Bem-vindo à nova série do podcast Tech Flow, que será inteiramente dedicada à cibersegurança. Ao longo de cinco episódios, exploramos a segurança informática de forma descomplicada – dos conceitos gerais que definem esta área, às novas tecnologias que estão a transformar a forma como utilizadores, empresas e organizações devem abordar a segurança digital. Este é um podcast que tem como objetivo sensibilizar os utilizadores e os decisores – porque no fim de contas, todos usamos tecnologia – para a importância da cibersegurança no dia-a-dia.
O que é, afinal, isto da cibersegurança? E que análise pode ser feita à maturidade de Portugal nesta área? Quais são as ameaças para utilizadores e empresas? Como é que as organizações podem e devem preparar-se para um mundo digital com cada vez mais perigos? É a aposta na cibersegurança um fator de competitividade?
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As respostas a estas e outras perguntas são dadas por Lino Santos, coordenador do Centro Nacional de Cibersegurança (CNCS), e Bruno Gonçalves, diretor da unidade de cibersegurança da Warpcom. Pode ver o primeiro episódio do Tech Flow na versão vídeo no início deste artigo ou ouvir aqui a versão em áudio:
Tech Flow, episódio 1
Veja ou reveja os outros episódios já publicados do podcast Tech Flow:
No arranque do verão, Rui Tavares fez um périplo pelas sedes dos partidos da esquerda. O porta-voz do Livre queria dar os primeiros passos para uma frente de esquerda unida em Lisboa contra Carlos Moedas. No PS, houve desagrado pela forma pública como Tavares pôs o tema na mesa, mas Pedro Nuno Santos acabou a reunião a dizer que “há todas as condições para que se consiga construir um projeto muito interessante na cidade de Lisboa” que junte “as forças da esquerda”. Menos de dois meses depois, o PCP anunciava que o seu candidato à Câmara de Lisboa era João Ferreira, na habitual coligação com Os Verdes. O anúncio foi visto como um sinal de isolamento dos comunistas e de divisão à esquerda, mas em Lisboa ninguém dá nada por garantido: nem a plataforma de esquerda nem que o PCP fique mesmo de fora.
PCP: O problema Medina
Para João Ferreira, não faz sentido ter como único objetivo tirar Moedas dos Paços do Concelho, esquecendo o resultado das políticas dos últimos 23 anos, o período em que a capital foi gerida ora pelo PSD, ora pelo PS, depois do fim da coligação PS/PCP. “Há todo um conjunto de problemas da cidade, cuja raiz não está nestes três anos”, afirma João Ferreira à VISÃO, que dá vários exemplos de como nos últimos anos muitas vezes PS e PSD se juntaram, mesmo quando os socialistas formavam maioria à sua esquerda no Executivo. “O PDM, que liberaliza os usos do solo e é indissociável da crise da habitação, foi aprovado durante a gestão do PS com o acordo com o PSD”, nota o comunista, que diz ser “impossível imputar a culpa apenas ao PSD” da crise da habitação, da especulação imobiliária, do desordenamento do turismo e da perda de população.
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“O PS não sabia o que era turismo a mais na cidade”, recorda o comunista, citando uma frase de Fernando Medina que ficou célebre. “O turismo tem seguramente um papel muito importante, mas tem de ser regulado, porque provoca uma pressão fortíssima, que põe em causa a habitação, a mobilidade, o espaço público. E foi essa visão que marcou a revisão do PMD”, critica João Ferreira. O mesmo para a limpeza e higiene urbana. “Degradou-se muitíssimo nestes três anos, mas há um caminho que se iniciou atrás. A Câmara perdeu capacidade de intervenção na higiene urbana, mas também nos espaços verdes, que são hoje maioritariamente assegurados por entidades privadas”, ataca Ferreira, afirmando que esses problemas começaram com António Costa e Fernando Medina, mesmo que se tenham agudizado com Moedas.
