dinheiro que tem é fruto do seu trabalho, portanto isso ainda deve dar mais gozo.
Sim. Mas há outras perspetivas que nunca senti. Imagino a felicidade que deve sentir a Georgina, ao entrar num avião privado para ir para Veneza. Na verdade, que bom seria ser a Georgina e ter aquele cu fantástico, ter aquelas malas, os anéis, os relógios e ainda viajar no seu próprio avião. Pronto, depois entra o Cristiano. Uma pessoa não pode ser tudo em bom. 

Liga imenso a esses luxos, não é?
Desde que era puto e vendia caderninhos de histórias, manuscritos, a 25 tostões. Um dia, o meu tio Álvaro comprou-me cinco e deu-mos de volta para poder vendê-los a outras pessoas. Ganhei 12,50 escudos, que era uma fortuna, e tive a primeira noção do que era ser rico. Hoje, imagino a felicidade de chegar a um leilão e arrematar uma tela da Paula Rego, que sempre venerei e que adoro.

Ela vai consigo para todo o lado e não lhe põe travão?
Na maior. Mas estamos a falar de um organismo que vai fazer 92 anos. Há ali sinais que têm de ser acarinhados, apoiados. Por exemplo, atualmente já não me apetece pegar nela e ir dar uma volta de moto, como fazia há cinco ou seis anos. Não quero correr riscos. Mas manter a chama viva também depende de nós e sobretudo de não tratar os mais velhos com compaixão, condescendência, como se estivéssemos a falar com um coitadinho. Devemos ter a capacidade de nos pormos na horizontal e, quando há uma troca de datas ou de nomes, que é perfeitamente natural, acompanhar isso pelo lado lógico e às vezes até fazer do esquecimento uma conversa. Esta aventura tem sido interessante e merecida, porque ela merece – sobretudo esta terceira mãe, que as outras não mereciam tanto. Aliás, a primeira não merecia nada.

É a vantagem de uma vida longa: conseguir mudar e tornar-se outra pessoa.
Depende, pois conheço umas velhas que ficaram pior com a idade e estão absolutamente insuportáveis. 

Tem um gosto especial por viver e um consequente medo de morrer, que se nota quando, por exemplo, fala das baleias da Gronelândia, com inveja. Isso tem vindo a piorar com o avançar dos anos?
Não, sempre tive esse medo. Na Escola Alemã, um dos temas a que me dediquei foi a época da II Guerra Mundial e, ao lidar com a crueldade, a estupidez humana e a violência de todos os lados, deparei-me com o pior da Humanidade. Portanto, a ideia da finitude foi sempre uma realidade que me inquietou, sobretudo porque na maior parte das vezes um tempo de vida não dá para retificar os erros que se fazem – isso é angustiante. Também acho terrível que, quase sempre, quando se morre de velho, a morte seja inestética, desagradável e cruel. Tive uma avó que acabou de servir um almoço, comeu demais, deve ter-se enfrascado em temperos, depois foi ali descansar um bocadinho e ficou. É um privilégio enorme. E se ela tinha medo de morrer… Aliás, sempre que se sentia mal, levava a mão ao pulso e ficava a ver se ainda estava viva. E só fazia disparates, só comia o que não devia, era muito gulosa. Acho que tenho muitas coisas que me vieram dela, nomeadamente a tendência para o espetáculo: dançava sevilhanas, cantava, era musical. E gostava de objetos, o que não é igual a gostar de dinheiro, porque há pessoas que passam a vida a fabricar dinheiro e têm uma relação muito distendida com as coisas bonitas. E outras que, vivendo até apertadamente, investem sempre nesses bens. 

Os seus pais também eram assim?
O meu pai não desenvolvia nenhuma relação com os bens materiais e a minha mãe também pouco. A minha outra avó, a materna, modista de alta-costura, tinha uma característica que adoro: gostar de receber. Sempre ganhou mais do que o marido, que era dono de uma grande loja de roupa, mas a grande preocupação era que ele nunca sonhasse que isso acontecia. Por isso, fazia o chamado dumping. Gastava fortunas, por exemplo, nos jantares e fingia que era tudo barato ou oferecido. 

Também gosta imenso de cozinhar. Tem até um livro de receitas que foi um êxito editorial. Se não tivesse sido humorista, poderia ter-se tornado um cozinheiro?
Não me vejo como cozinheiro, por causa da escravidão, de ser uma coisa diária e constante e que nunca se abandona. Então, se fizermos algo especial, não podemos delegar, temos de estar sempre presentes – isso matar-me-ia. Mas via-me a dirigir um ótimo estabelecimento hoteleiro, que tivesse restaurante onde pudesse receber as pessoas e ser muito sofisticado e muito cagão, como aquelas estâncias de esqui, aqueles palacetes franceses em que é o dono do palacete que aluga o espaço e tem o privilégio de, sempre que algum cliente é malcriado, poder pô-lo na rua. Isso para mim, poder dizer não, é liberdade.

