O presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP), António Nunes, defende a constituição de uma comissão técnica independente para investigar o acidente com um veículo de combate a incêndios em Odemira, na passada quarta-feira, que provocou a morte a um bombeiro.
“Numa situação destas e com algum alarme que está a ser criado, talvez valha a pena repensar se não deve ser uma comissão técnica independente exterior ao proprietário da viatura, que é a ANEPC [Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil]”, a elaborar o inquérito ao acidente”, afirmou o responsável, que falava à à agência Lusa em Odemira, no distrito de Beja, à margem do velório do bombeiro Dinis Conceição.
Lembrando que a ANEPC já levantou um inquérito, o presidente da LBP sublinhou que essa investigação é feita pela “entidade proprietária do veículo, pela entidade que criou o caderno de encargos para a sua compra e pela entidade que o rececionou”. “Não tenho nenhuma dúvida da independência que possa estar sobre os inspetores que estão a fazer a auditoria, mas gostaríamos talvez de ver a situação, já que há comissões técnicas independentes para outras situações”.
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É “uma situação de dúvida cada vez mais crescente” e, com uma comissão independente a investigar as causas, “talvez houvesse a garantia de que as conclusões não iriam sofrer qualquer tipo de interrogações”, insistiu António Nunes.
“Podemos correr o risco de outras associações, se se mantiver esta pressão, quer nas redes sociais, quer até na comunicação social, colocarem em dúvida a segurança do veículo”, alertou ainda, à Lusa, já que o lote a que pertencia a viatura acidentada tinha no total 57 carros.
Segundo o responsável, a LPB tem registo de 255 bombeiros mortos em serviço desde 1980, o que representa “um número bastante elevado, que não tem comparação com mais nenhuma força de segurança”.
O despiste do veículo desta corporação alentejana aconteceu na quarta-feira à noite, na estrada municipal que liga Boavista dos Pinheiros a Saboia, em Odemira, deixando cinco bombeiros feridos, entre os 37 e os 43 anos, dos quais quatro graves e um ligeiro. O bombeiro Dinis Conceição, de 38 anos, foi helitransportado para o Hospital de São José, em Lisboa, mas acabou por morrer na sexta-feira. Dois bombeiros continuam internados, um no Hospital de Portimão e o outro no de Santa Maria, em Lisboa, enquanto os outros dois já tiveram alta hospitalar.
A ciência avança a todo o vapor, especialmente em áreas altamente lucrativas, como o são as doenças de grande incidência em países mais abonados. Para um laboratório de uma grande farmacêutica, há jackpots em que vale a pena investir. E se não cedermos ao mero cinismo associado a esta ideia ou às disparatadas teorias da conspiração, podemos perceber que os doentes também ganham.
Veja-se o que aconteceu com a Novo Nordisk, fundada em 1923 e sediada na Dinamarca. A dona do Ozempic tornou-se mais valiosa do que o Produto Interno Bruto do seu país, sendo a grande responsável pelo crescimento da economia dinamarquesa. Com 30 mil funcionários, a Novo Nordisk chegou a valer, em meados de 2024, mais de 600 mil milhões de euros em bolsa.
Certo que o Ozempic também tem sido usado, por todo o lado, como uma forma de ter rapidamente um “corpo de praia”, mas os seus benefícios não são esses. Estudado para combater a diabetes tipo 2, o princípio ativo semaglutida (aprovado nos Estados Unidos da América em 2017) funciona com os agonistas dos recetores de GLP-1 que, além de regularem a insulina, atuam no centro de saciedade do cérebro, diminuindo o apetite. E até podem vir a ser o “Santo Graal” das doenças ocidentais, pois também se investiga agora se podem ter um papel contra doenças como o Parkinson ou o Alzheimer.
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Revolução Os novos medicamentos contra a obesidade atingem os níveis de perda de peso de uma cirurgia bariátrica (21%)
Sendo uma droga eficaz contra a diabetes, a semaglutida revelou-se implacável no combate à obesidade. São duas áreas que representam o “sonho” de qualquer farmacêutica. Ora vejamos: segundo a Organização Mundial da Saúde, os doentes com diabetes no mundo ultrapassaram os 800 milhões, um número que quadruplicou desde 1990. Trata-se da doença civilizacional por excelência, o tipo 2 naturalmente, provocada por uma série de fatores que vão da má alimentação ao sedentarismo. Mata uma pessoa a cada 10 segundos e provoca também cegueira, falha renal, ataques cardíacos, derrames e perda de membros do corpo.
A “doença irmã” da diabetes é a obesidade. São mais de mil milhões de pessoas obesas no mundo, um número que, em 1990, era de 221 milhões. A Federação Mundial de Obesidade estima que, daqui a 10 anos, em 2035, haja mais de três mil milhões de obesos.
O Ozempic mostrou-se eficaz em reduzir o peso corporal entre 5% e 15%. A Novo Nordisk lançou entretanto uma nova marca destinada à obesidade, o Wegovy, em que a média de perda de peso é de 15%, sendo que, nos ensaios clínicos, um terço dos pacientes perdeu mais de 20 por cento. Existe também a tirzepatida (nome comercial Mounjaro) e, tanto este como o Wegovy atingem níveis de perda de peso de uma cirurgia bariátrica (21%). A tirzepatida, aliás, está prevista ser lançada no final de 2025 com uma nova indicação, para tratar a apneia obstrutiva do sono.
A questão é que estes medicamentos são caros, não comparticipados para a obesidade em Portugal, e escassos, havendo frequentes falhas de abastecimento. Em 2025, uma farmacêutica irá lançar uma droga com base em liraglutida, para diabetes e perda de peso, anunciada como uma alternativa mais barata ao Saxenda.
Outro medicamento nesta senda esperado para o próximo ano era o CagriSema, também da Novo Nordisk. A farmacêutica perdeu 120 mil milhões de euros em bolsa há umas semanas porque prometia perdas de peso na ordem dos 25% com este novo fármaco, mas os testes clínicos mostraram que se ficava pelos 22,7%. Nada mau, ainda assim, para esta combinação de cagrilintida e semaglutida.
Na corrida para diminuir os quilos a mais, tudo parece bem encaminhado.
Avanços no cancro
A área do cancro é outro vasto domínio em que se corre contra o tempo. E tem havido avanços significativos. Há várias novas terapias quase prontas para entrar em cena em 2025.
Boas notícias para as portuguesas vai ser a introdução no mercado do Ivonescimabe, da Summit Therapeutics. Este anticorpo biespecífico direcionado ao PD-1 e VEGF está a ter resultados entusiasmantes contra o cancro da mama triplo negativo, o mais agressivo e com pior prognóstico. Em Portugal, este cancro representa apenas 15% dos casos, mas é o responsável por mais de um terço das mortes de mulheres com cancro da mama. É frequentemente diagnosticado antes dos 50 anos e tem uma taxa de sobrevivência aos cinco anos de 12%, quando os outros cancros da mama têm uma taxa de 28%.
O Ivonescimabe promete ser um tratamento de primeira linha, com os ensaios a revelarem uma taxa de sobrevida de 68,4% a seis meses. E já estava a ser testado para outros tumores, nomeadamente no pulmão.
Também para o cancro da mama (em estado avançado) e o do pulmão, está para ser aprovado o Datopotamab deruxtecan (Dato-DXd), tanto nos Estados Unidos (que estará iminente) como na Europa. Esta terapia conjuga um anticorpo com um medicamento. Liga-se a uma proteína presente nas células cancerígenas e injeta um medicamento anticancro no seu interior. Desta forma, causa muito menos danos às células saudáveis.
Já aprovado pela Food and Drug Administration (FDA), a reguladora norte-americana, está o Inavolisib, classificado como um potente inibidor do crescimento tumoral, destinado ao cancro da mama avançado ou com metástases.
A FDA também já aprovou, e de forma acelerada, o Zenocutuzumab, para combater o cancro de pâncreas e o cancro do pulmão de células não pequenas, que é responsável por cerca de 85% de todos os casos de cancro de pulmão. É um tratamento para dois dos mais mortais tumores e destina-se justamente aos que não podem ser removidos por via cirúrgica. A terapia é também um anticorpo, ou seja, ajuda o sistema imunitário a destruir as células cancerígenas. Aguarda-se a chegada à Europa.
As novas armas de combate ao cancro estão mais personalizadas e com menor toxicidade. Também são mais eficazes e algumas, aprovadas ou em fase experimental, são já usadas nos protocolos clínicos, nos IPO, nos hospitais universitários e em alguns estabelecimentos de saúde privados do País. Os fármacos com anticorpos monoclonais (Pembrolizumab, Nivolumab, Ipilimumab), por exemplo, atuam como os anticorpos produzidos no corpo, bloqueando certas proteínas e permitindo às células T atacar as células cancerígenas. São potentes no tratamento de cancros agressivos e em estado avançado, como melanomas, linfoma de Hodgkin, cancro do pulmão e, ainda, no caso do cancro da mama triplo-negativo (antes da cirurgia).
