Steve Huffman, diretor executivo (CEO) da Reddit, confirmou num encontro online utilizadores e investidores, que a plataforma está a trabalhar na criação de canais – os chamados subreddits – que apenas estarão disponíveis a utilizadores pagantes. Um utilizador questionou o executivo sobre o progresso na criação de subreddits pagos ou “conteúdos que só utilizadores que paguem consigam ver” e Huffman confirmou que “é um trabalho em curso”.

Outro utilizador quis saber mais detalhes, como se viriam aí subreddits pagos ou um sistema de mercados em 2025, ao que Huffman clarificou que “subreddits pagos, sim. Um mercado, provavelmente não, apesar de estar a ser preparada a fundação para isso”, cita o ArsTechnica.

Esta ideia já tinha sido abordada numa conferência com investidores em agosto de 2024, na qual se falava sobre as receitas da empresa no segundo trimestre e onde se levantou o véu sobre “conteúdo exclusivo ou áreas privadas”. Outra funcionalidade discutida na altura passava pela monetização do comércio eletrónico, como permitir que os utilizadores paguem diretamente no site, em vez de utilizar um serviço de terceiros. Segundo Huffman, isso está a ser considerado, mas não para o futuro imediato.

A Reddit registou uma queda de 15% no preço das ações depois do anúncio das receitas do quarto trimestre, onde se revelou que a base de utilizadores está a crescer a um ritmo mais lento do que o esperado pelos analistas.

A plataforma assinou um acordo com a Google e a OpenAI para treinar os modelos de IA com os comentários publicados no Reddit.

Huffman reiterou várias vezes que cada vez mais pessoas estavam a procurar no motor de busca expressões com o termo ‘Reddit’ incluído, o que pode indiciar uma dependência daquela gigante tecnológica. No entanto, a relação com a Google é “longa, profunda e simbiótica” e, embora receba “bastante” tráfego a partir daí, a Reddit não está dependente deste, confirmou Hufffman.

Se há algo que valorizamos no nosso dia a dia é uma mochila que realmente faça a diferença. Afinal, uma boa mochila não é apenas um acessório, mas um companheiro essencial para quem precisa de transportar tecnologia, roupa e outros itens de forma prática e organizada. No entanto, encontrar um modelo que reúna todas as características certas não é fácil. Muitas mochilas são grandes e pesadas, mas, na prática, não oferecem um espaço interno bem aproveitado. Outras são compactas, mas acabam por sacrificar a organização e a versatilidade.

Foi por isso que a HyperX Knight chamou a nossa atenção. Não é todos os dias que encontramos um modelo que combina espaço, funcionalidade e um design inteligente sem cair em exageros ou comprometer o conforto. Esta mochila destaca-se, antes de mais, pela sua polivalência. Mais do que um simples acessório para transportar o portátil, pode ser utilizada de várias formas: como mochila convencional, como mala de cabine ou até como saco a tiracolo. Esta capacidade de adaptação torna-a uma escolha interessante tanto para quem precisa de uma solução prática para o dia a dia como para quem procura uma opção versátil para viajar.

As alças amovíveis permitem transformar a mochila numa mala ou num saco de ombro

Uma das características que mais apreciamos é a forma como a HyperX Knight gere o espaço disponível. Ao contrário de muitos modelos que apresentam compartimentos em excesso, o que acaba por fragmentar demasiado o espaço útil, esta mochila aposta num design mais equilibrado. Existem, claro, divisórias essenciais, como o bolso acolchoado que permite transportar um portátil ou tablet de até 16 polegadas, bem como alguns compartimentos adicionais para organizar acessórios como cabos, power banks, canetas e outros objetos de pequeno porte. Estes espaços não só garantem que tudo está sempre à mão, como facilitam o processo de inspeção em aeroportos e eventos.

Mas o verdadeiro destaque vai para o espaço principal, que é amplo e descomplicado. Graças a este design, é possível transportar facilmente duas ou três mudas de roupa sem grandes dificuldades. Para quem viaja frequentemente, seja em trabalho ou lazer, este detalhe pode fazer toda a diferença, eliminando a necessidade de levar uma mala adicional. Além disso, a HyperX Knight inclui um compartimento isolado que pode ser utilizado para guardar sapatos ou roupa suja, algo que adiciona ainda mais praticidade ao dia a dia.

Os materiais utilizados na construção desta mochila também merecem destaque. O tecido é leve, mas resistente, garantindo uma boa durabilidade sem adicionar peso desnecessário. Além disso, as alças amovíveis e o design modular permitem alternar rapidamente entre os diferentes formatos de utilização, tornando-a uma escolha ideal para quem precisa de uma mochila que se adapte a diferentes contextos. Esta versatilidade é especialmente útil para quem viaja em companhias aéreas low-cost, que muitas vezes impõem restrições rigorosas ao transporte de malas de cabine, mas permitem mochilas, mesmo que de dimensões generosas.