Sente-se mais livre agora do que quando começou a sua carreira, precisamente no ano da revolução?
Sou muito mais livre agora, a facilidade com que digo que não…

Cultiva as relações profissionais de longa duração?
E humanas também, se puder ser.

Mas essas são mais comuns, digamos assim.
Mas não é fácil, porque as pessoas mudam, não são um bloco de granito que fica ali para sempre. E, às vezes, há gente de quem fomos terrivelmente próximos…

Estou a lembrar-me da Maria Vieira e de como ela mudou…
A Maria Vieira não a meto nesta lógica, porque nunca fomos muito íntimos. Ela foi sempre uma extraordinária profissional. Tudo o que fez, fez bem, voltaria a repetir todo o passado com ela, mas nunca existiu verdadeira intimidade. O final da nossa relação profissional dá-se porque, de repente, o projeto que estava a fazer, o Hora H, não lhe fez sentido e ela saiu para ir experimentar outras oportunidades. 

Portanto, foi fácil desligar-se?
Como não fazia parte do meu círculo íntimo, não me faz confusão nenhuma. Algumas pessoas acham que eu e o Ricardo Araújo Pereira, por exemplo, falamos todos os dias. Ele foi meu autor durante seis anos seguidos e hoje cumprimentamo-nos formalmente quando nos cruzamos, não temos qualquer relação. Mas há imensas pessoas que, às vezes, quando pego nas fotografias e as recordo, umas já morreram, portanto está resolvido, mas outras olho para elas e são outras pessoas, com outras realidades, com outros interesses. Quando as encontro, tento arranjar pontos em comum de conversa e nem esses existem. Como é que aquela pessoa pode ter sido tão íntima, de tantos anos, de horas e horas de convívios e de viagens? Fico surpreendido quando acontece o contrário, quando alguém, por exemplo, como a Maria Rueff, se mantém fiel e igual desde sempre. 

Colecionador O humorista aprecia objetos especiais e tem coleções curiosas, como a de fosforeiras que está sob o vidro de uma mesa de apoio

Gosta da mudança ou não gosta da mudança? No caso da sua mãe foi bom, por exemplo.
Sempre que a mudança é para melhor, adoro. O Pedro Duarte era um chato e, à medida que o tempo foi passando, “deschatificou” e ficou um ser humano diferente. Mas também tenho colegas que já eram chatos e ainda ficaram piores. Hoje são absolutamente insuportáveis, tão insuportáveis que me fascinam – quando a coisa é muito má, torna-se maravilhosa. 

Como é o processo de criação dos seus bonecos? Ou não há processo?
Existem duas vertentes completamente diferentes. Uma é a instintiva: tenho a capacidade de fazer determinada pessoa, logo vou fazê-la, aproveitando, por exemplo, o facto de imitar bem a voz do Batista Bastos ou a do Milhazes, ter um ótimo sotaque nortenho ou uma voz de falsete igual à da minha mãe e à da Júlia Pinheiro – ponho uma cabeleira, sou a Júlia Pinheiro e está feito. Depois há outro lado, que é o científico, em que vamos descobrir personagens para a próxima produção de humor, trabalho feito com os meus colegas. Que tipo de boneco posso encaixar na Joana Pais de Brito, na Gabriela ou no Manuel Marques para a coisa ficar gira e fazer sentido?

Como é que isso acontece?
É técnica, quase científico. No próximo momento do humor, vou fazer de Xana de Carvalho, porque estou igual a ela, temos a mesma silhueta. Portanto, é pôr um vestidinho, uma cabeleira e sou a nova Xana de Carvalho. A Joana já fez de Marie [ex-concorrente do Big Brother Famosos 2], por exemplo, e ficou melhor do que a própria. Penso nas personagens em função dos atores e não contra eles, nem com aquela ideia estupidíssima de os pôr a fazer algo completamente diferente. Não, não faças! 

Pensa algumas vezes: “Ah, se tivesse nascido nos EUA e feito carreira por lá…” Mas nunca teve coragem para sair de Portugal. Porquê?
É verdade, faltou-me coragem para sair daqui porque, quando começaram as propostas, já estava lindamente. Lembro-me de fazer uma série alemã fantástica, porque em alemão não tenho sotaque, falo perfeitamente. Os meus episódios foram um êxito e quiseram contratar-me para a televisão da Baviera, a que fazia as principais produções alemãs. Davam-me casa, aquele que eles achavam que era um extraordinário ordenado e punham-me um ótimo carro à disposição. Nessa altura, estava a ganhar por um espetáculo o que eles iriam pagar-me por mês e o meu carro tinha o dobro dos cilindros daquele prometido. Ia voltar atrás para perseguir um sonho alemão, sem saber o que iria acontecer? Aconteceu-me o mesmo com uma proposta para o Brasil, nos anos 2000, tinha acabado de entrar na SIC. Recusei-a, dizendo que a minha vida estava estruturada, que por cá as coisas me corriam tão bem que até tinha um grande barco para passar férias. O que ia fazer para o Brasil? Começar tudo do princípio?