Nos EUA está já aprovada uma nova terapia para combater o cancro de pâncreas e o cancro do pulmão de células não pequenas. Para os tumores que não podem ser removidos por via cirúrgica
Outra terapia muito em voga é a que usa as células T do paciente, geneticamente modificadas em laboratório e depois reintroduzidas no organismo. É eficaz no tratamento de leucemias e linfomas agressivos. Mas também está a ser estudado em tumores sólidos, como no cancro do pâncreas e os glioblastomas.
Existem ainda as terapias-alvo, que são fármacos personalizados e menos tóxicos. No caso das mutações, estas moléculas são muito eficazes no combate à leucemia mieloide crónica (Imatinib) e ao cancro do pulmão de células não pequenas (Osimertinib). Na frente das proteínas, estes medicamentos (Trastuzumab) aplicam-se no cancro mamário HER-2 positivo, muito agressivo.
Já os inibidores de PARP bloqueiam as enzimas envolvidas na reparação do ADN, que leva à morte das células tumorais, sobretudo nos tumores com mutações BRCA. Estes fármacos (Olaparib, Niraparib) também permitem reduzir significativamente o risco de progressão do cancro do ovário e da mama em pacientes com mutações BRCA. Atualmente, o seu uso está a ser estudado em tumores do pâncreas e da próstata, tendo em vista futuras aplicações.
Usam-se também as terapias epigenéticas, que consistem na edição dos mecanismos biológicos que ligam e desligam os genes de células cancerígenas (os fármacos cujos princípios ativos são a Azacitidina e a Decitabina têm esse fim) e permitem aumentar a sobrevida de pacientes com tumores sólidos e do sangue. Estuda-se agora qual a eficácia da sua combinação com imunoterapia.
Finalmente, a terapia fotodinâmica é um tratamento que associa um agente fotossensibilizador (FS) e uma fonte de luz específica, gerando espécies de oxigénio reativas que atuam nos componentes das células tumorais e as matam, com menos efeitos tóxicos. Usa-se com sucesso em cancros superficiais (da pele e do esófago), mas está em estudo o seu uso com imunoterapia em tumores profundos, como do pâncreas.
Muitas promessas – e provas dadas – numa guerra que tem sido em tudo desigual contra o ainda temível cancro.
Alzheimer, Parkinson e mais
No primeiro trimestre de 2025 deverá chegar à Europa a aprovação do Donanemab. Trata-se de um medicamento que retarda a progressão do Alzheimer em 60%, em pacientes nos estágios iniciais da doença, e isso mesmo foi confirmado pelo painel de especialistas da FDA.
Os ensaios clínicos incluíram mais de 1 700 pacientes, entre os 60 e os 85 anos. Embora os resultados sejam bastante mais eficazes entre as pessoas mais novas, o facto é que, nas contas finais, o Donanemab atrasou a progressão do Alzheimer em 60% dos casos.
Além disso, 39% dos doentes apresentaram um risco bem menor de evoluir para o próximo estágio da doença, durante o período de 18 meses que durou o ensaio. Outro resultado animador prende-se com o facto de metade dos pacientes ter conseguido mesmo interromper o tratamento ao fim de um ano, porque o medicamento foi eficaz a diminuir fortemente os depósitos da proteína beta-amiloide (as placas amiloides), que são uma das características da doença. Estas placas bloqueiam a comunicação entre as células e levam à morte de neurónios.
Os novos medicamentos que têm surgido nesta revolução contra o Alzheimer – e o Donanemab não é o único – incidem sobre os depósitos de beta-amiloide, que surgem até antes da própria doença.
Apesar das cautelas (e o Donanemab apresentou também efeitos secundários preocupantes, como hemorragias), o facto é que nunca houve tratamentos tão eficazes contra o Alzheimer, a mais conhecida e frequente das demências, a qual, segundo a Organização Mundial da Saúde, afeta 55 milhões de pessoas, número que se prevê aumentar para 78 milhões em 2030 e para 139 milhões em 2050. Todos os anos há dez milhões de novos diagnósticos, sendo raros antes dos 65 anos.
Alzheimer No primeiro trimestre de 2025 deverá chegar à Europa o Donanemab, que retarda a progressão da doença em 60%, em pacientes nos estágios iniciais
Para o Parkinson também existem novas esperanças. Em outubro, a FDA aprovou o Vyalev para estádios avançados da doença, uma terapia de infusão subcutânea que ajuda a controlar os sintomas motores. O tremor, a rigidez muscular e as dificuldades de movimento são características do Parkinson, que afeta mais de 10 milhões de pessoas em todo o mundo.
Escrevemos sobre os anticorpos monoclonais no que diz respeito ao cancro, mas estas terapias servem também no combate a outras doenças. Caso do Tremfya, que se mostrou muito eficaz a tratar a doença de Crohn e a colite ulcerosa. Nos ensaios clínicos, mais de metade dos pacientes atingiram mesmo a remissão clínica. E já foi aprovado pela FDA.
Voltamos a recordar a pandemia de Covid-19 porque se falou muito do famoso RNA mensageiro, uma técnica na qual se basearam as mais eficazes vacinas contra o coronavírus. Os tratamentos com RNA já tinham começado a ser estudados há muito antes das vacinas da Covid, nomeadamente para potenciais usos no combate ao cancro. E não foram esquecidos.
Além das novas vacinas para a gripe, da Moderna, que chegarão em 2025, há que estar atento ao fitusiran, um tratamento de seis injeções anuais para a hemofilia. A droga permite controlar o sangramento em pacientes com hemofilias tipo A ou B, melhorando significativamente a sua qualidade de vida.
Finalmente, deverá ser aprovado já em janeiro a Suzetrigina, da farmacêutica Vertex. Trata-se de um fármaco para controle da dor aguda, bloqueando os nervos periféricos e impedindo que os sinais da dor cheguem ao cérebro. A grande promessa é a aposta numa droga não opioide, ou seja, sem os problemas de dependência dos medicamentos que usam opioides como a morfina.
Muitos são os caminhos que a ciência percorre para estes combates do século. E basta lembrar as grandes dádivas como as diversas vacinas ou os antibióticos, a evolução tecnológica e as revoluções já levadas a cabo em tantas doenças que mantemos sob controle. Falta ainda tanto e já se fez imenso.
*com Clara Soares
Gripe das aves, um vírus em mutação
A notícia chegou dos EUA: um homem de 65 anos, residente no estado do Luisiana, tinha sentido febre, falta de ar, diarreia, náuseas e mal-estar geral. Os sintomas iniciais da gripe das aves acabariam por evoluir para dificuldades respiratórias, levando-o ao hospital onde ficou internado em estado crítico, devido a um contacto com aves infetadas no seu quintal. Foi aí que soaram os alarmes. Segundo o Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sua sigla em inglês) norte-americano, a gripe aviária continua a representar, por agora, um risco reduzido para a população em geral. Contudo, só este ano, entre abril e dezembro, o CDC confirmou 61 casos de gripe das aves em humanos – um número significativo, tendo em conta que, em 20 anos (de 2003 a 2023), os EUA tinham registado apenas um caso da doença. A maioria dos infetados trabalha em explorações pecuárias com vista à produção de leite, onde o vírus infetou o gado. Um caso isolado de doença grave causada pelo subtipo H5N1 do Influenza A não é inédito noutros países. Em abril, um homem de 59 anos que residia no México morreu por infeção provocada pela mesma estirpe da gripe aviária. De acordo com os números da OMS, entre janeiro e 1 de novembro de 2024 foram registados 57 casos de gripe das aves a nível global, tendo a doença provocado três mortes. Esses casos de infeções referem-se apenas a cinco países, nenhum europeu.
Se em finais de outubro alguém dissesse que a luta pelo título nacional de futebol iria, como é hábito, ser discutida pelos três grandes, muita gente teria dúvidas, tal era a superioridade que o Sporting, treinado por Rúben Amorim, vinha demonstrando. 11 vitórias noutras tantas jornadas foi o pecúlio que o treinador deixou em Alvalade quando trocou o Sporting pelo Manchester United e que deixava a esmagadora maioria dos adeptos leoninos e grande parte dos adversários convencidos que o tão ambicionado bicampeonato era apenas uma questão de tempo. Pois, a verdade é que se enganaram redondamente. Sob o comando do inexperiente João Pereira – o mesmo que o presidente Frederico Varandas garantia estar a ser preparado há anos para a sucessão de Amorim e que de Alvalade só sairia para um grande clube da Europa –, o Sporting só ganhou um dos quatro jogos que disputou para o campeonato, perdendo dois e empato o outro. Resultados que transformaram uma vantagem muito confortável face aos dois grandes rivais para uma posição em que foi obrigado a receber o Benfica (o jogo realizou-se no domingo, 29, já depois do fecho desta edição) já com os encarnados na liderança.