Carlos Moedas Provável recandidato do PSD poderá ter de enfrentar esquerda unida Foto: Marcos Borga
João Ferreira até admite que “o PS foi acertando o passo”, quando se juntou à sua esquerda para regular o Alojamento Local, por exemplo. Mas a desconfiança em relação à vontade de mudança dos socialistas é grande no PCP. “A CDU assume uma atitude que pode ser arrojada e eu diria até corajosa de querer afirmar esse programa de uma cidade mais justa, progressista, mais democrática e ambientalmente mais sustentável em relação a uma gestão do PS que não conheceu ainda a autocrítica que se impunha”, declara João Ferreira. Com o PCP em queda eleitoral, a opção de não integrar uma frente de esquerda parece arriscada, mas João Ferreira garante que os comunistas estão a trabalhar “para lá das fronteiras da CDU” na construção de um programa. “Queremos aperfeiçoar esse programa abrindo-nos a outros. Estamos a trabalhar com setores fora da CDU.”
Mas como pode, então, o PCP ficar de fora de uma frente de esquerda, quando em 1989 foi parte de uma coligação para ganhar Lisboa com o PS (da qual acabaram por ficar de fora o PSR e o Política XXI, que deram origem ao BE)? A diferença, explicam os comunistas, é que há 35 anos o PCP tinha mais vereadores do que o PS e força para impor um programa que levou à fase de maior construção de habitação pública na cidade. “Os que valorizam a experiência da coligação que pensem nisso. Na relação de forças que havia e permitiu que fosse possível fazer tudo isso e o que foram os mandatos do PS”, pede João Ferreira, que considera “inseparável” o descontentamento que existe em Lisboa em relação à habitação, à mobilidade e ao espaço público “do que foram opções do PS nestes 14 anos”.
Dúvidas bloquistas
Dentro do BE também não há muitas certezas. As divergências foram audíveis na Conferência Nacional do partido, no último fim de semana, mas mesmo entre os que estão convencidos das vantagens de unir a esquerda contra Moedas (e que são a maioria) a dúvida prende-se com o programa que será possível construir com o PS. “A bitola da viabilidade de um programa para ganhar a Moedas é uma resposta nova para as questões da habitação, uma resposta que até agora o PS nunca deu e que é necessário que seja construída com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda”, diz à VISÃO o dirigente bloquista Jorge Costa.
Na Conferência Nacional, Mariana Mortágua deixou, aliás, muito clara a prioridade para as autárquicas em Lisboa. “Dialogamos com quem estiver disponível para dialogar, mas tenham a certeza absoluta de uma coisa: a nossa fidelidade é para com quem sai à rua pelo direito à habitação, pelo direito à cidade, pelo direito a poder viver na cidade que escolheu”, disse a coordenadora bloquista.
Recalcitrante, João Ferreira diz que o problema não é apenas o consulado de Moedas, mas, também, o que andaram a fazer sozinhos, na CML, os socialistas…
Se no PCP há o receio de um abraço do urso socialista que torne difícil ao eleitorado distinguir as esquerdas, no BE há a confiança de saber que o facto de terem tido pelouros nos anos em que o PS esteve no poder não erodiu a sua base de apoio. A prova, dizem, está na forma como o partido conseguiu reeleger uma vereadora nas últimas autárquicas. Por isso, o balanço que fazem é positivo.
Certo é que nos últimos meses não voltou a haver conversas entre o PS e as esquerdas. Os bloquistas vão eleger nova concelhia em Lisboa no final de novembro e depois disso apresentarão um candidato e um programa, mesmo antes de chegarem a acordo com o PS. “Estamos a preparar uma candidatura”, diz à VISÃO um dirigente bloquista, que não dá nada por definitivo, nem sequer que o PCP não venha a unir-se a uma plataforma de esquerda. “[A ausência do PCP] não deve ser dado como um caso encerrado”, diz a mesma fonte, que é perentória na importância de encontrar um programa para uma frente de esquerda com o PS que reflita as preocupações do BE. “Sem isso não há coligação.”
