Em Montemor-o-Novo, a poucas semanas, mas milhares de quilómetros de distância, de I Suoni delle Dolomiti – festival ao qual o JL dedica a capa da presente edição – também a natureza foi recentemente palco de um diálogo entre os seus silêncios e os da música humana.
Os artistas Pedro Alves Sousa (PAS) e Adriana João (AJ) juntaram-se numa colaboração inédita, para tocarem uma “Ode” ao nascer do dia, durante o Ponto D’Orvalho, evento dedicado à arte, ecologia e comensalidade, realizado na herdade do Freixo do Meio.
Envoltos pela paisagem do montado alentejano, Pedro e Adriana fizeram soar, respetivamente no saxofone e no violino, notas de uma “composição improvisada”, nas palavras dos artistas, que se misturaram, lentamente, com os sons reais da natureza e com uma gravação de rumor de pássaros.
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“O nosso ponto de partida foi imaginar um tipo de sonoridade que se adequasse ao horário do concerto e a um público que acordou há pouco tempo”, refere AJ, sublinhando que, por essa razão, a obra não poderia ser “demasiado agressiva”.
O nosso ponto de partida foi imaginar um tipo de sonoridade que se adequasse ao horário do concerto e a um público que acordou há pouco tempo
adriana joão
De facto, talvez tenha sido a potência do silêncio, em si mesmo “um ato musical”, como sublinha PAS, aquela que falou mais alto. “Quando tocamos ao ar livre, a ausência de música é imediatamente suplantada por inputs em relação aos quais não é possível fazer outra coisa senão estabelecer uma relação com eles”.
Tal como Mario Brunello, também PAS e AJ estavam habituados a tocar imersos na natureza, jogando com a sua imprevisibilidade. PAS explica como, durante temporadas passadas em Lamego, numa quinta de família, já montou e editou um álbum de Gabriel Ferrandini, gravou outro com Pedro Tavares (nome de arte Funcionário) e fez diversas experiências com o artista sonoro Wouter Jaspers.
O próprio som da terra ouve-se à nossa volta. Parecem coisas muito pequenas, mas fazem sentido no processo de criação
pedro alves sousa
“Tenho apego àquela terra, à natureza, gosto de estar nos rios, gosto de passar lá tempo sozinho”, conta o artista, que passou o verão a investigar, com Wouter Jaspers, de que forma o som do saxofone “era absorvido ou refletido por determinadas pedras, bancos de areia e pela água”, e como é que se pode “jogar com certos silêncios”, chegando ao ponto de “ouvir respostas dos pássaros” ou o canto do vento nas árvores, e incorporá-los na criação. “O próprio som da terra ouve-se à nossa volta. Parecem coisas muito pequenas, mas fazem sentido no processo de criação”.
AJ, por seu lado, confessa que usa o violino “como um meio para chegar a um fim, a certas texturas, sons e ritmos”. Tal abordagem, radicada numa prática próxima dos ritmos e sons da natureza, mais orgânicos e naturais, encontrou o seu expoente máximo em maio, durante uma performance, quando, ao tocar de forma acústica pela primeira vez em muitos anos, numa praia da Costa Vicentina, a artista encontrou o som “arenoso” que tantas vezes “criava” através de processos eletrónicos.
A obra que tocaram juntos em Montemor-o-Novo, nascida do diálogo entre os sons da paisagem, do violino e do saxofone, foi a primeira da dupla, mas está longe de ser a última. A gravação de mais temas, a partir da mesma lógica, está na calha para o próximo ano.
Silêncio. O vento uiva, a chuva tiquetaqueia as folhas das plantas, o cascalho do caminho, os pensamentos dos caminhantes. Silêncio. Uma águia corta os céus, uma cabra montanhesa levanta a cabeça, atenta. Silêncio.
A humidade penetra a terra e dela libertam-se o odor a madeira e o ritmo de passos coordenados, numa subida de quase mil metros. Silêncio.
O trilho íngreme, feito de curvas e contra curvas, afasta-se, cada vez mais, dos vales verdejantes. As pedras deslizam sob os pés, as nuvens adensam-se. Silêncio. Os ouvidos fecham-se sob a pressão de quase 2600 metros de altitude.
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Ao longe, uma casa e, depois, perfiladas uma a uma, surgem as encostas de centenas de montanhas, catedrais de rocha erigidas neste topo do Mundo há milhares de anos. “São pedras ou são nuvens? São verdadeiras ou apenas um sonho?”. A pergunta que Dino Buzzatti fez, em Le Montagne di Vetro, ecoa entre as paredes mastodônticas e os cumes que rasgam o céu. Silêncio.
Tal como numa sala de espetáculos, segundos antes de a orquestra atacar as primeiras notas, sustemos a respiração. É então que a natureza explode, dentro e fora de cada um, numa sinfonia de silêncios, entrecortada apenas pelas notas de uma suite de Bach, que sai do violoncelo de Mario Brunello (MB) e voa em direção aos 50 km quadrados do planalto rochoso de Pale di San Martino, nas Dolomiti.