A derrocada do projeto sportinguista acabou por obrigar Varandas a desdizer-se a trocar de treinador nas vésperas de receber o eterno rival de Lisboa, indo buscar a Guimarães o treinador Rui Borges, que vinha fazendo uma extraordinária carreira europeia com o Vitória, não perdendo nenhum dos 12 jogos (dez vitórias e dois empates) que disputou na Liga Conferência. Nascido em Mirandela há 43 anos, o novo treinador dos leões fez quase toda a carreira de futebolista em clubes da região transmontana, onde também iniciou a vida de treinador. Depois dos dois primeiros anos ao serviço do clube da sua terra, saltou para Viseu, onde levou o Académico, da II Liga, às meias-finais da Taça de Portugal, em 2019/2020. Passou, depois, por Académica de Coimbra, Nacional da Madeira, Vilafranquense e Mafra, sempre com prestações interessantes ao ponto de despertar, na época passada, o interesse do Moreirense, que lhe abriu as portas da I Liga. O sexto lugar na tabela classificativa, acompanhado do recorde de pontos e um número de golos sofridos apenas ao nível três grandes, fizeram-no dar o salto para o vizinho Vitória, onde acabou por ficar pouco tempo, mudando-se de malas e bagagens, logo a seguir ao Natal, para Alvalade.
Será, pois, Rui Borges que terá a cargo recuperar ou refundar o projeto inacabado de Rúben Amorim. Uma tarefa que não se antevê fácil, até porque o plantel deixado pelo agora treinador do Manchester United está talhado para um esquema tático de três centrais que Rui Borges não usava habitualmente em nenhuma das equipas pelas quais passou. A ver vamos se consegue adaptar o plantel ao seu estilo de jogo ou se será ele a adaptar-se aos jogadores que encontrar. Uma equipa naturalmente desmoralizada pelos resultados recentes, mas que continua recheada de qualidade suficiente para continuar a bater-se pela conquista do título nacional, numa corrida que promete, como é tradicional, ser disputada pelos três grandes. Tal como serão os mesmos Benfica, Sporting e FC Porto, juntamente com o Sporting de Braga, a discutir, já entre os próximos dias 7 e 11 de janeiro, a conquista da Taça da Liga. Na terça-feira, 7, Sporting e FC Porto disputam o primeiro lugar na final, enquanto Braga e Benfica se baterão pelo outro, no dia seguinte. A final está marcada para sábado, 11. Todos os jogos serão disputados no Estádio Magalhães Pessoa, em Leiria.
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Andebol português no Mundial: o novo normal
Foto: TIAGO PETINGA/LUSA
Depois das presenças nos Mundiais de 2021 e 2023, nos Jogos Olímpicos de 2020 e nos Europeus de 2020, 2022 e 2024, a Seleção Nacional de Andebol arranca, já no próximo dia 14 de janeiro, para a sua sétima grande fase final em cinco anos. Aquilo que até 2020 era um feito raro e extraordinário, com a chegada do selecionador Paulo Jorge Pereira tornou-se o novo normal, num processo que tem aproveitado ao máximo a excelente qualidade que equipas como FC Porto, primeiro, Sporting, depois, mas também o Benfica, têm vindo a emprestar à modalidade, formando uma geração de grandes jogadores, capazes de formar uma seleção que se permite ombrear com algumas das melhores do mundo. Depois do 10.º lugar de 2021 e do 13.º de 2023, espera-se, agora, que Portugal se supere e consiga ir mais além no Campeonato do Mundo que se vai realizar entre os dias 14 de janeiro e 2 de fevereiro, na Croácia, na Dinamarca e na Noruega.
As 32 seleções foram divididas em oito grupos de quatro, para a ronda preliminar, com as três melhores de cada grupo a avançarem para o Main Round e os quartos classificados a seguirem para a President’s Cup. As duas melhores seleções de cada um dos quatro grupos do Main Round passarão aos quartos de final, sendo aplicado um sistema de eliminatórias até à final. Na primeira fase da prova, a ronda preliminar, Portugal ficou integrado no Grupo E, sediado em Oslo, onde vai defrontar, a 15 de janeiro, os Estados Unidos, a 17, o Brasil e, finalmente, a 19, a anfitriã Noruega.
André Ventura vai candidatar-se à Presidência da República, avançou inicialmente a SIC Notícias, e o anúncio formal da sua entrada na corrida à Belém terá lugar no Mosteiros dos Jerónimos, em Lisboa, no dia 28 de fevereiro, pelas 20h00.
Isto mesmo o líder do Chega fez saber aos deputados, através de uma carta, a que a agência Lusa teve acesso, em que pedia “o maior sigilo sobre a situação”.
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“As razões são diversas, mas prendem-se essencialmente com a necessidade de termos uma candidatura que represente o espaço da Direita anticorrupção e anti-imigração sem confusão com os políticos que toda a vida defenderam o contrário e agora se pretendem apropriar do nosso espaço político”, lê-se na missiva.
A imaginação de quem controla o futebol mundial é fértil, já se sabia. Desde os tempos em que João Havelange e o seu fiel escudeiro Sepp Blatter transformaram a FIFA numa imparável máquina de fazer dinheiro que os jogadores e equipas de todo o mundo, sobretudo da Europa, têm sido chamados a espremer-se até ao tutano para corresponder e prestigiar mais e mais competições, espalhadas pelos recantos mais longínquos do planeta onde haja público e, sobretudo, patrocinadores dispostos a gastar dinheiro para ver jogar os maiores craques globais. Numa primeira fase, foi de louvar o esforço de retirar a europeus e sul americanos o privilégio de organizar Campeonatos do Mundo, levando o futebol a conquistar novos públicos noutras partes do Globo. Fazia sentido. O futebol era há muito um desporto que despertava paixões em inúmeros países na Ásia, na América do Norte e em África às quais importava corresponder e fomentar. Daí a alimentar o capricho das multimilionárias monarquias do Golfo, que viram no futebol a forma de tentar limpar a imagem das suas ditaduras, foi um piscar de olhos.
Ideia de génio
Chegados a este ponto, e com os calendários nacionais e continentais já ultrapreenchidos com o aparecimento de novas competições (a Liga das Nações, por exemplo) e o crescimento de algumas já existentes (caso do novo formato da Liga dos Campeões), a FIFA arriscava-se a ficar sem novas fontes de receita, até porque já quase esgotara o filão árabe, para onde tinham passado a antiga taça Intercontinental, que opunha, tradicionalmente no Japão, o vencedor da Liga dos Campeões e da Taça Libertadores da América, e que, mais recentemente incluía também campeões asiáticos, africanos, norte-americanos e da Oceânia. Eis senão quando, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, tirou da cartola uma ideia de génio: um campeonato do mundo de clubes!
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À primeira vista, a proposta é irrecusável. Quem não gostaria de ver reunidos os grandes clubes de todos os continentes numa competição disputada num só país, à semelhança de um campeonato de seleções? Os adeptos, nomeadamente os daqueles clubes que vão participar, adoraram a ideia. Os patrocinadores passaram a ter mais uma montra global para vender as suas marcas. A FIFA encontrou mais uma torneira, de onde sairão milhões que poderá distribuir para satisfazer a avidez de federações e clubes cada vez mais obrigados a investir para se manterem competitivos. Sobram os jogadores, os que realmente proporcionam o espetáculo, obrigados a mais um esforço para cumprir um calendário que, entre provas nacionais e internacionais, de clubes ou seleções, já obriga muitos a disputar perto de 70 jogos por temporada. Mas como é o que o povo gosta e a FIFA precisa, aqui estaremos nós, em pleno arranque das férias de verão, agarrados à televisão, por vezes até altas horas da madrugada, para ver como se saem, lá por terras do Tio Sam, as equipas do Benfica e FC Porto, os dois únicos representantes portugueses nesta espécie de pré-temporada em esteroides.
Verão quente
A competição vai decorrer entre os dias 14 de junho e 13 de julho, em várias cidades dos Estados Unidos da América, e vai decorrer como um campeonato do mundo de seleções. Ao todo, estarão em competição 32 equipas dos quatro continentes, divididos em oito grupos de quatro, que jogarão entre si para apurar as 16 equipas que irão disputar os oitavos de final. Daí para a frente, serão sempre jogos a eliminar, para determinar os dois finalistas que, a 13 de julho, vão defrontar-se no MetLife Stadium de Nova Jérsia para encontrar o primeiro clube a sagrar-se campeão do mundo.