De resto, os bloquistas lembram que na maior parte das votações nos últimos anos estiveram alinhados com o PCP e que nem sempre se pode dizer o mesmo do PS, até quando Fernando Medina tinha um acordo com o BE. “Quando Medina precisava de fazer coisas à direita, fazia com a direita.” De resto, o acordo da altura nem sequer previa que os bloquistas aprovassem orçamento. A negociação era feita caso a caso. Agora, se porventura houver um acordo pré-eleitoral, “isso exige outro diálogo”. E o BE até tem uma reivindicação à cabeça: a da suspensão imediata do PDM em vigor, para travar a possibilidade de construção de qualquer novo hotel.
“Isto não vai ser fácil. É necessário um projeto abrangente e unitário. Nunca demos a coligação como um dado e não queremos ganhar a Moedas com o programa de Medina”, sublinha-se no BE. Além de PCP, BE, Livre e PAN (que não se afirma de esquerda, mas aceitou entrar na primeira ronda de conversas para uma frente anti-Moedas), a esquerda em Lisboa passa também pelo movimento Cidadãos por Lisboa (CPL), que nas últimas autárquicas tem ido nas listas do PS, mas que agora não querem ser dados como garantidos. “Mais do que uma justaposição de partidos, qualquer frente de esquerda, seja qual for a sua geometria, tem de ter por base uma organização com os movimentos sociais da cidade. Precisamos de saber a base programática, a visão para a cidade, até porque não temos votado todos da mesma maneira. Um programa que não pode ser só o corta e cola dos programas dos partidos”, afirma à VISÃO a vereadora Paula Marques, que assume não ter havido ainda “nenhuma conversa, nem com o PS nem com outra força política” sobre as autárquicas.
Mariana ou Alexandra?
No Livre, ninguém quer falar de Lisboa para já, até porque o partido – no rescaldo das europeias e da guerra interna em torno da escolha do cabeça de lista para essas eleições – vai mudar o regulamento, antes de fazer as primárias, para escolher candidatos às autárquicas. Mas uma fonte da direção do partido assegura à VISÃO que “ainda não há uma negociação”. Apesar disso, a vontade do Livre (que há duas eleições se apresenta a votos em Lisboa com o PS) é clara no sentido de unir as esquerdas. “O PCP tem a sua candidatura, mas o PCP já recuou noutras alturas em nome do bem comum. Não damos isso por excluído”, diz um dirigente do Livre, que acredita que o facto de o PS estar pressionado para ganhar Lisboa “dá força negocial aos pequenos partidos” na construção de um programa. “Tudo se encaminhe para que haja convergência.”
No Largo do Rato, está claro que Pedro Nuno Santos não olhará para o dossiê das autárquicas até estar encerrada a votação do Orçamento do Estado, coisa que só acontecerá no final de novembro. É ao secretário-geral que caberá a última palavra na escolha do candidato a Lisboa e nos partidos à esquerda admite-se que o nome escolhido não é indiferente. Contactados pela VISÃO, nem Pedro Nuno Santos nem o líder da concelhia do PS em Lisboa, Davide Amado, estiveram disponíveis para falar. Mas a VISÃO sabe que a escolha está entre Alexandra Leitão e Mariana Vieira da Silva, depois de Duarte Cordeiro se ter posto fora da corrida.
Alexandra Leitão recolhe mais simpatias à esquerda e não enjeitaria ser candidata, caso fosse essa a escolha do líder. Mas no PS teme-se que seja impossível escolher um líder de bancada no Parlamento com a mesma capacidade não só de intervenção como de fazer pontes entre as várias sensibilidades que existem no grupo parlamentar. Já Mariana Vieira da Silva tem ficado ligeiramente acima de Alexandra Leitão nas sondagens internas do PS e é vista no partido como muito competente e trabalhadora, pelo que parece ser a escolha mais provável. “Seja qual for o candidato, temos mais probabilidades de ganhar do que Carlos Moedas tinha há três anos”, afirma um dirigente socialista, que acredita que “o estado de abandono em que está a cidade” é argumento suficiente e está crente de que a convergência à esquerda há de acontecer “com ou sem o PCP”, que no PS também há quem não dê por definitivamente excluído.