Não é um sonho, mas parece. Poucos terão assistido ao momento em que os silêncios da natureza invadem e são invadidos pelos silêncios da música humana. Ainda menos poderão gabar-se de terem ouvido Bach imersos nas montanhas que inspiraram o Deserto dos Tártaros e que foram definidas por Le Courbusier como “a obra arquitetónica mais bela do Mundo”.
Com mais de 141 mil hectares e ocupando três províncias do norte de Itália – Trentino-Alto Adige, Veneto e Friuli Ocidental – as Dolomiti, cordilheira dos Alpes orientais declarada pela UNESCO, em 2009, Património da Humanidade, são palco, desde 1995, de I Suoni Delle Dolomiti, um festival de música em altas cotas, criado precisamente com o intuito de celebrar o espanto e a maravilha que tais montanhas conseguem imprimir na alma de quem cruza o caminho das suas vidas com elas.
Há 29 anos que o festival leva músicos de todo o mundo a tocarem em diversos locais das Dolomiti, desafiando-os a dialogar com um silêncio que “não é sinónimo de vazio nem contrário de rumor”, mas sim “ressonâncias entre artistas, público e natureza”, lê-se no manifesto.
O verdadeiro silêncio não existe, sabemos bem. Enquanto houver uma vida, um coração que bate, um sistema nervoso, não pode haver silêncio.
mario brunello – músico e diretor de i suoni delle dolomiti
“O verdadeiro silêncio não existe, sabemos bem. Enquanto houver uma vida, um coração que bate, um sistema nervoso, não pode haver silêncio. Até mesmo estas montanhas têm o seu próprio silêncio, feito do ar que passa, das pedras que rolam, dos animais que aqui vivem, o qual se transforma na base para a música que aqui tocamos, seja a nossa ou a de outros”, defende MB (ver entrevista), diretor artístico do projeto desde 2017 e músico convidado desde a sua 1ª edição.
Além de 17 concertos gratuitos, este ano realizados entre 28 de agosto e 29 de setembro, aos quais se acede através de caminhadas simples, de cerca de 40 minutos, em trilhos de montanha, o festival conta ainda com um trekking de três dias, em que o JL participou, durante o qual os participantes caminham lado a lado com músicos que, de tempos a tempos, param para tocar.
Mario Brunello, Pietro Brunello e Alessandro “Asso” Stefana tocam durante uma pausa no primeiro dia de caminhada (esqª); Concerto ao final do dia, após músicos e participantes terem alcançado o cume Rosetta, a mais de 2000 m de altitude (dirª)FOTO: Trentino Marketing
O grupo de cerca de 40 pessoas que assiste ao concerto, em Pale di San Martino, está precisamente no final do primeiro dia desta caminhada. Deixou os campos de Malga Fosse de manhã cedo e, acompanhado de guias alpinos, do maestro Brunello, do seu filho Pietro, também ele músico, e do guitarrista e intérprete de banjo Alessandro “Asso” Stefana, subiu até ao cume Rosetta.
A meio da manhã, o sol de setembro, que ainda se fazia sentir a baixa altitude, agraciou uma primeira paragem, durante a qual os três músicos tocaram obras de Bach e uma série de peças compostas por Judith Weir, inspiradas nas canções das prisões dos Estados Unidos da América, recolhidas, nos anos 1930, pelos irmãos Lomax.
Durante a manhã do primeiro dia de caminhada, o sol ainda brilhava (ftgr 1,2,3 e 4); Chegados ao refúgio do cume Rosetta (ftgr 5,6,7 e 8), a 2581 m de altitude, os caminhantes ouviram o segundo concerto do dia (ftgr 9); No dia seguinte, continuaram a caminhada, sempre acompanhados de Mario Brunello, que nunca deixa de levar o seu violoncelo às costas (ftgr 10 e 11)FOTO: Trentino Marketing e JL
Música que se entrega à Montanha
O segundo dia amanhece mergulhado num nevoeiro que confere à paisagem um caráter quase lunar. Muitos dos caminhantes são “repetentes” do trekking. Trocam-se histórias sobre edições passadas, comenta-se a dificuldade e a beleza do caminho, bem como a sensação de humildade perante os lentos gigantes de pedra que ladeiam a estrada.
Gioia tem 83 anos e lembra-se de Pietro Brunello quando ainda era uma criança, Ettore tem 84 e comenta que, na juventude, nesta mesma altura do ano, costumava brincar com o irmão num glaciar, “por onde passaremos hoje, mas onde já não há gelo nenhum”.
Cada um entrega o que pode à estrada, seja música, memórias de outros tempos ou a capacidade de contemplar. E, de novo, o silêncio. Que nos esmaga por nele ecoarem todos os sons do mundo. É o antes, o durante e o depois do rumor. A cada passo, “parece que a natureza pede um silêncio para fazer ouvir o seu respiro, a sua música”, afirma MB.