Não tem alma de emigrante, está visto.
Não sei se teria alma para pegar numa mochila e partir. É por isso que sempre senti um gigantesco respeito pelos emigrantes, mesmo naquela altura em que eram olhados de cima para baixo, como portugueses de segunda. Vejo-os como pessoas de coragem, que pegam nelas próprias e conseguem ir para sítios desconhecidos, tentar, com sacrifícios, outras vidas. 

Das novas gerações de humoristas, quem o faz realmente rir?
Olho para eles com muito carinho e alguns disparates deles dão-me muita vontade de rir. Não tenho nenhuma razão para ser hater de nenhum jovem das novas gerações de comediantes.

Não vai dizer nomes?
Vou sempre ferir alguém. Quando se fala dos mais consagrados, como o Ricardo ou a Joana Marques, eles trabalharam muito de perto comigo, foram meus autores e, portanto, é natural que me reveja numa quantidade de coisas que eles fazem. A arte não nasce do zero sempre, não é? Um dia, no MoMA, olhei para um quadro, e disse: “Olha que engraçado, um Paula Rego aqui.” E não era, era de um pintor que depois vim a saber que a Paula Rego venerava. Portanto, deixou-se também influenciar.

Em forma Aos 70 anos, Herman José conserva uma jovialidade invejável: da voz à memória, passando pelo refinado sentido de humor

Não sente que atualmente há mais condicionalismo em relação à profissão?
Está tudo espartilhado. E, às vezes, as linguagens parecem ser para públicos tão específicos que está tudo a funcionar um bocado em modo bolo de bolacha. 

Tem mágoa de atualmente não estar em horário nobre ou preferia estar num streaming?  
Neste momento, estou precisamente onde quero estar. Se fosse crente, ia todos os dias pôr uma vela a São Fragoso, que é o meu diretor de programas, por me deixar fazer precisamente aquilo que quero, no horário que quero. O Cá Por Casa, que volta agora no final de setembro, é um programa que serve o público que gosta dele, mas também não está ali a interferir em nada, nem num horário que possa pôr em perigo a média diária do canal. Sou um sortudo. Nesse aspeto, vou ter muitas saudades e um grande desgosto quando ele acabar.

Mas diz que o que gosta mesmo de fazer é de andar na estrada.
São dois prazeres diferentes. A televisão é trabalho, como um ginásio, sem piada nenhuma, raras vezes é prazer. A estrada tem uma grande percentagem de prazer.

Não se cansa?
A única coisa que cansa são as viagens, se vou para sítios a 500 ou 600 quilómetros. Ultimamente tenho ido à Moita, a Corroios, e essas distâncias dão para ir e vir. É só para prazer.

No site hermanjose.com diz-se que os seus espetáculos são como impressões digitais, não há dois iguais. É mesmo verdade ou é apenas uma inspirada frase de marketing?
Tudo verdade. Preciso de trocar as voltas para me surpreender a mim próprio e, sobretudo, para surpreender os meus músicos, quando eles não estão à espera.

Hoje não se faz nenhuma entrevista sem falar da Inteligência Artificial e do ChatGPT. Utiliza-o? 
A primeira vez que o usei, fiquei absolutamente encantado.

O que lhe perguntou?
“Quanto tempo é que as carpas andam escondidas?” Porque tive um grande choque, depois de comprar 25 carpas para pôr num lago verde, bonito, e elas desaparecerem completamente. Um mês depois, já estava a entrar em depressão, tinha acabado de instalar o ChatGPT e decidi perguntar-lhe. Ele teve a gentileza de me explicar que demora imenso tempo até que elas ganhem confiança e então acalmei-me e saí imediatamente da depressão. Passado uma semana, vi as primeiras três. Agora, já andam todas de um lado para o outro, a engordar que nem umas doidas. Acho que vou ter as carpas mais gordas da Península Ibérica.

Mas não o usa para trabalhar?
Não, uso só para coisas deste tipo. Noutro dia, estava com azia e perguntei quais são os sintomas do cancro do esófago.

É hipocondríaco?
Não, mas nesse dia tinha todos os sintomas, portanto, marquei logo uma colonoscopia. Vou fazer em breve e devo-o ao ChatGPT.

Também podia ter ido ao Dr. Google.
No ChatGPT é certamente mais intenso, porque ouvimos uma voz que nos fala diretamente com sotaque brasileiro.

Gosta de celebrar a vida à volta da mesa, mas depois tem de malhar para compensar. Como é a sua receita para o equilíbrio?
O ginásio é mais para ganhar agilidade e me proteger se cair. Já devo ter dado, em palco e fora dele, três ou quatro quedas muito valentes. Ficou tudo em pânico e eu fiquei rigorosamente na mesma, precisamente porque tenho o hábito de levantar pesos. Toda a gente devia fazer o mesmo.