Nesse dia, foi Carlos quem sugeriu experimentarem um jogo de dominação e submissão, alternando os papéis, mas podia ter sido Sofia. Ao fim de 11 anos casados, já ambos haviam admitido que o prazer sexual era pouco. Talvez fosse boa ideia saírem da rotina.
Os dois começaram então a combinar as regras. Se iam pôr em prática aquela fantasia, deviam estabelecer previamente os eventuais limites e uma palavra de segurança a usar como sinal de stop. Certo era que nada aconteceria se um deles tivesse dúvidas. Não havia pressão nem pressas.
Assim descrito, parece tudo muito simples e informado, mas, uns dias depois, Sofia corou ao contar à sua psicoterapeuta os planos que ela e o marido tinham feito para terem mais prazer na cama. A vontade de experimentar aquele tipo de jogo era “normal”?, perguntou. O BDSM (bondage, disciplina, sadismo, masoquismo) não era “coisa de tarados”?
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Sofia ouviu, então, que normal, no sexo, será tudo aquilo em que os parceiros estão de acordo, ou seja, que o consentimento é a pedra de toque.
“Uma determinada prática sexual pode sair da norma, da média, e estar dentro de parâmetros saudáveis”, sublinha a psicóloga clínica e sexóloga Tânia Graça. “Muitas vezes, põe-se um rótulo de patologia só porque o sexo ainda é tabu e aquilo que foge à normatividade ainda mais.”
PRÁTICAS MAIS VULGARES
Tânia Graça não fala de cor. Seja no consultório, no Instagram ou em Voz de Cama, o espetáculo num formato pergunta-resposta que protagoniza com Ana Markl, a especialista ouve frequentemente “Sou normal?”, uma questão a que muitas vezes responde com outra: “E o que é a norma?”
“Achamos que temos um sexo normativo, mas se calhar gostamos de um role-playing que implica dominação/submissão. Dizemos ‘essa gente maluca!’, mas um dia o nosso parceiro manda e… nós gostamos”, exemplifica a sexóloga.
Tânia Graça faz por romper estereótipos na sexualidade e este seu exemplo é bem escolhido. Segundo os estudos mais recentes, são cada vez mais as pessoas a relatarem fantasias de dominação e submissão.
Ilustração: Teresa Sengo
Em 2016, os investigadores Christian Joyal e Julie Carpentier, ambos da Universidade do Quebeque, em Trois-Rivières, e do Instituto Philippe Pinel, em Montreal, no Canadá, realizaram inquéritos telefónicos e online com perguntas sobre interesses e preferências sexuais. Os resultados, publicados no The Journal of Sex Research, puseram em causa a ideia de que as práticas sexuais não convencionais eram invulgares.
Cerca de metade (45,6%) dos participantes disseram-se interessados em, pelo menos, uma prática sexual “fora da norma” e 33% tinham-na experimentado, pelo menos, uma vez. O masoquismo era um desejo ou mesmo uma experiência relativamente comum (19%).
Em 2018, apenas dois anos depois, Eva Josifkova, da Universidade J.E. Purkyne, na República Checa, encontrava uma percentagem bastante maior de pessoas envolvidas em práticas de BDSM. “Surpreendentemente”, escreveu a especialista em comportamento, na revista Deviant Behaviour, “cerca de metade dos inquiridos (45,9%) disseram sentir-se excitados pela submissão do seu parceiro ou pela sua própria submissão”.
Em 8,2% deles, foi mesmo encontrada uma “forte preferência”, sendo que 6,1% nem sequer se sentiam excitados com a igualdade, mas apenas com a disparidade.
FORA DO AMOR?
Os cientistas não descartam a hipótese de o interesse pelo BDSM ter aumentado graças à trilogia erótica As Cinquenta Sombras de Grey, da britânica Erika Leonard James, cujo primeiro livro foi publicado em 2011. Ou mais ainda quando o filme baseado nesse best-seller chegou às salas de cinema, num lançamento mundial orquestrado para acertar no Dia dos Namorados de 2015.