Mesmo não sendo de prever que qualquer um dos dois clubes portugueses em competição consiga chegar a esta final, há a expetativa de que FC Porto e Benfica consigam fazer boa figura e que, no mínimo, se apurem para a fase a eliminar. Para o fazer, os dragões parecem ter tarefa mais facilitada, visto terem de defrontar os brasileiros do Palmeiras, os egípcios do Al Ahly e os norte-americanos do Miami FC, sendo que apenas os paulistas parecem ser um perigo evidente para a equipa portuguesa. Já o Benfica, tem uma tarefa teoricamente mais difícil, pois terá pela frente Bayern Munique, Boca Juniors e Auckland FC. Se os australianos até poderão ser presa fácil para as águias, já argentinos e alemães (sobretudo estes) poderão dificultar muito a tarefa dos encarnados.
A ver vamos em que condições chegarão Benfica e FC Porto ao início do verão e que equipas vão conseguir apresentar, numa altura muito embrionária da nova época, durante a qual não é habitual as equipas portuguesas terem já os planteis definidos, mas normalmente já viram sair alguns dos melhores elementos da época anterior. Talvez esta nova competição e o objetivo de arrecadar prémios – os montantes ainda não são conhecidos, mas serão tanto maiores quanto mais longa for a participação na prova –, obrigue as duas equipas portuguesas a uma política de transferências muito bem planeada, por forma a poder chegar aos Estados Unidos com equipas competitivas. Eventualmente, atrasando ao máximo a venda de talentos, na esperança que uma boa participação os valorize ainda mais.
Está, pois, lançado o mote para que amantes do futebol, sobretudo benfiquistas e portistas, comecem a planear as suas férias, por forma a não perder pitada desta nova competição, mais uma ocasião para ver as melhores equipas do mundo a competir umas contra os outras.
À terceira será de vez?
Confirmando o trajeto ascendente no panorama futebolístico internacional, a seleção feminina de futebol voltou a qualificar-se para uma fase final de um Campeonato da Europa, depois das presenças nas competições realizadas em 2017, nos Países Baixos, e em Inglaterra, em 2022. Nessas duas primeiras presenças, as nossas craques não conseguiram passar da fase de grupos, esperando-se que este ano a história seja diferente e que as portuguesas consigam ir mais além na competição.
Não será fácil, porém, esse brilharete. Pela frente, logo no primeiro jogo que fará na prova, a 3 de junho, vai apanhar tão-só a campeão do mundo em título e primeira classificada do ranking mundial, Espanha. Quatro dias depois, será a vez de Itália, uma equipa menos competitiva do que as espanholas, mas, ainda assim, uma adversária de peso. Por fim, no dia 11 do mesmo mês, Portugal terá pela frente a Bélgica, outra seleção que promete grandes dificuldades.
A esperança nacional reside no crescimento que a equipa nacional tem vindo a demonstrar, assente no cada vez mais competitivo campeonato nacional da modalidade e no crescente número de jogadoras portuguesas que alinham em grandes clubes internacionais. Uma experiência que poderá ajudar a equipa a superar-se e a fazer o tal brilharete que todos esperam.
A prova será jogada de 2 a 27 de julho de 2025 em oito cidades suíças: Basileia – que recebe a abertura e a final –, Berna, Genebra, St. Gallen, Zurique, Lucerna, Thun e Sion. Apoio da comunidade de emigrantes portugueses é que não faltará, seguramente.
Jogos de FC Porto e Benfica* * horários de Portugal
GRUPO A
Domingo, 15 jun Palmeiras, Bra – FC Porto, Por (Nova Iorque), 23h
Quinta-feira, 19 jun Inter Miami, EUA – FC Porto, Por (Atlanta), 20h
Segunda-feira, 23 jun FC Porto, Por – Al Ahly, Egi (Nova Iorque), 2hde 24 de jun
GRUPO C
Terça-feira, 17 de junho Boca Juniors, Arg – Benfica, Por (Miami), 23h
Sexta-feira, 20 jun Benfica, Por – Auckland City, Nzl (Orlando), 17h
Terça-feira, 24 jun Benfica, Por – Bayern Munique, Ale (Charlotte), 20h
Se Eça de Queiroz não tivesse sacudido certas superstições da juventude que o faziam então usar o bentinho, esse escapulário católico amarrado ao pescoço por negras fitas, talvez tivesse sucumbido perante as circunstâncias desfavoráveis em que veio ao mundo, entregando-se a fatalismos telúricos e à existência anónima de causídico frustrado. É que precisamente em frente à casa onde nasceu, a 25 de novembro de 1845, repousava a funesta roda dos enjeitados da Póvoa de Varzim, onde os bebés indesejados e nascidos à revelia dos ditames matrimoniais, eram depositados à mercê da caridade alheia. O recém-nascido escapou a esse destino castigador mas, do outro lado da rua, entre as paredes do número 1 ao 3 do Largo de São Sebastião, outro folhetim em torno do seu nascimento estava a ser esboçado: José Maria vinha ao mundo como filho de mãe solteira, cuidadosamente escondido na casa de um parente funcionário aduaneiro, para onde a avó materna, Ana Clementina de Abreu e Castro Pereira d’Eça, empurrara a jovem parturiente de 19 anos, abraçada apenas no fraco aconchego de um xaile sombrio. A jovem Carolina Augusta Pereira d’Eça deu à luz num dia chuvoso, assim resguardada dos mexericos e olheiros da Viana do Castelo natal que, de outra forma, poderiam zurzir no respeitável nome da família. E a criança nasceu igualmente sem a presença do pai, o ilustre Dr. José Maria Teixeira de Queiroz, 25 anos, delegado do procurador régio na vila vizinha de Ponte de Lima, de olhos postos numa ascensão na magistratura, como era a tradição dos varões do seu sangue e da sua época.
O pai de Eça ganhou notoriedade como jurista, ao defender casos polémicos nos tribunais nortenhos, como o da célebre acusação de crime por adultério feita a Camilo Castelo Branco
A história do casal tem contornos misteriosos, fama de birras, ecos de duas casas iguais em dignidade e com pais obstinados, à maneira de Shakespeare. Nada se sabe sobre a origem deste romance entre Carolina Augusta e José Maria Teixeira de Queiroz. Mas há quem tenha atribuído a ausência de alianças prévias ao nascimento de José Maria ao forte temperamento de Carolina Augusta, cujos olhos escuros e porte elegante esconderiam um “génio violentíssimo”, e a uma vergonha enraivecida perante o sucedido que a fizeram recusar o pretendente – até que a mãe, ao finar-se deste mundo, a obrigara a prometer que se casaria. Outros estudiosos fizeram contas ao calendário, suspeitando de oposição materna, crendo que Ana Clementina de Abreu e Castro Pereira d’Eça desdenhou o candidato à mão da sua filha: o facto é que, seis dias após a morte desta matriarca, e órfã de pai há 16 anos, Carolina Augusta casou-se finalmente com José Maria na Igreja de Santo António, em Viana do Castelo, a 3 de setembro de 1849. O filho de ambos tinha, então, 4 anos. “Era muito inteligente, muito irónica e todos lhe achavam muita graça. Depois de casados, muito felizes não foram; nunca, porque ela era muito especial. Muito interessante, muito elegante. Mas autoritária”, afiançou D. Maria d’Eça, sobrinha-neta, anos mais tarde, ao jornalista Severino Costa.
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Mas anos antes, Carolina Augusta era uma jovem mãe que enfrentava os dilemas próprios das meninas de boas famílias caídas em tentação. Tementes aos rigorosos preceitos morais da sociedade portuguesa oitocentista, José e Carolina Augusta tomaram a decisão de rejeitar o recém-nascido, nenhum o levando consigo para o regaço doméstico: o pequeno José Maria ficou entregue aos cuidados da ama Ana Leal de Barros, brasileira nascida em Pernambuco, costureira de profissão, pessoa da confiança do avô paterno da criança. E, no dia do batismo, realizado a 1 de dezembro na mais afastada igreja matriz de Vila do Conde, sob a solitária vigilância do Senhor dos Aflitos (padroeiro profetizador das muitas desventuras monetárias e das maleitas gástricas que assombrarão o percurso futuro do autor de Os Maias), nenhum membro da família esteve presente. A certidão do rapazinho apresentava-o ao mundo, indefeso e sem títulos, como o fruto de um acidente romântico: “José Maria – filho natural de José Maria D’Almeida de Teixeira de Queiroz e de mãe incógnita.” Acrescentada ao funcional documento, estava uma cópia da carta que José Maria Teixeira de Queiroz enviara dias antes a Carolina Augusta, aí confessando ter recebido instruções do seu próprio progenitor para fornecer apelido burocrático e considerar os planos a longo prazo: “Isto é essencial para o destino futuro do meu filho, e para que, no caso de se verificar o meu casamento consigo – o que talvez haja de acontecer brevemente – não seja preciso em tempo algum justificação de filiação.”