No final das contas, a HyperX Knight é uma excelente escolha para quem procura uma mochila que combine funcionalidade, espaço e um design bem pensado. Seja para transportar tecnologia, roupa ou ambos, este modelo destaca-se pela forma como equilibra todos os elementos sem comprometer o conforto ou a praticidade. E, ao contrário do que acontece com muitas mochilas focadas no público gamer, o seu design discreto e elegante torna-a uma opção viável para qualquer utilizador, independentemente do estilo ou do contexto de utilização.

Se precisa de uma mochila que faça tudo isto sem complicações, a HyperX Knight pode muito bem ser a escolha certa.

Tome Nota
HyperX Knight – €75,59

Global: 4,3

Palavras-chave:

Um novo estudo científico, publicado recentemente na revista Science Advances, mostrou, pela primeira vez, a forma como os microplásticos se movem no cérebro de ratinhos e as consequências que têm na saúde dos roedores. De acordo com a investigação, realizada por uma equipa de investigadores da Universidade de Pequim, estes microplásticos, ao deslocarem-se no fluxo sanguíneo cerebral, podem acumular-se e bloquear os vasos – de forma semelhante aos coágulos – tornando-se num risco potencialmente fatal para os animais.

Encontrados em alimentos, no ar ou até mesmo no corpo humano, os microplásticos representam, de acordo com diversas investigações anteriores, vários riscos para a saúde. “Os microplásticos são partículas de plástico, com menos de 5 milímetros de comprimento, que se encontram em todo o lado, desde as profundezas do oceano até ao gelo da Antártida. Encontram-se no ar que respiramos, na água que bebemos e nos alimentos que comemos. Podem mesmo entrar nas nossas correntes sanguíneas diretamente através de dispositivos médicos de plástico”, pode ler-se no estudo.

Para este estudo, a equipa de especialistas utilizou, pela primeira vez, imagens em tempo real para seguir os pequenos pedaços de plástico, à medida que se deslocaram e acumularam nos vasos sanguíneos dos roedores. De acordo com as suas observações, foi possível verificar que estas pequenas partículas foram absorvidas pelas células imunitárias, criando células de formato irregular, que viajaram pelo corpo até ao cérebro.

Constatou-se também que estas células ficaram presas nos vasos sanguíneos cerebrais dos ratinhos – os mais pequenos do organismo – gerando o bloqueio dos mesmos. Obstrução que resultou na redução do fluxo sanguíneo e em consequências notórias na saúde dos roedores, como a diminuição da função motora. Em comparação aos roedores que não foram expostos a microplásticos, os ratinhos envolvidos no estudo mostraram um menor desempenho nos testes desenvolvidos pelos investigadores. A maioria dos bloqueios desfez-se ao fim de alguns dias ou semanas, mas alguns persistiram para lá do período de observação do estudo.

Os autores do estudo salientam que não é claro que os microplásticos tenham o mesmo efeito no cérebro humano, dado que os vasos sanguíneos não são tão pequenos como os dos ratinhos e fluxo sanguíneo humano é maior. No entanto, as conclusões da investigação apontam para riscos graves na saúde cardiovascular e cerebral e sublinham a urgência de um “maior investimento nesta área de investigação para compreender plenamente os riscos para a saúde colocados pelos microplásticos no sangue humano”, lê-se.

1. O Que Está Para Vir

Helena Vasconcelos

O subtítulo deste livro diz-nos mais sobre o que se segue: “Uma vida com Julião Sarmento.” E, em baixo, na capa: “Memórias”. E assim se percebe o belo paradoxo de chamar O Que Está Para Vir a um livro de memórias. Talvez porque os dias que a autora Helena Vasconcelos passou como companheira do artista plástico Julião Sarmento (entre 1974 e o fim da década de 80) estavam cheios de promessas de futuro(s). “Foi um criador incansável que nunca se intimidou perante o desconhecido”, lê-se. A autora, mais conhecida como crítica literária, leva-nos, com a ajuda dos diários que escrevia, numa viagem ao Portugal do pós-25 de Abril e aos anos 80, com a vantagem de nos fazer sentir próximos, quase amigos, da dupla Julião e Helena nesses tempos. P.D.A. Quetzal, 240 págs., €17,70

2. Saber Perder

Margarida Ferra

Nestas páginas, a autora parece guiar-se por uma frase de Marguerite Duras: “Escrever é tentar saber o que escreveríamos se escrevêssemos − só o sabemos depois − antes.” Chegando ao fim deste texto fragmentado, bem entretecido, com pontas que por vezes parecem soltas, mas encontram sempre o seu lugar (como no tricot ou no crochet, várias vezes mencionados pela autora), conseguiremos dizer: este livro é sobre memória e escrita. De algum modo, este livro é sobre ele próprio. Margarida Ferra (que já tinha publicado poesia e aqui, no sexto volume da coleção de não ficção literária da Companhia das Letras, se estreia em prosa) questiona o seu próprio gesto de escrita, a disponibilidade (ou falta dela), enquanto transforma em literatura pedaços do seu quotidiano, objetos, reflexões e, sobretudo, memórias (familiares ou, por exemplo, dos inauditos dias da pandemia). É um livro delicado e singular. “Escrever sobre a minha vida para ter algum controlo sobre ela”, lê-se. Pedro Dias de Almeida Companhia das Letras, 128 págs., €14,95