Mas, tantos anos depois, o sexo continua a ser um tabu e as dúvidas aumentam quando se sai do bê-á-bá. Recomecemos, então, pelo princípio.
BDSM é um acrónimo para bondage (palavra inglesa que designa a prática de amarrar o parceiro para obter ou dar prazer sexual), disciplina (ou dominação), sadismo e masoquismo, que foi criado por académicos e investigadores, e adotado pelas comunidades kink na década de 1990.
Kink, que em inglês significa curva ou torção numa linha reta, começou a ser usado há quase cem anos pelas próprias comunidades, como termo-chapéu para designar práticas sexuais que vão além das convencionais. Aquilo que é apelidado de kink varia, por isso, com o tempo e o lugar, sendo que a palavra surge com frequência nos dicionários como sinónimo de fetiche (estrangeirismo de fétiche, criado no francês por influência da palavra portuguesa “feitiço”) e tara ou perversão sexual.
Os mesmos dicionários poderão dar o fetichismo como exemplo de parafilia (do grego para, que significa “fora de”, e philia, “amor”), definida resumidamente como um comportamento sexual atípico. E ainda acrescentar que ter uma parafilia não é o mesmo que ter uma perturbação parafílica.
Estão certos. Usar objetos inanimados (sapatos, por exemplo) ou ter um foco específico numa parte do corpo não genital (nos pés, muitas vezes) é uma parafilia, tal como espiar os outros em atividades privadas, expor os órgãos genitais, tocar ou esfregar-se num indivíduo que não o consente, submeter-se a humilhação, servidão ou sofrimento, infligir humilhação, escravidão ou sofrimento, ter o foco sexual em crianças ou vestir roupa do sexo oposto. “Mas só estamos perante uma perturbação mental quando ela causa sofrimento, ameaça física ou psicológica para o próprio ou para o bem-estar dos outros”, sublinha o psicólogo clínico e forense Mauro Paulino.
PERTURBAÇÃO ANGUSTIANTE
É essa, aliás, a definição do DSM-5, a edição mais recente do manual das perturbações mentais, da Sociedade Americana de Psiquiatria, lembrando que “uma parafilia é uma condição necessária, mas não suficiente, para se ter uma perturbação parafílica”.
O DSM-5 destaca oito perturbações parafílicas (ver caixa As 8 parafilias mais comuns), justificando terem sido selecionadas para a atribuição de critérios de diagnóstico por duas razões principais: são relativamente comuns e algumas delas implicam ações para a sua satisfação que, devido à sua nocividade ou ao potencial prejuízo para os outros, são classificadas como infrações penais.
Ilustração: Teresa Sengo
Nuno Trovão, psiquiatra e especialista em Medicina Sexual, considera difícil que a pedofilia, por si mesma, não corresponda “praticamente sempre” a uma perturbação, porque “o interesse atípico é dirigido necessariamente a alguém que não tem a idade nem a autodeterminação” sexual.
Dito isto, “a maioria das pessoas que sofre de uma perturbação parafílica não se torna um agressor sexual”, lembra o psiquiatra. “Tem consciência dela, é angustiante, mas nunca chega a pô-la em prática e a cometer um crime.”
“Ninguém é condenado por pedofilia, mas por abuso sexual”, lembra, por sua vez, Mauro Paulino, “mas a pedofilia é uma condição clínica que, quando está verificada, é um fator de risco para a reincidência sexual”.
E se o consumo de pornografia infantil, em si, não é uma parafilia, “pode haver uma procura dirigida aos gostos parafílicos específicos”, alerta Nuno Trovão.
ANTECIPAR A EXCITAÇÃO
Importa lembrar que nem sempre as parafilias são postas em prática. O que levará as pessoas a agir de acordo com as suas fantasias sexuais mais invulgares?