Solista, maestro e músico de câmara, e recente pioneiro de uma nova sonoridade, com o seu violoncelo piccolo, Brunello tocou com as mais prestigiadas orquestras do mundo, das Sinfónicas de Londres, São Francisco e Tóquio à Orquestra de Filadélfia ou as Filarmónicas da Radio France e do Teatro alla Scala, entre outras – mas é nas montanhas que se sente mais feliz.
Tocar o seu amado violoncelo rodeado das Dolomiti que o viram crescer é algo que faz desde a adolescência, contou ao JL na segunda noite de caminho. A relação com a natureza é profunda e recorda com carinho os dois concertos que, este ano, deu no Grande Auditório da Gulbenkian, espaço em contacto permanente com a paisagem exterior.
Apesar de vir do universo da música clássica, Mario Brunello tem procurado introduzir outras sonoridades no festival, nomeadamente o fado, através de Carminho, artista que abriu I Suoni delle Dolomiti nesta edição de 2024.
O maestro tem dificuldade em escolher um momento ou local preferido das últimas 29 edições, mas revela que, todos os anos, a chamada Alba delle Dolomiti, um concerto precedido de uma caminhada noturna, que se realiza ao raiar da aurora, é muito especial.
O segundo dia de caminhada (ftgr 1,2,3 e 4) desenrolou-se do refúgio Rosetta até ao refúgio Pradidali, com diversas paragens musicais; Ao terceiro dia, a chuva miudinha acompanhou músicos e caminhantes durante toda a descida até ao sopé da montanha (ftgr 5 a 11) FOTO: Trentino Marketing e JL
Concerto ao nascer do sol
Uma semana e várias centenas de quilómetros separam a Alba delle Dolomiti da caminhada de Pale di San Martino. Por volta das cinco da manhã do dia 8 de setembro, milhares de pessoas acorreram aos teleféricos das pistas de esqui de Madonna di Campiglio em direção a Passo del Grosté, a 2442 metros de altitude, ponto de partida para o passeio de cerca de meia hora até ao teatro a céu aberto onde, este ano, o ensemble de música de câmara da Royal Concertgebouw Orchestra tocou três obras de Mozart.
A “Alba delle Dolomiti” é um dos pontos altos do festival. Este ano, o público subiu de teleférico de Madonna di Campiglio até Passo del Grosté e caminhou, ainda de noite, até ao local do concerto. Ao nascer do sol, o ensemble de música de câmara da Royal Concertgebouw Orchestra tocou três obras de MozartFOTO: Trentino Marketing
As expectativas criadas por Mario Brunello não saem defraudadas. Chegados ao local, às primeiras horas da alvorada, calamos as palavras e os pensamentos, e esperamos. Breves segundos antes do sol nascer, a natureza parece querer anunciar-nos o espetáculo que estamos prestes a testemunhar.
Por detrás dos cumes, à laia de pancadinhas de Molière, levanta-se uma aragem fria, um sussurro de vento que atravessa o espaço, faz eriçar flores e pedras num breve arrepio, e abre caminho para a luz da manhã, revelando um mar de cumes rochosos, à medida que o sol toma conta do horizonte.
No vale, os músicos atacam um quinteto para clarinete. Esforçamo-nos por agarrar com as duas mãos os sons, as cores, os cheiros do momento. Em suma, o silêncio das Dolomiti. Um silêncio que, no coração de cada um, soa à soma de tudo aquilo de mais intenso e profundo que tenhamos vivido.
“Sozinhos todos. Ninguém se entende. A humanidade inteira está reduzida à solidão de cada um dos seus indivíduos”.
Desconfortavelmente pertinentes e atuais, as palavras proferidas por Almada Negreiros há quase 100 anos, durante a conferência Direção Única (realizada no Teatro Nacional de Almeida Garrett em Julho de 1932), revelam o espírito, mais do que modernista, moderno, que animava o seu corpo.
Como todos os que são modernos, Almada tentava perceber o tempo em que vivia através da lente do Futuro. Lia nas entrelinhas dos acontecimentos, tentando salvar, antes que fosse demasiado tarde, o que ainda havia para salvar dessa humanidade reduzida à solidão.
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E, como todos os que são modernos, tinha mais sonhos do que o tempo da vida humana permite concretizar. Um desses sonhos era um díptico de duas peças teatrais, Deseja-se Mulher e S.O.S., ao qual teria chamado Tragédia da Unidade, que reflete precisamente sobre a solidão a que está votada uma sociedade onde indivíduo e coletividade foram dissociados um do outro, onde cada um acredita bastar-se a si mesmo, simultânea e paradoxalmente convencido de não ser “bastante” para essa sociedade, e o conceito de “todos” deixou de ser a soma das partes para passar a ser uma justaposição de eus.
Em 2024, num mundo onde as angústias de Almada Negreiros são tragicamente atuais, o Colectivo Sul decidiu dar vida a SOS – Aquela Noite, um espetáculo que, partindo do projeto não concretizado de Almada, Tragédia da Unidade, inclui ainda outros textos do autor, dentro e fora da escrita dramática, como a peça em um ato Aquela Noite, excertos da conferência Direção Única, comentários de Pierrot e Arlequim ou O Meu Teatro.