Os pais de Eça, Carolina Augusta e José Maria, viveram longe da Póvoa de Varzim, onde nasceu o seu primogénito, um cenário de casas brancas e faina de pesca, assim representado na pintura de João Marques de Oliveira, em 1884
Novela camiliana a deste nascimento, pese a ironia da eterna comparação literária entre Eça de Queiroz e Camilo Castelo Branco em que tantos insistiram. E se o Eça de Queiroz adulto vai cultivar o humor de perdição em vez da tragédia existencial, alguns críticos escavarão, aqui, ressonâncias freudianas que influenciarão vida e obra e originarão um suposto complexo de inferioridade que assombrará Eça. “Foi o grande traumatismo no génio literário do escritor: o ter sido renegado pela mãe (…) Ele há-de reflectir n’Os Maias este trauma, através de evocações de Carlos: “De sua mãe não ficara nem um daguerreótipo, nem sequer um contorno a lápis. O avô tinha-lhe dito que era loura. Não sabia mais nada. Não os conhecera (os pais); não lhes dormira nos braços; nunca recebera o calor da sua ternura.”, escreveu João Gaspar Simões no seu célebre tomo biográfico dedicado a Eça de Queiroz. Uma opinião atualmente refutada, vista como exagero e até efabulação. E a realidade desse fim de século, quer estivesse emoldurada pelos pesados reposteiros nas casas senhoriais, ou vivida através das janelas mais estreitas dos lares humildes, neste Portugal que convalescia a custo das guerras internas, mostrava seguramente que um filho rejeitado não era uma raridade. E se Eça sofreu com a sua condição, pode especular-se que filtrou dores da autobiografia no consolo da literatura: em romances como O Crime do Padre Amaro (1875), O Mistério da Estrada de Sintra (1870), ou A Tragédia da Rua das Flores (escrito em 1877-1878, publicado postumamente) abundam heróis queirozianos órfãos, crianças pequenas que apenas conhecem as sobras afetivas de mães substitutas ou avôs benevolentes.
Pergaminhos
Nenhum dos dois ramos da árvore genealógica deste bebé apreciaria a combustão da polémica acendida por um filho ilegítimo, concebido fora da exigida santidade matrimonial. Os orgulhosos Eça eram uma dinastia respeitável, com tradições e medalhas na vida militar de que gostavam de se gabar: acreditavam ser descendentes do infante D. João, filho do rei D. Pedro e de Inês de Casto; tinham pergaminhos fundadores em Viana do Castelo datados do século XVII, como prole herdeira do padre Martinho Pereira d’Eça; e o avô da criança, José António Pereira d’Eça, um liberal convicto com patente de coronel, destacara-se no folclore familiar com a história de um garboso cavalo branco que lhe fora oferecido por D. Pedro IV, um presente que lhe teria posto a vida em perigo: ao entrar no Porto, um miguelista confundira-o com o monarca liberal e disparara um tiro com intenção regicida. Não fosse a má pontaria do seguidor de Miguel I, o Usurpador (assim designado por ter deposto a sua sobrinha, D. Maria II), e haveria uma lápide precoce no talhão familiar.
Por sua vez, os Queiroz eram, há longas gerações, homens obedientes à letra da lei: a um bisavô escrivão, seguira-se um avô juiz que estivera cinco anos destacado no Brasil, antes de ser desembargador e presidente da Relação do Porto, deputado, fidalgo brasonado identificado como Joaquim José de Queiroz e Almeida, e ainda ministro da Justiça – um currículo retumbante. Mas devido às campanhas em que alinhou pelos liberais e, posteriormente, pelas forças de Costa Cabral, a sua vida foi pontuada por episódios de perseguição, fugas para o estrangeiro, demissões e regressos aos cargos de poder. Com a vitória dos liberais, em 1832, ficam para trás as más memórias de quando os miguelistas o tinham como “infame, perverso e façanhudo”, e Joaquim José de Queiroz e Almeida, com a cabeça a prémio, tivera de deixar mulher e seis filhos à míngua.
Na Universidade de Coimbra Eça ganhou reputação (falsa) de cábula. “Em todo o tempo que vagueei pelas margens do Mondego, creio que não abri um livro português, a não ser, em vésperas de acto, e com infinitas repugnâncias, a Novíssima Reforma Judiciária. Mas conhecia (…) cada romancista, cada poeta francês”
Este avô maçon teve história sentimental inusitada: na viagem transatlântica para a então colónia portuguesa, o eminente jurista levava consigo Teodora Joaquina, camponesa de Fornos de Algodres, com quem casará tardiamente já ela somava seis filhos seus. E foi também em território brasileiro que nasceu um destes descendentes: o pai de Eça de Queiroz. José Maria D’Almeida de Teixeira de Queiroz, bom estudante de Direito em Coimbra, chegou a exercitar a mão literária, influenciado por nomes sonantes como Walter Scott, António Feliciano de Castilho e Almeida Garrett. Publica vários livros de versos românticos na juventude, além de uma novela de façanhas históricas ambientada no tempo de D. Afonso Henriques intitulada O Mosteiro de Sta. Maria de Tamarães. Em 1852, já homem casado, foi diretor de um jornal sediado em Aveiro, o renomado O Campeão do Vouga, mas o mundo das notícias foi cedo trocado pelas barras dos tribunais: Teixeira de Queiroz foi colocado como juiz da 1ª vara no Porto, cidade a que regressou, em 1858, já como juiz do 1º Distrito Criminal, ganhando notoriedade ao participar em julgamentos que inflamaram a imaginação popular. A saber, o do Conde do Bolhão, acusado de traficar moeda falsa para o Brasil nos anos conturbados de 1860, e ainda o de Camilo Castelo Branco, acusado do crime de adultério devido ao envolvimento com Ana Plácido. Absolvido, o autor de Amor de Perdição e A Queda de um Anjo ficará sempre grato ao seu advogado, louvando amiúde o “boníssimo Queiroz”, o “ouro de 24 quilates sem jaça”, que o libertou do pesadelo das grades.
José Maria tinha apenas 5 anos, quando sofre uma segunda perda afetiva: morre-lhe a ama Ana Joaquina. Se a criança sonhava em ser resgatada pelos pais, vê rapidamente gorada a aspiração, pois os progenitores, apesar de já estarem casados há um ano, não o foram buscar – havia que manter as aparências, observar os protocolos sociais, desimpedir ambições profissionais. O pequeno foi enviado para Verdemilho, propriedade dos avós paternos: um solar rural perdido no meio de campos de milho com o mar no horizonte, dotado de uma impressionante biblioteca jurídica. Uma descoberta que trará pérolas importantes na educação de José Maria: foi aí que o solitário neto do poderoso desembargador, a quem era proibido brincar com os meninos pobres das redondezas, encontrou também os livros de aventuras e narrativas francesas, que lhe eram lidos não pela avó, uma quase analfabeta, mas por Mateus, um dos serviçais da casa. Estas recordações serão eternizadas à pluma, em 1897, por Eça no artigo O Francesismo: “A minha mais remota recordação é a de escutar, nos joelhos de um velho escudeiro preto, grande leitor de literatura de cordel, as histórias que ele me contava de Carlos Magno e dos Doze Pares.”
Dores de crescimento
Imagem de marca – O monóculo característico usado pelo escritor foi adotado nos tempos da faculdade, quando Eça imitou o acessório usado pelo seu grande amigo, o poeta parnasiano João Penha
Dieta livresca muito diferente foi a que recebeu, a partir dos 11 anos, no portuense Colégio da Lapa. A avó paterna morrera – o terceiro luto afetivo a fazê-lo tropeçar, mas a senhora deixa uma pequena fortuna dedicada à educação do neto. O antigo seminário de fachada severa encimada por uma cruz permitiu a José Maria conhecer herdeiros nortenhos, como os Resende, mas as virtudes pedagógicas eram resolutamente démodé: aplicava-se a doutrinação religiosa nos espíritos e uma pesada régua de madeira exótica nos corpos desobedientes. Pelos corredores, andava igualmente Ramalho Ortigão (1836- 1915), nove anos mais velho do que Eça e professor de Francês, ainda sem adivinhar que assinaria folhetins a quatro mãos com este rapazinho da Póvoa de Varzim, como os dessa espécie de primeiro policial da literatura portuguesa que dá pelo nome O Mistério da Estrada de Sintra (1870) e os da afiada caricatura social d’As Farpas (1871-1872). O tímido e reservado José Maria estudou aí durante cinco anos, num “abuso de rezas e da capela”, provavelmente aí fermentando a sua futura atitude anticlerical… Leitores atentos creem adivinhar nessa formação dolorosa contas do rosário narrativo que unem, por exemplo, João Resgate, um adolescente órfão e supersticioso retratado nas cinco páginas de um manuscrito esquecido, e Artur Corvelo do romance A Capital (1925): o poeta medíocre de Oliveira de Azeméis, “linfático e calmo”, com “a graça nervosa duma menina” e educado por breviário, que desbaratará sonhos literários e herança familiar, derrotado e incapaz de compreender o ideário revolucionário republicano encontrado em Coimbra.