Já fala sobre o Caso Casa Pia?
Tenho uma característica ótima, que faz parte do meu carácter. Às vezes, estou a ver um álbum e aparece a minha mãe toda de preto. Sei que está assim vestida porque o meu pai morreu há pouco tempo, mas eu não registo esses momentos maus. Tive um gigantesco acidente de moto, aos 33 anos, que podia ter sido fatal. Noutro dia, vi a fotografia do que restou do metal e foi como se não me tivesse acontecido nada. Quando vejo notícias sobre o Caso Casa Pia, é como se ele não tivesse passado pela minha vida, portanto não sofro de rancores nem de angústias. Pode ser uma das causas da minha felicidade.

Considera-se feliz?
Neste momento, sim. Daqui a cinco minutos, não sei. Basta um telefonema para mudar tudo. Atualmente, ficaria tristíssimo se me cancelassem algum dos meus espetáculos, alegando que afinal vai o Toy. Depois esqueço-me e, se vir o Toy, dou-lhe um abraço em vez de um tiro na cabeça por me ter roubado o espetáculo da Feira do Fumeiro [Risos]. 

Ora então, senhor Feliz, diga à gente como vai este país?
Relativamente à média mundial, vai muito bem. Portugal é um cantinho absolutamente privilegiado. Se quisermos comparar com a felicidade que reina entre a população monegasca, aí vai muito mal [Risos].

“Os próximos prémios só vão chegar quando já estiver uma desgraça”

Na sua grande sala de estar, Herman José pendurou as condecorações recebidas e emoldurou fotografias com quatro presidentes da República

A sua lista de prémios e galhardetes é imensa, como se vê pelas paredes aqui de casa. Há algum que ainda queira receber?
Por acaso, não. Os que me falta receber só se dão a pessoas que já cá não estão…

Mas este prémio Vida e Obra da Sociedade Portuguesa e Autores (SPA) não soa a pés para a cova?
Não, porque quem dirige a SPA tem uma relação de amor absoluto comigo. Se fosse normal, esse prémio viria daqui a 20 anos, quando eu estivesse agarrado ao andarilho e com incontinência, mas eles quiseram antecipar-se.

E a condecoração de grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique, dada pelo Presidente da República?
Essa foi em função dos 40 anos d’O Tal Canal, portanto não teve aquele ar de “está aqui este senhor, já deu o que tinha a dar, deixa-me dar-lhe uma medalha antes de ir comer um croquete”. A do António Costa foi também um ato de amor absoluto, potenciado por um fã, cartão platina, que era o antigo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva. 

E a do Carlos Moedas, só para falar das mais recentes?
Foi uma medalha de honra e passei a pertencer a uma lista muito restrita de pessoas que a receberam. A primeira vez que estive com o Moedas, estava ele ainda na Europa, atravessou um restaurante inteiro, como se fosse um miúdo, para poder conhecer-me. Foi essa personagem, e não a do presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que, no final de um espetáculo no Tivoli, fez questão de me entregar a medalha.

É muito amor!
Muito, muito. Os próximos prémios vão ser inevitáveis, mas só vão chegar quando já estiver uma desgraça, quando tiver para aí 90 anos, o que quer dizer que os próximos 20 serão muito úteis e interessantes.

Palavras-chave:

Bantval Jayant Baliga acabara de fazer onze anos quando a sua família trocou Nova Deli por Jalahalli, uma pequena aldeia nos arredores de Bangalore. No final da década de 1950, ninguém antecipava que a maior cidade do estado de Karnataka, no Sul da Índia, iria tornar-se uma das maiores potências tecnológicas do mundo. A região era conhecida pelas suas florestas e a aldeia tinha um grande lago que os habitantes mais antigos diziam ser ainda visitado por tigres e outros animais selvagens, ao cair do dia.

“Era como estar na selva”, recordou Baliga à revista Electronic Design, em 2010, contando como se lembrava de estar a jogar críquete e de ter relutância em ir atrás das bolas relva afora. “Encontrávamos uma cobra provavelmente todos os meses, se não de dois em dois meses, no nosso quintal.”

Para trás ficara definitivamente Chennai, até 1996 conhecida como Madras, a capital de Tamil Nadu, o estado mais a sul do país, onde ele nascera, a 28 de abril de 1948. Pela frente, haveria o Bishop Cotton Boys’ School, um colégio vencedor do prémio de “Eton do Oriente”.

O colégio tinha pergaminhos, mas seria em casa e com o seu pai que o miúdo entraria no mundo da Ciência. Bantval Vittal Baliga fora um dos primeiros engenheiros eletrotécnicos da Índia nos dias anteriores à independência da Grã-Bretanha, tinha fundado a secção indiana do Instituto de Engenheiros de Rádio e havia de ter um papel fundamental na criação da televisão no país. A sua biblioteca e o seu laboratório doméstico maravilhavam o jovem Baliga.

B. V. Baliga era um homem de vanguarda. Pouco antes de se mudar com a família para Jalahalli, escolhida por ficar perto de Bangalore, acolheu a primeira emissão de televisão numa casa na Índia. Quase por acaso.