Os sábios não sabem dizer o que sabem e os palhaços sabem…mas não são sábios
Almada negreiros
Ao longo dos 90 minutos da peça, que sobre ao palco do Teatro do Bairro de 20 a 24 de novembro, Carolina Ferraz, Dinis Gomes, Duarte Guimarães, Rita Durão, Rita Loureiro e Sofia Marques fazem-nos entrar na cabeça de um dos maiores modernistas portugueses, servindo-se das palavras do próprio Almada para nos recordarem que “os sábios não sabem dizer o que sabem e os palhaços sabem…mas não são sábios” e que, afinal de contas, “somos todos iguais. Todos. Estamos todos à espera da mesma coisa. Viver”.
Somos levados a refletir sobre o modo como tudo, da natureza à alma humana, é uma dualidade e que uma das partes morre sem a outra, e vice-versa. O mundo é feito de luz e de sombra, de forças motrizes e forças cuidadoras, de procuras e de encontros, de indivíduos e de coletivos, de “nós todos e cada um de nós”.
O trabalho exímio de “corte e costura” faz-nos esquecer que estamos a ouvir excertos de conferências, discursos, ensaios e peças de teatro, dando origem a uma espécie de narrativa inédita, que parece ter sido escrita precisamente assim como se apresenta, o que revela também a inabalável coerência temática das diversas obras de Almada Negreiros e da visão que este tinha sobre o mundo.
À medida que íamos lendo os textos que ele escreveu em áreas tão diferentes, sentíamos que parecia haver um modelo filosófico de pensamento que ele próprio estava a tentar criar
colectivo sul
“À medida que íamos lendo os textos que ele escreveu em áreas tão diferentes, sentíamos que parecia haver um modelo filosófico de pensamento que ele próprio estava a tentar criar”, comentam os atores.
Que modelo é esse? Caberá ao espetador decidir. Afinal de contas os “ templos têm asportas abertas para o público e no interior cada qual encontrará a imagem da sua devoção”.
Ainda assim, é possível que a ressoar dentro de muitos fique a fórmula 1+1=1, imortalizada em Deseja-se Mulher. Após deixar a sala de teatro, asseguremo-nos, porém, de, com o passar do tempo, não cair na tentação de lhe tirar o sinal de mais e substitui-lo com a letra “e”, construindo um futuro de “mundozinhos individuais, pequeníssimos, microscópicos”, onde estamos ao lado dos outros, mas não com eles, e vivemos “sozinhos todos”.
› S.O.S. – Aquela Noite > Teatro do Bairro – 20 a 24 de novembro > Teatro Experimental de Cascais – 29 de novembro a 1 de dezembro > Teatro Municipal Joaquim Benite – 20 e 21 de dezembro
Será preciso aguardar pelas 17 horas desta sexta-feira, dia 15, para se ficar a conhecer o melhor queijo do mundo 2024 (o Super Gold 2024) que será eleito em Viseu. Esta é a primeira vez que os prémios World Cheese Awards (WCA) se realizam em Portugal. A Noruega recebeu a edição 2023 deste concurso organizado há mais de 30 anos pela associação britânica The Guild of Fine Food.
A estreia no nosso país assinala também um número recorde de participantes: 4 800 queijos a concurso oriundos dos cinco continentes. Destes, 182 são portugueses, com todas as regiões representadas, à exceção da ilha da Madeira. Ao todo, serão 20 toneladas de queijo, vindas dos Estados Unidos da América à Austrália, passando pela Coreia do Sul, Japão, Quénia, Chile, Uruguai, Israel e, entre outros, a Ucrânia.
Os melhores queijos serão votados por 244 juris oriundos de 76 países. Foto: DR
“Portugal recebe, e bem, eventos de outras áreas, como o futebol, a Web Summit, festivais de música, mas até hoje não tínhamos trazido um grande acontecimento de um setor em que Portugal dá cartas. A gastronomia portuguesa é muito apreciada lá fora”, congratula-se Bruno Filipe Costa, ligado à área da distribuição alimentar e impulsionador da vinda do WCA para Portugal.
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“A primeira decisão que tomámos quando ganhámos o concurso foi não escolher Lisboa, o Porto ou o Algarve. Essas zonas já recebem muita coisa durante o ano. Queríamos levar este concuro – o maior do setor – para um local que não tivesse essa sorte de receber tanta oferta. Viseu e a região Centro tinham três coisas que queríamos: excelente produção de queijo, capacidade organizativa e as pessoas”, sublinha.
O Pavilhão Multiusos de Viseu será o palco central dos WCA, onde estarão dispostas 104 mesas, com os tais 4 800 queijos, que serão provados ao longo do dia de sexta-feira por 244 juris de 76 países. Portugal tem a maior representação: 35 pessoas, entre chefes de cozinha, jornalistas gastronómicos e provadores de queijo. “A delegação portuguesa tem queijos extraordinários. Depende de como está o queijo no dia, mas tenho muita esperança de que Portugal arrecade medalhas”, confessa o organizador.