O paraíso possível para um solitário Eça foi a prima Cristina, filha da tia materna Carlota Pereira d’Eça, Albuquerque pelo casamento. Foi na residência destes familiares que José Maria viveu, em plena Rua da Cedofeita, já que os pais repetiam a estranha rejeição de o manter fora do seu convívio – e do dos irmãos entretanto nascidos. Mas os afetos do adolescente foram contrariados com o argumento de serem “primos carnais”, postula o tio Albuquerque, figura que ecoará a talhe de ironia nesse sujeito com a “cabeça grave de tabelião de comédia: a calva polida e lustrosa como uma madrepérola”, de A Capital. Já estudante universitário, Eça manterá acesa a paixão por Cristina: ele declarou-se, fez juras insistentes, pediu uma decisão; ela recuou, empatou, mostrou-se temerosa da fúria paterna. O destino reservou-lhe nova tareia amassada em rejeição: o tio autorizou Cristina a casar-se, sim, mas com outro primo direito, viúvo, cinquentão, militar.
Proudhon, o inspirador – Ideólogo anarquista, amigo de Karl Marx, autor da frase “a propriedade é roubo”, Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) foi leitura constante de Eça em Coimbra. Quando o filósofo morreu, Eça considerou vergonhoso nenhum português ter estado nas cerimónias fúnebres
Eça abrigou-se em 1861 na casa do professor José Dória, numa Coimbra arrebatada pela agitação estudantil. O jovem encantou-se com a perspetiva de ser bacharel, homem de leis nas pisadas desse pai que se mantém elusivo como uma nuvem. O exame de admissão, gabava-se ele, exigiu-lhe tão só a perícia da língua francesa: “E foi tudo óptimo, recitei o meu Racine, tão nobremente como se Luís XIV fosse lente, apanhei o meu nemine e, à tarde, uma tarde quente de Agosto, comi com delícia a minha travessa de arroz-doce na estalagem do Paço do Conde.” Inscrito na Faculdade de Direito com o número 124, pôde sentar-se discretamente nos bancos ao fundo da sala – o lugar ideal para jogar às cartas, trocar umas ideias, pôr a leitura dos jornais em dia, evitar atenções indesejadas. Mas os arroubos românticos, as ideias positivistas e os “largos entusiasmos europeus” que contrastavam com a pantanosa realidade nacional, mergulharam-no numa bebedeira cultural: “Cada manhã trazia a sua revelação, como um sol que fosse novo. Era Michelet que surgia, e Hegel, e Vico e Proudhon; e Hugo, tornado poeta e justiceiro dos reis; e Balzac, com o seu mundo perverso e lânguido; e Goethe, vasto como o universo; e Poe, e Heine, e creio que já Darwin, e quantos outros!”
Coimbra tem mais encanto
Mas Eça não foi um líder nas trincheiras intelectuais nem usou a verve nascente ao serviço da causa – ainda que tenha, por exemplo, assinado o chamado Manifesto dos Estudantes da Universidade de Coimbra à opinião ilustrada do país (1862- 1863) em que eram exigidas reformas na universidade (e onde havia um reitor que exigira obrigatoriedade do uso de cabeção eclesiático sob a ameaça de penas severas contra os infratores…), panfleto escrito por Antero de Quental. Aliás, este poeta, com quem Queiroz participará nas futuras Conferências do Casino, impressiona-o logo nos primeiros tempos de Coimbra, quando o vê a improvisar nas escadarias da Sé, e quando se deparou com o autor de Odes Modernas, “entre uma Bíblia e as obras de Virgílio”, a rasgar os poemas que escrevera. Um ímpeto reconhecível na chamada Questão Coimbrã, na polémica do “Bom Gosto e do Bom Senso”, que opôs o tradicionalismo do poeta Castilho aos estudantes sedentos de inovação. Graças ele, José Maria torna-se leitor de Proudhon. Mas Eça não participou nas lutas académicas. “Faltava-lhe a rebeldia de Antero de Quental e o ressentimento de Teófilo Braga”, defende Maria Filomena Mónica na biografia Eça de Queirós (2001). E descreve uma cena de vida portuguesinha: “Enquanto os estudantes que seguiam Antero alarmavam Coimbra, Eça recolhia a casa, ao toque da cabra, para tomar as refeições junto da família Dória.” As leituras devoravam-lhe os dias, e, defende a investigadora, durante os primeiros anos vividos em Coimbra, Eça não fez um único amigo.
A primeira desilusão amorosa de José Maria ocorre quando os tios maternos recusam a proximidade do jovem com a prima Cristina, devido a serem “primos carnais”
Em 1863, José Maria de Eça de Queiroz mudou-se para uma república, onde tem lugar um divertido episódio, causador de um terramoto espiritual. A pesada manta religiosa que ainda tolhia Portugal era também desafiada em Coimbra com os estudantes a “interpelar Deus” debruçados na Ponte Velha a altas horas da madrugada: “Berrávamos por Ele, só pelo prazer transcendente de atirar um pouco do nosso ser para as alturas, quando não fosse senão em berros.” Mas Eça agarrava-se ainda ao amparo da fé, bentinho amarrado ao pescoço. No seu quarto da Rua do Salvador, uma parede exibia uma cruz gigante pintada a carvão, rodeada de versículos da Bíblia e outros textos sagrados. Certo dia, estando Eça constipado, o amigo Frederico Filémon da Silva Adelino irrompeu-lhe pela alcova dentro e arengou-lhe: o mal dele era “misticismo a mais e ar a menos”, o “misticismo, proibindo o sol, o calor, os banhos tépidos, as flanelas e todos os cuidados corporais” era pouco saudável… Foi tiro e queda: Eça deixou de acreditar em Deus, e, para escândalo dos tios, desistiu de os acompanhar às missas em Santo Ildefonso. A superstição, essa manteve-a ao longo da vida – fosse por convicção ou por pose. Um outro amigo novo, o poeta parnasiano João Penha (1838-1919), diretor do jornal literário A Folha, confidenciaria, no livro Por Montes e Vales (1899), esta insólita aventura: numa noite de luar, e na companhia de Guerra Junqueiro e Gonçalves Crespo, fizeram-se ao caminho até à Sé Velha, soprada por “barulhos sinistros” e pios de coruja que os fizeram sentir “o arrepio das coisas sobrenaturais”. Penha provocou-os, alegando tratar-se de Satanás a perseguir uma defunta jovem e, quando fugiam já dali para fora, Eça larga um grito dramático: “Voltemos! Tentemos salvar aquela pobre criança!”
E o monóculo que se lhe colou à figura? Eça imitou o de João Penha, com quem passou tempos felizes, recordados por este poeta em carta dirigida ao político António Cabral (1863-1956): “Eça, que era um visionário, passou a dormir comigo. De manhã, vinha-nos à cama, num tabuleiro, o nosso almoço [ovos batidos com parmesão ralado e pimenta, pão com manteiga inglesa…] que devorávamos com o apetite da mocidade, aberta a janela, e alongada a vista sobre o plácido Mondego até aos chorões da fonte de Inez de Castro”. José Maria reapareceria apenas à noite, apetite disponível para os petiscos na taberna da tia Maria, “perita na arte de fritar a sardinha, o sável e a eiró”, ou para as “ceias monstruosas” no Paço do Conde ou no Castella. Mas o prato de resistência era a “discussão descabelada sobre todas as matérias relativas à arte”, continuada nas “casas de raparigas de fácil peso” com quem, garante o parnasiano Penha, nada acontecia de carnal. “Eça, ao contrário do que quase toda a gente supõe, era um visionário, romântico e sentimental, tendo um horror profundo por tudo quanto é prosaico, isto é, pela vida comum e real. Nos seus livros, onde ele se revela observador, mas intuitivo, era um; fora dali, era outro, era um romântico”, descreve.