“Houve uma exposição em Deli em que estavam a utilizar uma câmara e um transmissor da All India Radio, para mostrar uma transmissão televisiva no recinto da exposição, e o meu pai quis testar se o sinal podia ser recebido a uma distância maior”, contou o filho, à edição indiana da revista Forbes. À época, engenheiro-chefe na All India Radio, sugeriu que se instalasse um aparelho de televisão em sua casa, no centro da cidade. “Foi a grande sensação na vizinhança.”

O episódio parece pura gabarolice, mas não é – e serve na perfeição para Baliga-filho justificar a ambivalência que sempre sentiu em relação ao seu pai. “Ele foi uma grande inspiração”, disse, em 2016, quando entrou para o Hall da Fama dos Inventores dos EUA. “Mas eu queria sair da sua sombra e deixar a minha própria marca no mundo.”

10 dólares no bolso

O seu lugar ao sol iria surgir na mesma área do pai. Ao chegar a altura de ir para a universidade, optou por se inscrever no Instituto Indiano de Tecnologia (IIT) de Madras, onde estudou afincadamente Engenharia Elétrica. A opção revelar-se-ia certeira.

“Os IIT são instituições extremamente rigorosas e difíceis em termos do rigor das aulas e da formação prática… Durante os primeiros dois anos, passámos muito tempo no laboratório e não na sala de aula, pelo que aprendi coisas que outros estudantes podem não aprender. O mais importante foi o clima extremamente competitivo e difícil”, relembrou agora, aos 76 anos, ao jornal Times Of India, via Zoom.

Após a licenciatura, em 1969, Baliga mudou-se para os Estados Unidos da América, onde fez o mestrado e logo a seguir o doutoramento, no Instituto Politécnico Rensselaer, em Troy, no estado de Nova Iorque. Chegara apenas com 10 dólares no bolso, muito pouco dinheiro mesmo para a época, uma determinação governamental por causa da limitação das reservas estrangeiras. Era a sua primeira viagem para fora da Índia e a primeira vez que via neve.

O transístor bipolar de porta isolada (IGBT), inventado por Baliga, reduziu as emissões globais de dióxido de carbono em mais de 82 gigatoneladas

“Nessa altura, não estavam a admitir estudantes indianos no meu departamento. O meu professor disse-me mais tarde que isso se devia ao facto de pensarem que eles não conseguiriam lidar com o currículo”, contou ao mesmo jornal. “Entrei e obtive uma média perfeita de 4,0 durante o meu tempo lá, e depois eles disseram: ‘Oh, talvez estivéssemos errados’ e começaram a deixar entrar os indianos.”

Após o doutoramento, Baliga ainda equacionou a hipótese de regressar a casa, mas na área em que estava a trabalhar, os semicondutores de ponta, não havia oportunidade de o fazer na Índia. Os semicondutores exigem muitas infraestruturas, como água e gás limpos, e eletricidade fiável e sem interrupções, tudo coisas que dificilmente seriam possíveis mesmo em Bangalore. Foi, por isso, nos EUA que ele acabou a fazer a diferença e a entrar para a História.

Tudo começou na General Electric, em 1974, quando recebeu o desafio de inventar algo que quase toda a gente pensava ser impossível – um pequeno dispositivo semicondutor de potência que, trocado por miúdos, funciona como uma espécie de interruptor eletrónico que economiza energia. Provou que era possível “e tinha uma patente pronta num mês”, sublinhou-se na Forbes, em 2016, por ocasião da sua entrada no Hall da Fama dos Inventores.

A revista chamou-lhe, então, “o homem com a maior pegada de carbono negativa do mundo”. E não exagerou. O transístor bipolar de porta isolada (IGBT), que Baliga desenvolveu na década de 1980, reduziu as emissões globais de dióxido de carbono em mais de 82 gigatoneladas. Milhares de milhões de toneladas que equivalem às emissões de dióxido de carbono resultantes da totalidade da atividade humana durante três anos, com base na média dos últimos trinta anos.

Invisível aos olhos do comum dos mortais, o IGBT é uma tecnologia essencial nas instalações de energia eólica e solar, nos automóveis elétricos e híbridos-elétricos, assim como na maior parte dos restantes motores elétricos de uso doméstico e industrial. Reduz o consumo de energia e assegura a fiabilidade na utilização da eletricidade em aparelhos de diagnóstico médico, como os de raios-x, TAC e ressonância magnética, e em aparelhos que usamos em casa, como os micro-ondas, os fogões de indução e os sistemas de ar condicionado.

Prémio milionário

Não admira por isso que Bantval Jayant Baliga tenha agora ganho o Prémio de Tecnologia Millennium, no valor de 1 milhão de euros, o principal galardão destinado às inovações tecnológicas que melhoram o bem-estar humano, a biodiversidade e a sustentabilidade em geral.

O prémio, que tem a supervisão da Academia de Tecnologia da Finlândia, ser-lhe-á entregue a 30 de outubro, em Helsínquia. Foi atribuído, pela primeira vez, há vinte anos e premiou recentemente a sequenciação de ADN que ajudou a desenvolver as vacinas contra a Covid-19.