Foi essa a pergunta com que partiu Melissa S. de Roos, do Departamento de Psicologia, Educação e Estudos da Criança, da Universidade Erasmus de Roterdão, nos Países Baixos, para um estudo cujos resultados foram publicados no The Journal of Sex Research, em fevereiro deste ano.
“Sabemos que as fantasias sexuais são quase universais; quase toda a gente as tem. Mas a proporção de pessoas que agem de acordo com essas fantasias é muito menor. Como psicóloga forense, estou interessada em explorar a forma como os interesses sexuais mais desviantes se desenvolvem, por exemplo, como resultado da exposição à pornografia. Sobretudo os que seriam ilegais se fossem postos em prática (por exemplo, zoofilia e pedofilia). Se compreendermos melhor o processo de desenvolvimento de tais interesses, podemos utilizá-lo para informar as estratégias de prevenção”, justificou a investigadora, na apresentação do seu estudo.
“Aquilo a que chamamos ‘desviante’ é subjetivo, e a maioria das pessoas indica que considera práticas como o masoquismo e o sadismo excitantes, o que faz com que não sejam assim tão desviantes”, ressalvou De Roos, ao site PsyPost. “No entanto, tudo o que não se enquadra numa norma estritamente definida é considerado desviante ou uma parafilia. Isto leva à estigmatização e perpetua uma cultura de silêncio sobre o sexo.”
A investigadora apostou numa potencial interação entre a excitação sexual e a prática de atividades parafílicas, e, bingo!, descobriu que a principal força que leva os indivíduos a agir é a sua própria excitação. Faz sentido.
SAIR DO GUIÃO
A sexualidade é uma parte integral da personalidade de todo o ser humano, lembra-se na Declaração dos Direitos Sexuais, decidida em 1997, mas “muitas pessoas nem sabem que têm direito ao prazer”, lamenta a psicóloga clínica Catarina Raposo. “Devemos, por isso, enfatizar a visão global do bem-estar e reforçar o lado positivo da vivência da sexualidade, até para serenar as preocupações associadas às preferências.”
Pós-graduada em Sexologia, em consulta esta especialista começa por explorar até que ponto as pessoas estão confortáveis com o tema. “É preciso existir uma boa comunicação, sendo que nós, portugueses, temos alguma reserva em falar de sexo, até por não haver uma boa educação sexual na escola – ela é orientada do ponto de vista da doença e não da promoção da saúde.”
Num casal que esteja junto há algum tempo, quando o guião é muito igual, “todo certinho, até por causa da pornografia mainstream”, Catarina Raposo pode sugerir outro leque de práticas. “Não precisam de ser muito incríveis, fora da caixa”, diz. “Para uma pessoa, pode ser um kink por exemplo usar um objeto, porque já sai do guião habitual.”
Por estes dias, Sofia e Carlos deverão andar divertidos, a pôr em prática o plano que delinearam para sair da rotina e ter mais prazer a dois. Afinal, “o sexo é o parque de diversão dos adultos”, costuma dizer Tânia Graça, que não segue este casal. “[Na cama], conseguimos ser coisas que não somos no resto da nossa vida, porque o sexo leva-nos pela mão, dá-nos liberdade.” Para um prazer quase sem fronteiras.