Tempos de mudança
Eça via-se distanciado de revoluções e apoquentações. Era aquele que adorava “Mozart em segredo” enquanto os amigos preferiam Beethoven. “Tínhamos, ao mesmo tempo, ocultamente, um idealismo doentio e dissolvente”, recordará, num artigo publicado na Gazeta de Portugal, em novembro de 1867. Aí, fez esta súmula sobre as batalhas intelectuais vividas na Faculdade de Direito de Coimbra: “Havia entre nós todas as teorias e todas as seitas; havia republicanos bárbaros e republicanos poéticos; havia místicos que praticavam as éclogas de Virgílio; havia materialistas sentimentais e melancólicos que proclamavam a matéria com uma meiga languidez nos olhos, e falavam da força vital, quase de joelhos, com as mãos amorosamente postas; havia pagãos que lamentavam as suas penas de amor, castamente, sob a névoa luminosa dos astros. Tudo havia, e também a serena amizade incorruptível, o fecundo amor do dever, e ingenuidade risonha de tudo o que desperta.” Perante este cortejo de personagens, Eça descobriu o teatro.
Antero pintado por Columbano Bordalo Pinheiro – Amigos muito diferentes: Antero era ardente, introspetivo, metafísico; Eça era irónico, fantasista, descritivo
Professando o desdém pela “sujeição à sebenta”, que denunciou como vinda de França e comprada aos “livreiros da Calçada”, acusou a universidade de uma tirania que os fazia aprender a “irmanar com todos os escravos” do mundo – e resolveu então aproveitar os seus “anos moços” no Teatro Académico da Universidade. Como ator, pisou o palco com A Dama das Camélias e outros dramas reconhecidos, além de um punhado de peças menores, e viveu as noitadas boémias ao lado de novas amizades. Como a do médico Carlos Mayer (1846-1910), futuro Vencido da Vida, em cujos aposentos opulentos debatia-se Voltaire, recitava-se Hamlet. Eça, a quem se atribuirá um realismo ímpar nos romances da maturidade, declarava então desprezar a harmonia de Racine, de Horácio ou de Virgílio, e terem os clássicos “açaimado” a paixão”, concluindo que para quem tinha “uma alma doente, febril, ansiada, nostálgica” como ele, era ato funesto. O rapazinho rejeitado esfumava-se no ar, e, em seu lugar, emergia um Eça personagem, conversador brilhante, como que saído de páginas baudelairianas. Batalha Reis (1847-1935) traçou-o assim: “Uma noite, junto da mesa onde escrevia o Severo, vi uma figura muito magra, muito esguia, muito encurvada, de pescoço muito alto, cabeça pequena e aguda que se me mostrava inteiramente desenhada a preto intenso e amarelo desmaiado. Cobria-a uma sobrecasaca preta abotoada até à barba, uma gravata alta e preta, umas calças pretas. Tinha as faces lívidas e magríssimas, o cabelo corredio muito preto, do qual se destacava uma madeixa triangular, ondulante, na testa pálida que parecia estreita, sobre olhos cobertos de lunetas fumadas, de aros muito grossos e muito negros. Um bigode farto, e também muito preto, caía aos lados da boca grande e entreaberta, onde brilhavam dentes brancos.” Em casa desse companheiro de Coimbra, Eça exibiu manias e superstições várias: só entrava no quarto com o pé direito, passava os dias a fechar as janelas com medo das correntes de ar, forrava o candeeiro de petróleo com tiras de papel para filtrar a luz, não tolerava poeira nas mãos. E à hora de dormir? Tinha ritos especiais para arrumar a roupa: colocava os punhos de camisa na mesa pela ordem em que os tinha usado, dispunha as botas à porta para que o criado as limpasse de manhã e as devolvesse sempre emparelhadas ordenadamente.
Nasce um escritor
Eça divertia-se a compor a pose, a provocação, mas aspirava já à literatura. A sua obra será, aliás, povoada por outros aspirantes a escritores: o já citado Artur Corvelo em A Capital, mas também o pequeno Ernestinho Ledesma de O Primo Basílio, com queda para o dramalhão e a soerguer-se com os seus “sapatos de verniz com grandes laços de fitas, sobre o colete branco” e a correia do relógio a sustentar “um medalhão enorme, de ouro com frutos e flores esmaltados em relevo”. Ainda Gonçalo Mendes Ramires, protagonista de A Ilustre Casa de Ramires, “esbelto e louro, de uma brancura sã de porcelana”, dividido entre política e literatura, autor de uma novela histórica, que tem uma “desconfiança terrível de si mesmo, que o acobarda, o encolhe”. N’Os Maias, o poeta Tomás de Alencar, “face encaveirada, olhos encovados”, todo vestido de negro, com algo de “antiquado, de artificial e de lúgubre”, é a personagem que refletia as clivagens entre as escolas romântica e naturalista que insuflaram a Questão Coimbrã (Eça foi acusado de caricaturizar aqui o poeta ultrarromântico Bulhão Pato (1828-1912). “No meio desta Lisboa toda postiça, Alencar permanecia o único português genuíno”, atira Eça. E o inesquecível João da Ega, suposto alter ego de Eça, fidalgo com fama de ser “o maior ateu, o maior demagogo que jamais aparecera nas sociedades humanas”, irreverente e provocador, dândi e diletante, que também cederá à conformidade portuguesinha.
E é então que o bacharel José Maria de Eça de Queiroz, no verão de 1866, chega a Lisboa para, pela primeira vez, vai viver com os pais e os irmãos, Alberto, Aurora (Miló) e Henriqueta. Os progenitores estavam há quatro anos na capital: o pai juiz, já com carreira intocável, instalara-os no nº 26 do Rossio: um prédio distinto com janelas de sacada viradas para a colina do castelo (onde sobrevive, hoje, o Café Nicola). E foi no seu primeiro quarto no lar da familia que Eça escreveu os primeiros folhetins, escritos no papel almaço preferido, comprado numa lojinha da Rua de S. Roque: parágrafos de rajada praticamente sem emendas. Mal terminava os textos, José Maria abalava-se para o Bairro Alto, acordando Batalha Reis com um grito de guerra: “Sou eu e os meus abutres: vimos criar, devorando cadáveres!” Tinha 20 anos quando A Gazeta de Portugal publicou, a 23 de março de 1866, o seu folhetim inaugural (o primeiro dos dez artigos postumamente reunidos em Prosas Bárbaras em 1909): uma história em que Eça finge ter encontrado os fragmentos de uma trova nas margens de um papel rasgado, e em que escreve numa linguagem distante da longa elegância discursiva e exuberante dos seus clássicos, provocando assombro nos seus contemporâneos. Como esta frase: “Eu andava perdido pela floresta escura e sonora. As estrelas, como grandes olhos curiosos, espreitavam através da folhagem.” Eça tinha 21 anos, e quebrava, finalmente, a roda dos rejeitados.
Perfil publicado na VISÃO Biografia nº5 de julho/setembro de 2020
Na quinta-feira, fonte da Direção Nacional da PJ adiantou à Lusa que o relatório da investigação à morte de Odair Moniz, de 43 anos, na Cova da Moura, Amadora, “está concluído e entregue no Ministério Público”, o que teria ocorrido “antes do Natal”. Em resposta, este sábado, à agência de notícias, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que “não se confirma a receção do relatório da Polícia Judiciária”.
Um membro da Direção Nacional da PJ admitiu que “em resposta a um pedido da Agência Lusa, informou indevidamente a jornalista, designadamente quanto à produção e finalização do relatório final do inquérito”. O mesmo membro da direção nacional da PJ adiantou que “a investigação prossegue” e que no seu final será produzido o referido relatório.
A investigação começou em outubro de 2024 e diz respeito à morte de Odair Moniz em 21 de outubro, na sequência de disparos feitos por um agente da PSP durante uma perseguição policial. O agente foi constituído arguido pelo crime de homicídio simples e, segundo avançou à Lusa o seu advogado Ricardo Serrano Vieira, ainda não regressou ao trabalho e não existe ainda data para retomar funções.
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Além do processo no Ministério Público, a PSP também abriu um inquérito interno ao caso e a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) tem a decorrer um inquérito disciplinar para apurar as circunstâncias em que foram feitos os disparos. O agente da PSP será ouvido na IGAI no próximo dia 10 de janeiro, depois de já ter sido ouvido pelo Ministério Público no início de dezembro, tendo optado pelo silêncio.