“Ele surge no culminar da minha carreira, uma vez que me vou reformar ao fim de 50 anos, pelo que o momento é perfeito”, disse Baliga, ao saber-se vencedor. Uma meia-verdade, escreva-se, porque está a trabalhar, com a sua equipa da Universidade Estadual da Carolina do Norte, em Raleigh, em duas novas invenções destinadas a melhorar ainda mais a eficiência nos domínios da geração de energia solar, dos veículos elétricos e do fornecimento de energia para servidores de IA (ver caixa). O homem com a maior pegada de carbono negativa do mundo não é pessoa para viver à sombra de uma bananeira.

Duas novas invenções

Baliga explica em que está atualmente a trabalhar para melhorar a eficiência energética em vários domínios:

BaSIC
A minha primeira invenção mais recente, o Baliga Short-Circuit Improvement Concept, foi concebida para eliminar o obstáculo que constitui o baixo tempo de resistência a curto-circuitos exibido pelos MOSFET [transístores de efeito de campo semicondutor de óxido metálico] de potência de carboneto de silício que integram os acionamentos dos motores utilizados em aplicações industriais e veículos elétricos.”

BiDFET
“A minha segunda nova invenção, um transístor de efeito de campo bidirecional, possibilita o conversor matricial em aplicações de eletrónica de potência. Os conversores matriciais introduzem melhorias sem precedentes no que respeita a dimensão, eficiência e fiabilidade, quando comparados com os inversores de fonte de tensão atuais. Segundo os especialistas em eletrónica de potência, tal terá um impacto revolucionário na distribuição e gestão de energia.”

Fonte: millenniumprize.org

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A história deste filme dava um filme, e a sinopse poderia ser assim: um palhaço que nunca quis aparecer no circo inventa mil e um truques para ganhar a vida por conta própria, a vestir-se dessa personagem que tanto o fascina, não sem um certo lamento se imiscuir, ao fim de quase quatro décadas de carreira, por não ter conseguido atingir um maior reconhecimento; sentindo a injustiça, um filho autodidata, decidido a ser realizador mas sem formação em cinema, resolve homenageá-lo logo na estreia, uma curta-metragem gravada numa semana, com material adquirido ao cêntimo e uma equipa subcontratada a custo zero, que desata a ganhar prémios internacionais.

O Palhaço que Há em Nós, a curta-metragem de que se fala, apresenta Mário Faísca, 66 anos, como único protagonista e o seu filho Eduardo Robalo, 25 anos, na pele de realizador, diretor de arte, editor e fotógrafo. Centra-se na magia de fazer rir os outros e, ao mesmo tempo, na “realidade paralela escondida no sorriso de um palhaço”, que também sofre e chora. Filmada entre Porto e Aveiro, está dividida em atos, influência de Charlie Chaplin, e prescinde dos diálogos, em favor de poemas declamados pelo ator que enche o grande ecrã, autor de alguns.

O Palhaço Faísca está à beira de completar 40 anos de existência, e a sua história deu um filme Foto: DR

Soma já nove distinções, em festivais sediados em cidades que vão de Londres a Toronto, de Dubai a Los Angeles ou de Atenas a Calcutá, e em categorias como melhor “curta”, melhor drama ou melhor filme de interesse humano. No Portugal Indie Film Festival, foi o próprio Eduardo a sair galardoado, enquanto melhor realizador estreante em curta-metragem. Também noutros festivais, o filme português, de 18 minutos e quatro segundos, tem sido selecionado para ir a concurso, o que só por si lhe acrescenta valor.

“Tenho amigos nesta indústria e vejo como eles destacam o facto de serem selecionados. O meu receio, quando começámos a candidatar-nos a festivais, era nem sequer sermos selecionados para nada”, admite o jovem realizador, natural de Aveiro, sublinhando o impacto causado pela chegada do primeiro prémio e revelando que, por estes dias, estão a seguir mais candidaturas para festivais em vários cantos do mundo, agora com expetativas reforçadas.

Os amigos envolvidos no cinema têm sido determinantes neste percurso invulgar de Eduardo, que parou os estudos após concluir o 12.º ano e já trabalhou em lojas de vestuário, teve um canal de ilusionismo no YouTube e vendeu viagens de finalistas. Em tempos, perguntou a um deles como deveria escrever um guião  “para ficar bem feito, como se fosse para Hollywood”, recorda, divertido. “Com a sua ajuda e da informação que existe na Internet, incluindo YouTube e ChatGPT, fui percebendo o que tem de ser feito e fui aprendendo com os meus projetos. Para mim, o mais importante é o terreno”, salienta, convicto de que  “qualquer um pode fazer cinema, reunindo as pessoas certas”. Afinal, “hoje até há filmes gravados com um telemóvel”.

A capacidade de fazer acontecer, “a facilidade de pôr em prática”, é uma herança do pai, reconhece Eduardo. Não fosse ele mestre nesse ofício e dificilmente teria um rasto tão distanciado no tempo de nariz vermelho, luvas brancas e chapéu de coco colados ao corpo. Escolas, hospitais, cafés, centros culturais, sociedades recreativas, bibliotecas municipais, sem nunca esquecer a rua, qualquer cenário lhe serve de palco para arrancar sorrisos, de preferência a crianças e seniores. Já o circo nunca o seduziu.