Glossário
Do universo kinkàs perturbações parafílicas
KINK Em inglês, significa curva ou torção numa linha reta. É um termo-chapéu que engloba interesses eróticos, formas de relacionamento e práticas sexuais não convencionais
BDSM BDSM é um acrónimo para bondage (palavra inglesa que designa a prática de amarrar o parceiro para obter ou dar prazer sexual), disciplina (ou dominação), sadismo e masoquismo
PARAFILIA Interesse sexual intenso e persistente que vai além da estimulação genital ou das carícias preparatórias com parceiros humanos, fisicamente maduros e que consentem. Exemplo de parafilias: sadismo, masoquismo e fetichismo
FETICHES Segundo Freud, começam na infância, quando o filho descobre que a mãe não tem pénis. Para suprimir essa ausência, a criança dirige a adoração para uma outra parte específica do corpo ou um objeto inanimado
PODOLATRIA Em grego, podos significa pés e latreo, adorar. É um fetiche cujo desejo se concentra nos pés
PERTURBAÇÃO PARAFÍLICA É uma parafilia que causa sofrimento ao próprio ou cuja satisfação implica danos pessoais, ou risco de danos, a outros
Fontes: DSM-5 (edição revista do manual das perturbações mentais, da Sociedade Americana de Psiquiatria); Fetishism, de Sigmund Freud (1927); Jules Vivid
Perturbações parafílicas
Estas são as parafilias que mais comummente constituem perturbações mentais, listadas no DSM-5. E só se tornam perturbações quando causam “sofrimento, ameaça física ou psicológica para o próprio ou para o bem-estar dos outros”. Na falta de consentimento, podem implicar ações que são infrações penais
VOYEURISMO Excitação sexual intensa e persistente por observar uma pessoa insuspeita que está nua, em processo de se despir, ou envolvida em atividade sexual *A prevalência mais elevada possível da perturbação voyeurista ao longo da vida é de aproximadamente 12% nos homens e 4% nas mulheres
EXIBICIONISMO Excitação sexual intensa e persistente pela exposição dos genitais a uma pessoa insuspeita *A prevalência mais elevada possível da perturbação exibicionista nos homens é de 2%-4%. Nas mulheres, acredita-se que seja muito mais baixa
FROTTEURISMO Excitação sexual intensa e persistente por tocar ou se esfregar numa pessoa sem consentimento *Os atos frotteuristas podem ocorrer em até 30% dos homens adultos
MASOQUISMO Excitação sexual intensa e persistente provocada pelo ato de ser humilhado, espancado, amarrado ou submetido a qualquer outro tipo de sofrimento *Na Austrália, estima-se que 2,2% dos homense 1,3% das mulheres estiveram envolvidos em BDSM nos últimos 12 meses
PEDOFILIA Fantasias, impulsos ou comportamentos que envolvam atividade sexual com uma criança ou crianças pré-púberes (geralmente com13 anos ou menos). O indivíduo tem,pelo menos, 16 anos de idade e é, pelo menos, cinco anos mais velho do que a criança ou crianças *A prevalência mais elevada possível da perturbação pedófila na população masculina é de aproximadamente 3%-5%
SADISMO Excitação sexual intensa e persistente pelo sofrimento físico ou psicológico de outra pessoa *Dependendo dos critérios, a prevalência da perturbação de sadismo varia de 2% a 30%
FETICHISMO Excitação sexual intensa e persistente quer pela utilização de objetos não vivos, quer por um foco altamente específico em parte(s) não genital(ais) do corpo *Em amostras clínicas, a perturbação fetichista é quase exclusivamente registada em homens
TRAVESTISMO Excitação sexual intensa e persistente devido à prática de vestir roupa do sexo oposto *Menos de 3% dos homens relatam já teremficado sexualmente excitados por se vestirem com roupa feminina
Quando informei um amigo que vive em Barcelona de que a Joana Marques estava a ser processada pelos Anjos ele perguntou-me: “A banda?”. E eu respondi: “Não, as entidades celestiais.”. E assim começou mais uma das dezenas de conversas que tenho tido desde que não fui convidado a participar, e participei, no programa da Joana Marques, o Extremamente Desagradável, que para quem não conhece é uma espécie de colonoscopia radiofónica.
Admito que até ser vilipendiado publicamente pelas Três da Manhã, eu não tinha ponderado muito sobre a rubrica matinal da Joana na Renascença. Enquanto pessoa que faz comédia, tenho gigante admiração pela carreira dela, estou convencido que a Joana vem aniquilar, e bem, o preconceito de que as mulheres não têm graça. Conheço outros comediantes que não apreciam o Extremamente Desagradável, mas da minha parte, ainda não tinha refletido sobre o tema. Ora sucede que um bom achincalhamento nacional promove a reflexão.