Provas de queijos exclusivos
Depois de serem conhecidos os melhores queijos (eleição a que qualquer um poderá assistir), os dois dias seguintes (sábado e domingo, 16 e 17) serão dedicados ao público numa iniciativa também inédita neste concurso, que se costuma destinar apenas a profissionais do setor.
A partir do Pavilhão Multiusos acede-se à Tenda Viseu, com mais de dois mil metros quadrados, de acesso gratuito, onde se podem fazer provas e participar em workshops, nomeadamente de queijos Serra da Estrela, do Japão, de Itália e também da Ucrânia, e em harmonizações de queijo com vinhos.
Ao World Cheese Awards concorrem 4800 queijos de 80 países
Também estão previstas provas mais exclusivas, em quatro tours guiados por um dos elementos do juri à Seleção dos Melhores Queijos do Mundo (nas manhãs e tardes de sábado e domingo, com reserva prévia, €10). Desta seleção, não fazem parte queijos de fora da União Europeia devido a regras comunitárias.
“As pessoas vão poder provar queijos que provavelmente nunca estiveram em Portugal”, realça Bruno Filipe Costa. E deixa alguns destaques: “Um queijo azul do norte de Espanha, algo especial de uma produção muito pequena de um senhor que o faz de forma artesanal há três gerações; um do sul de Itália, que é curado numa gruta durante três anos; os queijos gregos e, estou muito curioso para provar, as novidades que vêm de França.” É caso para dizer: Say cheese!
Pavilhão Multiusos de Viseu e Tenda Viseu > R. Padre Costa, Viseu > 15-17 nov, sex-dom 10h-22h > grátis, Degustação Selecção dos Melhores Queijos do Mundo €10
OS NÚMEROS DO WORLD CHEESE AWARDS
4800 queijos a concurso
80 países dos 5 continentes
20 toneladas de queijo
182 candidatos portugueses (um recorde), de todas as regiões produtoras, à exceção da ilha da Madeira
244 juris de 76 países (Portugal tem a maior delegação, 35 juris)
Em Portugal, nunca foi fácil ser ministro da Saúde. Nem fácil, nem saudável. Trata-se de uma área extraordinariamente exigente, sob o escrutínio permanente de todos: dos profissionais e dos utentes. Erros como o do INEM podem, a prazo, custar a cabeça desta ministra. O primeiro-ministro manteve-a no cargo, e fez bem, mas a confusão que custou vidas deve ser alvo de responsabilização.
A ministra da Saúde assumiu diretamente a tutela dos serviços de emergência médica pré-hospitalar, uma medida que faz sentido, mas a partir de agora não pode haver mais erros ou deslizes nesta área de extrema sensibilidade pública. O INEM existe para salvar vidas, e ninguém deve negar ou retardar os recursos humanos e materiais de que necessita há muito tempo.
O serviço funciona, ainda hoje, à base de muitas horas extraordinárias, o que não é um sinal de tranquilidade. Nem para os profissionais, que têm de tomar decisões rápidas e seguras, nem para quem recorre a essa emergência médica. Podem faltar profissionais e equipamentos em muitos outros serviços gigantescos do Ministério da Saúde e em toda a sua complexa máquina burocrática, mas nunca num atendimento de emergência, onde cada resposta pode significar a vida ou a morte.
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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.
Nem todos os anos são anos de Pêra-Manca, e isso foi algo que desde sempre o tornou especial. A referência mais exclusiva da Fundação Eugénio de Almeida (FEA), que sai sempre de uvas de Monte Pinheiros e que estagia nas caves do Convento da Cartuxa – tudo propriedade da FEA – voltou ao mercado, agora com edição de 2018. Foi apresentada num jantar servido na Adega da Cartuxa, entre os cascos, velas e música à capela, confecionada por Leopoldo Calhau (da Taberna do Calhau, em Lisboa) e pela sua equipa.
Uma espécie de Alentejo reinventado para acompanhar as novidades da Cartuxa, e onde foram servidos outros três vinhos: um Espumante Bruto Branco 2015, um Colheita Tardia Branco 2018 e um Pêra-Manca Branco de 2022 – que ainda não está no mercado.
O tinto de 2018 acompanhou dois dos pratos e ainda a sobremesa. Produzido a partir das castas Aragonês (55%) e Trincadeira (45%), num ano particularmente seco e em que a produtividade baixou consideravelmente, este Pêra-Manca Tinto estagiou depois em balseiros de carvalho francês antes de ser engarrafado e de passar às caves, onde permaneceu até agora. Foram produzidas 21 mil garrafas – bastante abaixo das cerca de 40 mil que habitualmente saem com esta referência – e metade da produção deve ficar em Portugal. Seis mil garrafas já rumaram ao Brasil, onde o mercado aguarda sempre ansiosamente por este vinho.
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Mas será que o Pêra-Manca Tinto continua a ser um vinho assim tão especial, que valha o investimento de mais de três centenas de euros por garrafa? É certo que continua a ser uma referência que prima pela exclusividade: na Adega da Cartuxa, cada visitante – daqueles que marcam visita e fazem provas de vinhos – pode comprar apenas uma garrafa, e ali cada uma custa €350. Este valor pode subir consideravelmente se adquirido numa garrafeira. É óbvio que a baixa oferta faz aumentar o preço, mas a verdade é que este já não é um vinho que se destaque tanto dentro do panorama nacional.