A Comarca de Lisboa prevê que o julgamento de José Sócrates “possa arrancar antes do verão” de 2025, no Tribunal de Monsanto, em Lisboa. A garantia é de fonte anónima do Conselho Superior da Magistratura (CSM), à Lusa. Passados dez anos sobre a detenção do antigo primeiro-ministro, o processo principal do caso Operação Marquês foi distribuído, por sorteio, ao juiz 19 do Tribunal Central Criminal de Lisboa, lugar ocupado por Susana Seca. Porém, a data da primeira sessão “ainda não está fechada”, acrescenta a mesma fonte. Antes do início do julgamento, o processo vai ser integralmente digitalizado, um procedimento tem o apoio da estrutura de Apoio Logístico à Tramitação de Elevada Complexidade, constituída em 2023, no seio do CSM. O objetivo é o de “facilitar o manuseamento e consulta do processo, garantindo uma maior celeridade e eficiência na preparação do julgamento”, justificou a fonte.
No entanto, não há ainda certezas. No passado dia 7 de dezembro, José Sócrates reuniu os média, para, em conferência de imprensa, voltar a declarar-se “inocente”, alegando que o processo Operação Marquês não poderia seguir para julgamento “por existirem recursos pendentes”, incluindo um do seu primo [José Paulo Pinto de Sousa], também arguido, para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). O STJ vai ter de decidir se a contestação tem efeito devolutivo ou suspensivo. Recorde-se que José Sócrates, 67 anos, responde por 22 crimes – três de corrupção, 13 de branqueamento de capitais e seis de fraude fiscal. O antigo primeiro-ministro (de 2005 a 2011) é apenas um dos 22 arguidos, a quem foram imputados, globalmente, 118 crimes. O antigo governante está ainda acusado de mais seis crimes noutro processo separado. O caso aguarda nova decisão instrutória.
Ao longo deste ano, prossegue ainda o processo do caso BES/GES, que julga a derrocada do universo Espírito Santo. O julgamento tem sessões marcadas até 2026. No banco dos réus estão sentados 18 arguidos (15 pessoas e três empresas); o rosto principal é o do antigo “dono disto tudo”, Ricardo Salgado. Por sua vez, o julgamento do caso BES Angola (BESA) está previsto arrancar a 29 de abril de 2025, com audiências três dias por semana, de manhã e de tarde. O antigo banqueiro angolano Álvaro Sobrinho está no centro do processo, acusado de 18 crimes de abuso de confiança e cinco de lavagem de capitais (por atos ocorridos entre 2007 e julho de 2014). O Ministério Público acusa o arguido de se ter apropriado de centenas de milhões de euros. O julgamento prossegue (previsivelmente) até 10 de julho. O facto de Ricardo Salgado também ser arguido neste processo pode levar as sessões em tribunal a colidirem com as do processo do caso BES/GES, e fazer “derrapar” as datas previstas.
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Ricardo Salgado. EPA/ANDRE KOSTERS
“Embrulhado” continua o processo EDP, depois de o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) ter prorrogado o prazo para as defesas de todos os arguidos apresentarem requerimentos de abertura de instrução. António Mexia e João Manso Neto são acusados pelo MP de terem corrompido Manuel Pinho, ex-ministro socialista da Economia, para obterem 840 milhões de euros de benefícios para a EDP. Segundo a acusação, os factos ocorreram entre 2006 e 2014 e, em síntese, relacionam-se com a transição dos contratos de aquisição de energia (CAE) para os custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), designadamente com a sobrevalorização dos valores dos CMEC, bem como com a entrega das barragens de Alqueva e Pedrógão à EDP sem concurso público e ainda com o pagamento pela EDP da ida de um ex-ministro para a Universidade de Columbia (EUA) para dar aulas. A decisão sobre este processo pode surgir até ao final do ano – debate instrutório ou não pronúncia?
A Google em xeque
Lá por fora, o calendário judicial está (bem) preenchido. A decisão final no julgamento da Google está marcada para depois do primeiro trimestre de 2025. O Departamento de Justiça dos EUA alega que a tecnológica abusou da posição no mercado da tecnologia publicitária, ao manipular as regras para favorecer os seus produtos e prejudicar os concorrentes. A entidade norte-americana argumenta ainda que a gigante tecnológica monopolizou três segmentos fundamentais do ecossistema de tecnologia publicitária: os servidores de anúncios das empresas editoriais, as redes dos anunciantes e as plataformas que ligam os anunciantes às empresas editoriais. A Goolge considera que as provas apresentadas pelo Departamento de Justiça são seletivas e que o processo do governo carece de provas substanciais de danos anticoncorrenciais. A tecnológica norte-americana arrisca mudanças profundas, caso seja considerada uma empresa monopolista. O Departamento de Justiça admite propor a venda do navegador de internet Chrome e uma proibição que impeça a tecnológica de fazer parte do mercado dos programas de navegação durante cinco anos. A entidade governamental também pretende proibir a Google de assinar contratos de exclusividade com empresas como a Apple e a Samsung, para ser o motor de pesquisa por defeito dos dispositivos das empresas.
EUA: escândalos sexuais
Também nos Estados Unidos está agendada a repetição do julgamento de Harvey Weinstein, que começa a 29 de janeiro. O antigo produtor de Hollywood é acusado de violação e agressão sexual. Weinstein tinha sido condenado, em 2020, a 23 anos de prisão, por violação e agressão sexual de uma atriz e ainda por realizar sexo oral forçado numa assistente de produção. Em abril de 2024, um tribunal de recurso anulou o caso devido a um erro processual. Neste novo julgamento, o antigo produtor vai ainda responder por uma nova queixa de agressão sexual, apresentada no passado mês de setembro. Weinstein declara-se inocente.
Na mesma linha, tem início o julgamento do rapper e magnata da música Sean “Diddy” Combs, acusado de dirigir, durante anos, uma violenta rede de tráfico sexual e extorsão, com data marcada para 5 de maio de 2025. De nome artístico P. Diddy, 54 anos, também enfrenta uma ação civil apresentada por mais de 120 vítimas, entre elas 25 menores na altura dos factos, que o acusam de agressão sexual – as vítimas descrevem-no como “um perigoso predador sexual”. A acusação afirma que o rapper utiliza o seu “império” musical para apoiar um violento sistema de exploração sexual. O artista declara-se inocente.
Jair Bolsonaro em tribunal
Jair Bolsonaro. EPA/Andre Borges
No Brasil, o julgamento do ex-Presidente brasileiro e de outros 36 investigados deverá começar no início de 2025. O inquérito surge na sequência de uma investigação da Polícia Federal brasileira que indiciou Jair Bolsonaro por golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de direito, ligando o ex-governante aos atos nas sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.
Na Argentina, começa o julgamento sobre a morte de Armando Diego Maradona. Oito profissionais de saúde vão ser julgados por “assassinato com dolo eventual” (sem intenção) de Maradona, crime que acarreta penas entre oito e 25 anos de prisão. Os sete réus do processo principal são o neurocirurgião Leopoldo Luciano Luque, a psiquiatra Agustina Cosachov, o psicólogo Carlos Ángel Díaz, a médica coordenadora Nancy Forlini, o coordenador de enfermagem Mariano Perroni, o médico clínico Pedro Pablo Di Spagna e o enfermeiro Ricardo Omar Almiron. Segundo a autópsia, Maradona morreu devido a um “edema pulmonar agudo secundário à insuficiência cardíaca crónica agudizada”. A primeira sessão deste julgamento está marcada para 11 de março de 2025.
O longo processo de Zuma
Caso mais antigo é o de Jacob Zuma, por alegado favorecimento do grupo de defesa francês Thales, através de um contrato milionário de armamento. O acordo foi assinado pelo ex-Presidente da África do Sul em 1999, mas o julgamento deverá decorrer entre abril e setembro de 2025. O processo arrasta-se na justiça sul-africana há 21 anos, desde 2003, após Jacob Zuma ter sido acusado pela primeira vez de corrupção no “Acordo de Armas”, como é popularmente conhecido na África do Sul. Aos 82 anos, Zuma – que governou a África do Sul entre 2009 e 2018 – enfrenta várias acusações de associação ilícita, fraude, corrupção e lavagem de dinheiro por envolvimento em operações, supostamente fraudulentas, a favor de um contrato público de aquisição de armamento superior a dois mil milhões de dólares, quando era vice-presidente da África do Sul.
Mais perto, decorre o julgamento de Luis Rubiales, entre 3 e 19 de fevereiro de 2025. O ex-presidente da Federação Espanhola de Futebol responde no banco dos réus pelo caso do beijo não consentido à futebolista Jenni Hermoso. Rubiales está acusado pelos crimes de agressão sexual e coação, arriscando uma pena de dois anos e meio de prisão.
Em França, arranca o julgamento do ator francês Gérard Depardieu, acusado de agressão sexual a duas mulheres. A primeira sessão está agendada para março de 2025. Depardieu tem ainda pendente uma queixa de violação e agressão sexual apresentada em 2018 pela atriz Charlotte Arnould, da qual não há ainda decisão judicial, e outra da jornalista espanhola Ruth Baza. Há ainda casos anteriores que prescreveram.