Faísca contra Censura

Francisco Mário Robalo, de seu nome, nasceu em Lisboa e cresceu em Campolide, onde se estreou nas lides cénicas no grupo de teatro do bairro, que mais tarde daria lugar à Companhia de Teatro de Almada, pela mão do mesmo fundador, Joaquim Benite. É este encenador, antes jornalista, quem está na origem do apelido artístico que adotaria mais tarde, no papel de palhaço.

A revolução de 1974 ainda não tinha libertado o País do Estado Novo quando, na antestreia de uma peça, Mário ficou condicionado pela presença dos censores do Regime. Teria 15 ou 16 anos e era ele o responsável pela iluminação, uma vez que percebia de eletricidade. A dinâmica das luzes era considerada fundamental para distrair a Censura no momento de falas mais críticas, mas quem se distraiu foi ele, falhando os tempos corretos. Assustado com as possíveis consequências, provocou um curto-circuito que deixou a sala às escuras e logo se ouviu Benite gritar  “Faísca”. Ficou a alcunha.

A estreia como ator deu-se já em 1976, ao serviço do Teatro Adóque, que teve em Francisco Nicholson um dos fundadores e por onde passaram atores como Maria do Céu Guerra, Henrique Viana ou António Feio. Quando ele fechou portas, em 1982, por decisão camarária, Mário desligou-se dos palcos para se dedicar à engenharia eletrotécnica, até que o apelo artístico haveria de o resgatar ainda antes dos 30 anos e redundar na criação do palhaço Faísca.

Por motivos de saúde, não foi possível falar com Mário Robalo para este artigo, mas Eduardo lembra como o seu pai correu o País e andou também por Espanha, muitas vezes em iniciativas que misturavam o papel de palhaço com outras atividades de entretenimento, como foi o caso do Verão na Costa, em 2010, na praia aveirense da Costa Nova, que contou  “com póneis e insufláveis” para alegrar a miudagem. Em 2017, para citar outro exemplo, percorreu os concelhos afetados pelo fogo de Pedrógão Grande, com o espetáculo Dar um Sorriso às Crianças.

Pelo meio, Mário Faísca passou alguns anos a ir todos os dias de Aveiro para o Porto, de carro ou de comboio, percorrendo a zona da Ribeira  “à procura da moedinha”, como refere o filho, que adorava vestir-se de palhaço e chegou a acompanhar o pai numa dessas viagens.

“Houve dias em que recebeu horrivelmente mal e outros em que nem acreditou no que recebeu. Tal como houve dias em que pediu dinheiro emprestado para meter gasóleo e ir até ao Porto”, partilha Eduardo, para ilustrar a tal “realidade paralela, escondida no sorriso de um palhaço”, que quis refletir no filme e, em simultâneo, enaltecer a perseverança que tanto admira no pai. “Imaginemos que está uma pessoa a tomar café na Ribeira, num dia menos bom, e surge um palhaço que a faz sorrir. De repente, o dia dessa pessoa pode tornar-se mais alegre, mas ninguém faz ideia do esforço que o palhaço teve de fazer para estar ali.”

A motivação do pai, cujo desejo é ser palhaço até ao seu último dia, é o entusiasmo do filho para o “eternizar” nesse papel, através do grande ecrã. E se o primeiro sente que poderia ter chegado mais longe, por exemplo quando assistem juntos aos Globos de Ouro, ritual sagrado entre os dois, o segundo valoriza-o muito pelo terreno desbravado ao longo de todos estes anos. “Porque, apesar de ser mal pago muitas vezes e de uma vida em que andou mais preocupado em pagar as contas ao fim do mês do que em aproveitá-la um bocado, fez muito pela arte e pela cultura”, considera Eduardo. “Tenho uma grande responsabilidade porque, através deste filme, posso valorizar o meu pai a nível global, ao receber prémios que o elevam a um patamar onde ele, provavelmente, nunca sentiu estar, mostrando-lhe que tudo valeu a pena.”

Eduardo Robalo durante as filmagens da sua estreia como realizador de cinema Foto: DR

Para concretizar esta ambição, o realizador autodidata socorreu-se da equipa que costuma contratar para outros projetos da Black Castle, a agência de comunicação digital, da qual é um dos diretores-gerais, que produziu O Palhaço que Há em Nós. Desta vez, porém, não propôs aos habituais colaboradores qualquer pagamento por serviços prestados. Lançou-lhes, antes, o repto de aderirem ao projeto sem qualquer contrapartida financeira garantida, apenas com as despesas de deslocação e alimentação salvaguardadas.

“Joker”, ou um erro de principiante

O desafio foi aceite, com o acordo a acautelar as tais contrapartidas financeiras da equipa, no caso de as receitas virem a cobrir as despesas de produção, e das candidaturas aos festivais de cinema (o saldo destas está nos €2 500), sendo que as filmagens se prolongaram por não mais de uma semana, em janeiro deste ano.