O valor da marca é inegável – junto com o Barca Velha, continuam a ser dos mais reconhecidos entre os vinhos nacionais –, mas a verdade é que tendo em conta a significativa evolução da qualidade das produções portuguesas, o Pêra-Manca acaba por perder o seu caráter especial. É um bom vinho, claro, muito bem feito, com uma acidez muito interessante a disfarçar bem os 15,5% de volume de álcool e claramente em contracorrente com a tendência de produção de vinhos com menos teor alcoólico.Mas atualmente existem, no mercado, tão boas ou melhores referências a fazer concorrência a este vinho, que é um bom vinho alentejano, mas que não vai além disso.
E apesar de a FEA falar em “democratização” do vinho quando é questionada sobre se não pensa colocar um valor ainda mais elevado no preço de cada garrafa, certo é que outras referências oferecem a mesma qualidade e interesse por preços bastante mais acessíveis – alguns, dez vezes mais baratos.
É claro que beber Pêra-Manca é também um sinal de estatuto. Mas num País onde cada vez mais se produz vinho de elevada qualidade, talvez não seja má ideia começar a tentar afirmar outras marcas no panorama nacional e internacional. E, apesar de a apresentação ter sido deste tinto de 2018, facto é que ficámos mais encantados com o Colheita Tardia desse mesmo ano… – e, por €59, acreditamos que seja uma ótima aposta.
Pêra-Manca Tinto 2018
>Região
Alentejo
>Onde encontrar
Na Fundação Eugénio de Almeida ou em garrafeiras nacionais, por €350 a garrafa
>O vinho
Muitos aromas a compota, alcaçuz e frutos vermelhos (sobretudo amoras e mirtilos), e alguma madeira. Com os taninos ainda bastante presentes, é um vinho com boa acidez e denota bom potencial de guarda – acredito que daqui a 15 anos seja um vinho ainda mais interessante. Na boca há sabores florais, e tem um final longo e apimentado, durante o qual perde frescura.
>Notação
AA
Entramos pela loja da Travessa da Espera, que está assim meio escondida nas esquinas sinuosas do Bairro Alto, em Lisboa, e fazemos como as crianças: encolhemo-nos, quase, no meio do espaço, tentando não mexer em nada, porque a delicadeza das peças deve ser respeitada.
Jorge Leitão, que representa a sexta geração da família ao leme da empresa bicentenária, chega em passo lesto, vindo da rua, de sorriso aberto e gravata amarela, a contrastar com o céu cinzento e pesado que nesse dia se faz sentir na capital. Enquanto nos conduz ao andar de cima, ao escritório onde passa parte do seu dia, dá-nos tempo para observar as tábuas inteiras de que são feitos os degraus, os azulejos que colorem o chão e os sons que vêm da rua. “Isto é um escritório muito simples, mas podemos falar aqui.” Na sala, uma mesa redonda de jantar partilha o espaço com uma secretária, um sofá onde a rainha D. Maria se terá sentado mais do que uma vez – “trouxemos esse sofá da loja do Chiado! Sente-se, sente-se” – e vários desenhos nas paredes.
São esboços de joias que já estão em produção, outras que estão apenas a ser pensadas, mas dão vida àquela sala de paredes brancas e simples, que tem uma porta de ligação com os restantes espaços administrativos da empresa. Os esboços passam sempre depois para formato digital, antes de tomarem forma às mãos dos experientes artesãos que alegram as oficinas da empresa.
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Na Leitão&Irmão, a manualidade continua a ser uma certeza e uma constante
Nascida em 1822, no Porto, a Leitão & Irmão, pertencente aos irmãos José e Narciso, ganha o título de Ourives da Casa Imperial do Brasil em 1872, quando D. Pedro II é imperador daquele país. A empresa muda-se depois para Lisboa, onde o desenvolvimento da sua atividade beneficia da proximidade da corte. O objetivo? Restaurar as tradições da ourivesaria portuguesa. Em 1877, a oficina da casa Leitão & Irmão tem como objetivo albergar “os muitos bons artífices e joalheiros” que andavam pelas ruas da capital. Dez anos depois recebe o título de Joalheiro da Coroa, por determinação de D. Luís – que mantém até à implantação da República, em 1910. É muito possível que a criação do diadema de brilhantes, do colar de brilhantes, do colar de brilhantes e safiras, de um par de binóculos em tartaruga, ouro e brilhantes e de um pregador de brilhantes, oferecidos pela família real portuguesa à princesa D. Amélia de Orleães por ocasião do seu casamento com D. Carlos, futuro rei de Portugal, tenham ajudado à tomada de decisão. Seja como for, a partir de então, é da Casa Leitão & Irmão que saem todos os presentes para amigos, familiares e personalidades da Casa Real.