Vou já atalhar, porque nunca se sabe quem é que tem um cabrito no forno, e dizer que concluí que o Extremamente Desagradável podia alterar o nome para Frequentemente Irresponsável. Não porque ache que o humor deva ter limites, até porque os únicos limites que o meu humor tem são no número de bilhetes vendidos. Tão pouco por ter sido visado, porque sempre tinha tido a ambição de ser um dos lesados da Joana e as marcas que me apoiam o podcast Ex-Clarecido agradeceram (e já perguntaram quando é que volto a ser injuriado nas manhãs da rádio). O Extremamente Desagradável é irresponsável porque, frequentemente, é menos um programa de humor e mais uma sessão de bullying pelas miúdas populares do liceu.
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Na maioria dos episódios Joana faz o essencial da comédia: dá uma lição de humildade a pessoas poderosas e sem noção. E isto, além de muito engraçado, faz falta. Usar o humor para desarmar os poderosos é uma tradição antiga, já dizia o comediante romano Biggus Diccus: “E queres uma salada, César?”
Contudo, alimentar uma máquina diária que rende um patrocínio de largos milhares de euros é difícil: a Renascença tem audiências para manter, as Três da Manhã têm famílias para alimentar e a Joana, em particular, tem Happy Meals para vender. Ora, para bem de todos, as pessoas poderosas sem noção não são inesgotáveis. Por isso, a rubrica da Joana passou a incluir também pessoas que – não sendo particularmente influentes – estão só a desfrutar do seu quotidiano normal e a pagar os seus impostos, até ao dia em que acordam e têm todo um país a caluniá-las.
Vamos começar por um exemplo fictício que aconteceu mesmo, de uma comediante de vinte e poucos anos que falou num podcast, ouvido por poucas pessoas, que fala com o desprendimento e irresponsabilidade de quem acabou de começar e está a falar para ninguém. Esta miúda, se soubesse que estava a falar nas manhãs da Renascença provavelmente teria outro cuidado (ou até nem teria, porque ainda não sabe). Pegar numa pessoa assim e expô-la a um público nacional, para a ridicularizar, não é muito diferente de inscrever um miúdo de 12 anos que treina ténis há dois meses no Roland Garros e depois fazer pouco dele quando perde todos os jogos.
No entanto, mais problemático é quando o Extremamente Desagradável edita e descontextualiza conteúdos reais para construir uma personagem caricatural que encaixe bem nas piadas. É uma espécie de comédia de ficção, mas o público que ouve o programa não sabe, e acaba por acreditar que a pessoa retratada naqueles trechos é realmente um biltre unidimensional e abjeto, da autoria de Joana Marques. Portanto, curto e grosso, fazer humor com pessoas sem noção não é um problema, mas criar personagens sem noção e colá-las a pessoas reais para fazer humor, levanta várias questões.
Para quem diz (e são muitos) “são só umas piadas, não sejam ressabiados, faz parte”, esta foi a minha experiência: nunca tinha recebido comentários de ódio até ao dia em que fui presenteado com a minha participação no programa da Renascença. A internet brindou-me com mais de uma centena de comentários sinistros sobre o meu carácter e o carácter das pessoas que fazem parte da minha vida. Estas mensagens não eram dirigidas ao David Cristina que existe na internet há mais de 10 anos e que tem mais podcasts do que seria sensato. A bílis era inteiramente dirigida ao personagem que a Joana criou. Rendeu-lhe dois episódios. Deu para vender mais uns Dacias. A mim deu-me para passar duas tardes a bloquear perfis nas redes sociais. Mal passaram outros comediantes mais novos que depois de “convidados” para o Extremamente Desagradável passaram duas semanas sem sair de casa.
Quando o Extremamente Desagradável começou, fazia frente aos poderosos e aos bullies, era David contra Golias. Olhando para a Joana Marques com aquele ar de bibliotecária que almoça sozinha, é fácil esquecer que se tornou numa das vozes de humor mais influentes de Portugal e que já não é David, é Golias.
Se a Joana não começar a escolher melhor as vítimas, arrisca-se a quebrar mais um grande preconceito, o de que os bullies são sempre altos e atléticos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.