Seis meses antes, já estava tudo preparado para as gravações, com um pequeno senão: faltava um “valor considerável” para investir no material necessário para assegurar a qualidade idealizada pelo mentor do projeto. Sem financiamento público, restou-lhe esperar que a empresa tivesse disponibilidade de tesouraria para dar o passo decisivo.

“Só que estava tão ansioso que quis ir adiantando outras coisas e quem sofreu comigo foi o pessoal da banda sonora”, adianta Eduardo, que promete não voltar a cometer o erro de encomendar a música antes que os responsáveis pela sua criação possam aceder às imagens. Para os ajudar, ainda assim, forneceu-lhes músicas que o pai usa nos espetáculos e pediu-lhes para assistirem ao filme Joker, “mas sem som”, ressalvando que até ficou bastante satisfeito com o resultado final.

O filme que valeu o Oscar de Melhor Ator a Joaquin Phoenix serviu-lhe, também, de inspiração no que respeita à fotografia, assim como A Baleia e Babylon foram referências noutros aspetos técnicos.

Já com rodagem marcada para este mês, está em marcha uma segunda curta-metragem com realização de Eduardo Robalo e produção da Black Castle, chamada Amanhã. Para depois, há ideias para uma “longínqua” longa-metragem de comédia e já começou a ser escrita uma outra “longa” sobre Santa Joana, padroeira de Aveiro. “Mas este projeto só vai andar para a frente se for financiado, ponto. Porque vai custar milhares de euros e porque quero realizá-lo com uma qualidade de topo a nível internacional, portanto, não vou fazer por menos.”

Eduardo, que na escola chegou a assinar Faisquinha, entende que o pai também errou, “perante a facilidade com que aceitava trabalhos pro bono”, e está absolutamente convencido de ter aprendido mais esta lição com o seu ídolo Mário Faísca.

Quando estreia e onde ver

O realizador Eduardo Robalo conta estrear o filme no Teatro Aveirense, entre o final deste ano e o início do próximo. “Quero ter lá não só pessoas influentes na indústria mas também convidados especiais, comunicação social e, claro, todas as pessoas que pagarem para ver o filme”, antecipa. De acordo com o plano idealizado, antes da exibição da curta-metragem, o palhaço Faísca subirá ao palco, assim como toda a equipa, e haverá um momento de perguntas e respostas com a plateia. Depois, serão ainda apresentados o trailer e um documentário com imagens dos bastidores do filme. Posteriormente, ficará disponível em plataformas de streaming, na Internet, sob um custo por definir. Sendo uma “curta”, teria sempre maior dificuldade em passar nos principais cinemas, e mais complicado se tornou quando a NOS apresentou um orçamento com “números surreais” para o evento de estreia. “Era incrível fazer no cinema, mas não permitia ganhar nada nem pagar aquilo que tenho a pagar”, justifica Eduardo. Uma possibilidade ainda em estudo “é rodar o filme de norte a sul do País”, em parceria com algumas autarquias.

A Presidência da República divulgou este sábado a lista de 14 pedidos feitos por Nuno Rebelo de Sousa, filho do chefe de Estado, a Marcelo Rebelo de Sousa. Segundo uma nota, divulgada no site da presidência, os pedidos foram realizados na qualidade de presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira de São Paulo e “todos eles de natureza funcional”. Entre os 14 pedidos, “oito não foram deferidos e seis deferidos, o maior número dos quais relativos à delegação brasileira e luso-brasileira participante na Web Summit, em Lisboa”, lê-se.

“Em anexo encontra-se a lista enviada à Assembleia da República, a solicitação do senhor presidente da Assembleia da República, relativamente aos catorze pedidos formulados pelo dr. Nuno Rebelo de Sousa, na qualidade de presidente da Câmara de Comércio Luso-Brasileira de São Paulo, todos eles de natureza funcional, dos quais oito não foram deferidos e seis deferidos, o maior número dos quais relativos à delegação brasileira e luso-brasileira participante na Web Summit, em Lisboa”, pode ler-se no comunicado que reforça ainda que “esta lista exaustiva corresponde a todo o período dos dois mandatos presidenciais” de Marcelo Rebelo de Sousa.

Entre os seis pedidos deferidos que se encontram na lista estão, por exemplo, um pedido de audiência com o Tribunal de Contas de SP e Associação Nacional de Contas do Brasil (outubro 2018), um encontro com 150 empresários brasileiros que participaram no WebSummit de 2019 e uma visita ao Palácio de Belém de cerca de 300 cidadãos brasileiros – também no âmbito da Web Summit – em 2022. A lista completa de pedidos pode ser consultada aqui.

A notícia dos 14 pedidos feitos por Nuno Rebelo de Sousa ao Presidente português foi divulgada esta manhã pelo jornal Correio da Manhã, no âmbito da comissão parlamentar de inquérito sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria com o medicamento Zolgensma.