E, depois disso, muitos governantes recorreram à mesma casa para desenhar e produzir presentes de Estado. No entanto, salienta Jorge a meio da conversa, importa esclarecer que “nunca vivemos do poder, mas sim do consumidor”. Essa é a razão por que, garante, foi possível sobreviver durante tanto tempo. A Leitão & Irmão teve “o privilégio” de produzir e vender para governantes dos vários regimes que vigoraram em Portugal, mas a relação que manteve com o poder sempre foi estritamente profissional, garante. “Só assim é que faz sentido”.
Em 1895, quando Júlio Morais se destaca entre todos os ourives da empresa, a Leitão & Irmão chega a um acordo com o artífice: ele trabalha para a casa, por um determinado período de tempo, e pode até ganhar uma posição na empresa. As oficinas passam para a mão do ourives em 1910, continuando a trabalhar em exclusivo para a marca. A vantagem? Quando, em 1974, a Leitão & Irmão é liquidada – “por vários motivos, e o 25 de Abril foi apenas um deles, é preciso que se diga”, salienta Jorge –, as oficinas continuam em atividade, uma vez que faziam parte de uma sociedade comercial chamada Morais Simões.
Empresa enxuta
O engenho para os negócios vem, aliás, de muito de trás. Conta-nos Jorge que, até cerca de 1910, a empresa cessava a sua atividade a cada cinco anos, para reabrir de novo, com a mesma constituição, mas livre de eventuais dívidas, logo de seguida. Uma forma de ir limpando o balanço e garantindo contas certas à medida que os anos passavam.
Mas regressemos a tempos de liberdade, para seguir viagem: agora já em democracia, Jorge Leitão compra a Morais Simões e volta a fazer a Leitão & Irmão. Desde então, tem estado ao leme da empresa que se foi tornando conhecida não apenas por algumas das criações feitas para a Casa Real, mas também por peças icónicas como a coroa de Nossa Senhora de Fátima que ainda hoje encima a cabeça da imagem, no Santuário.
E repare, todos os anos temos publicidade com aquela imagem a ser vista por milhares de pessoas em todo o mundo
jorge leitão
Criada em 1946 a partir do ouro e de joias das mulheres portuguesas oferecidos à Virgem, as oficinas da Leitão & Irmão doaram o seu trabalho e hoje é a peça mais visível desta casa. “E repare, todos os anos temos publicidade com aquela imagem a ser vista por milhares de pessoas em todo o mundo”, diz com um sorriso brincalhão. Conta-nos ainda a história de como a bala que atingiu o Papa João Paulo II, em 1981, foi integrada na coroa depois de o Sumo Pontífice ter pedido que ela fosse entregue à Virgem – que acreditava tê-lo protegido da morte. “O que é curioso é que as hastes da coroa, que não era fechada, faziam um espaço com o preciso diâmetro da bala”, recorda. “Quer dizer, isto também tem que ver com as dimensões humanas, mas continua a ser curioso”, nota o gestor. A peça conta com 2 999 pedras preciosas, a que se juntou, então a bala retirada do corpo do Papa João Paulo II. Três mil peças compõem a coroa, numa espécie de paralelismo com o número três, tão importante para os católicos: Jesus Cristo morreu aos 33 anos, e a religião católica baseia-se na existência da Santíssima Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo. “Mas isto são apenas curiosidades”, continua o responsável, com os olhos a brilhar.
Uma casa a rejuvenescer
Atualmente, trabalham nas oficinas da Leitão & Irmão cerca de 20 artífices, divididos entre ouro e prata. E Jorge, de 66 anos, conta-nos, orgulhoso, que ainda há quem vá bater-lhes à porta a oferecer os seus préstimos.
Foi o caso de Maria Inês, que aos 22 anos é uma das mais novas joalheiras da casa. “Veio cá, perguntou se não teríamos trabalho para ela e todos os dias vem de Mafra e começa a trabalhar às 8h30. Acho esplêndido”, conta. Maria Inês estava de férias no dia da nossa visita, mas foi possível ver “a hipopótama com um um hipopótamo bebé” que tem em mãos. “Uma peça magnífica”, dirá Jorge enquanto nos mostra os moldes da mesma, depois de termos ido espreitar a secretária da ausente Maria Inês.
Animais selvagens que ganham relevo em prata são algo comum para a Leitão & Irmão, e são peças que têm uma saída regular, para os mais diversos públicos. “Há muitos portugueses que os compram também”, garante. Estamos a falar de referências que custam entre €20 000 e €30 000 e que são totalmente feitas à mão, o que lhes confere um carácter ainda mais exclusivo.
Nalgumas das bancadas esculpe-se um Cão de Água Português, o 17º a ser representado na coleção de cães de prata que há uns anos a joalharia decidiu começar a criar. Representações do melhor amigo do Homem que têm sempre bom acolhimento por parte do público.
Aqui, na oficina da prata, reina um silêncio que é apenas intercortado pelo som de uma lima a trabalhar ou de uma ferramenta a ser pousada na bancada de trabalho. Numa das bancadas repousa um cavalo-marinho ainda em construção – “está aqui há uns anos para ser acabado…” – e noutra um frappé de prata onde cabem, pelo menos, seis garrafas de espumante (sim, fizemos as contas!).
Os artesãos – quase todos homens – estão de olhar concentrado no trabalho e alguns de auscultadores nos ouvidos. Um garfo do icónico faqueiro de prata da casa está também a ser trabalhado, e uma oliveira milenar nasce, em prata, numa bancada mais atrás. “Esta é uma oliveira de que me falaram, que está nas Pedras d’el Rey, no Algarve, e que tem 2 000 anos”, conta-nos Jorge. “E ainda dá azeitonas! Portanto, quem nos diz que não foi plantada pelo próprio Jesus Cristo? Nada diz que foi, mas também nada diz que não foi. Portanto, é a fantasia que envolve”, atira com uma gargalhada, fazendo questão de frisar, mais uma vez, que apesar das representações religiosas ou institucionais que muitas vezes a sua empresa produz, ele é um eterno independente. “Eu não sou de clube nenhum, nem da Maçonaria”, garante com um sorriso.
Estamos, agora, num outro edifício da Leitão & Irmão, na mesma rua, mas tão escondido pelos efeitos do tempo que ninguém pode dizer que ali, em pleno Bairro Alto, nasce alguma da alta joalharia nacional. O edifício, com cerca de 150 anos, ainda mantém a traça original. “É preciso fazer algumas atualizações, mas quando houver possibilidade”, vai apontado Jorge, que aproveita para nos mostrar as máquinas que, com décadas de uso, continuam em funcionamento. E aquelas que, apesar de ainda estarem em condições, foram abandonadas no decorrer da evolução dos processos.
Todas as peças que saem destas oficinas – subiremos até à do ouro daqui a minutos – são assinadas Leitão & Irmão, marcadas com o punção de fabricante e certificadas pela Contrastaria Nacional INCM. E muitas delas são feitas em exclusivo para quem as encomenda, o que significa que podem ter um tempo de entrega relativamente longo. No mesmo sentido, algumas obras são numeradas e assinadas pelo artista que a desenvolveu. Para Jorge, é óbvio que só se pode continuar no mercado se se pensar “sempre à frente, porque o passado já acabou”. E garante que as joias ainda têm procura. “As pessoas continuam a apaixonar-se e a querer uma peça linda para demonstrar paixão; continuam a enganar-se umas às outras e a dar joias; continuam a querer ter em casa coisas bonitas”, resume.
Conta que atualmente as mulheres são uma parte relevante do seu público – “agora compram peças para si, porque podem e porque querem, um bocadinho como aconteceu depois dos ‘Loucos anos 1920’” – mas, assume, no geral o consumo não se alterou significativamente.
Como que a dar sinal disso, a oficina do ouro continua cheia de cruzes e motivos religiosos, fios de ouro, anéis de compromisso e joias com pedras preciosas. Clássicos que parecem não passar de moda e que continuam a ter saída. Aqui, a presença é maioritariamente feminina e ouve-se música e os sons da rua que entram pelas janelas abertas. Aurora, Catarina e Fátima falam de forma animada com Jorge quando o responsável entra – tratando toda a gente pelo nome, e brincando com cada um. Pedem-lhe que pegue na “rinoceronta” (fotografia na pág. 88) com cuidado, que “ainda não está terminada”, e são solícitas a trocar candeeiros para melhorar a luz e a arranjar espaço para que a fotografia fique bonita. “Gostamos muito desta rinoceronta. É a Ganda de Modafar, que se acredita ter sido o primeiro rinoceronte indiano a pisar solo europeu e que agora ganha forma em metal precioso (com direito a malha para se cobrir).
Toda a gente desenha nesta casa! Menos eu, que não sei fazer nada
Jorge leitão
Mais desenhos – “toda a gente desenha nesta casa! Menos eu, que não sei fazer nada” (Risos) – cobrem as paredes do espaço, onde convivem armários com dezenas de gavetas, ferramentas, árvores de Natal ainda decoradas, medalhas em acabamento, peças acabadas…
A faturar cerca de €3 milhões ao ano, as oficinas da Leitão & Irmão podem ser um espaço escondido no Bairro Alto, mas a verdade é que são muito mais do que isso: guardam em si, também, um saber e uma arte de manufatura que tem vindo a perder-se e vários pedaços da história de Portugal. Exemplo disso é a representação da Girafa de Fogo, que pode ver na imagem acima, que ocupa uma das bancadas. Desenhada por Salvador Dalí, foi a figura principal do Carnaval do Estoril em 1959. Hoje, é uma das impressionantes criações desta casa que, com poucas dezenas de pessoas , vai continuando a manter viva uma tradição que ajuda a colocar a arte nacional entre aquilo que de melhor se faz no mundo.
E Jorge, com a sua figura descontraída e simpática e a sua capacidade de falar quatro línguas (inglês, francês, alemão e português), continua a levá-la além-fronteiras, mesmo que venda, orgulhosamente, apenas dentro de portas.