3. As Crianças Adormecidas

Anthony Passeron

De um lado, a corrida para a identificação do vírus da sida nos anos 80, quando esta doença era desconhecida. Do outro, a tragédia que se abateu sobre uma família. Com a força da autoficção, o francês Anthony Passeron (n. 1980) recupera, neste seu primeiro livro, os tempos sombrios em que a Ciência e o mundo avançavam às cegas no meio de uma pandemia. Mas este não é um relato distante e factual, é a história da família deste professor de Literatura e História, nomeadamente do seu tio que, viciado em heroína, foi traído por seringas usadas. Um livro intenso, sem floreados, sobre um calvário físico e emocional capaz de destruir qualquer família. L.R.D. Livros do Brasil, 192 págs., €17,75

4. Como o Ar

Ada D’Adamo

A meio de um longo e rico percurso nas artes performativas, Ada D’Adamo descobriu que um cancro já começara a fazer o caminho letal no seu corpo. Com pouco tempo de vida, sentiu que tinha muito para contar, sobretudo à filha, que nasceu com uma doença neurológica grave. Como o Ar é o resultado dessa urgência, escrito em forma de carta, na qual se desenterram memórias, segredos e sentimentos. É também o relato de muitas lutas diárias que só o amor de mãe foi capaz de superar e renovar a cada momento. Inspirado na autoficção de Annie Ernaux, Como o Ar é um livro avassalador e comovente, que o Prémio Strega, o mais importante de Itália, consagrou já depois da morte da sua autora. L.R.D. Porto Editora, 192 págs., €17,75

Palavras-chave:

Encontramo-nos online, no dia e na hora marcada, com o especialista mundial em perfecionismo. Thomas Curran, 37 anos, recebe-nos numa casa de madeira situada no jardim da residência dos pais, em Wellingborough, no Reino Unido. Este tem sido o seu escritório temporário até que sejam concluídas as obras de renovação da sua habitação, em Londres.

Através do ecrã vislumbram-se, nas paredes, uma bicicleta e um jogo de dardos. “É bom para divertir e aliviar tensões”, observa o professor universitário do Departamento de Ciências Psicológicas e Comportamentais, da London School of Economics.

Note-se que o autor de A Armadilha da Perfeição – Por que razão o ótimo é o maior inimigo do bom (Presença, 264 págs., €17,90) convive há tempo suficiente com o “nosso defeito favorito”. Os seus leitores e visitantes nas plataformas digitais – a sua TED Talk, no YouTube, proferida no final de 2018, tem mais de três milhões de visualizações – são desafiados a questionar a rotina implacável e exaustiva de perseguir a perfeição, esse ideal que nos impomos, e, em vez disso, contemplar a “humanidade comum”.

Curran, que tem um filho com dois anos e se prepara para receber mais um novo membro na família, em março, está inclinado a considerar que o caminho para uma saúde boa e uma vida satisfatória pode muito bem estar na aceitação plena das nossas imperfeições.

Vai ser pai pela segunda vez. O que pode acontecer se os pais tiverem a fantasia de ser perfeitos?
Aprendi que, quando se tem filhos, a prioridade é dar-lhes atenção e protegê-los. Deixa de haver lugar para trabalhar demais ou pensar demais e a postura narcisista, em que se é o centro do universo, também já não é possível, pois os filhos ocupam esse lugar. Por mais difícil que seja, é libertador não se importar com coisas que antes eram as mais importantes de todas, elas passam a não ter importância nenhuma.

Como foi ser doutorado em Psicologia e confrontar-se com o seu perfecionismo, durante e depois da escrita do livro?
Na verdade, nunca esperei fazê-lo, dei por mim num mundo de palestras TED e coisas do género, quase contra a minha vontade. Não consegui recusar porque era pobre e o valor que me ofereciam era bom, era um meio para atingir um fim e acabou por ser gratificante. Sair da minha zona de conforto e sentir-me como peixe fora de água foi assustador: tinha o medo constante de que as pessoas achassem que eu não era bom a escrever, a falar ou a fazer investigação. Ou que não passava de um impostor que seria descoberto.

Chegou a ter ataques de pânico. Como é sentir-se perseguido, envergonhado ou culpado de forma indiscriminada, como se houvesse um Big Brother?
Não é tanto um Big Brother, pois fazemos isto a nós mesmos e isso é que intimida. Em tempos mais remotos, trabalhávamos por dever, por obrigação, era isso que nos permitia sobreviver. Bastava ter um nível de vida razoável, filhos, um pouco de terra e era suficiente. Hoje, as expetativas são muito além do razoável, a tendência é ser muito autocrítico, esforçar-se em demasia. Os mais jovens estão constantemente a monitorizar-se, a vigiar-se e, até, a castigar-se. Convertem-se no seu próprio Big Brother.

Na prática, podem ser influenciadores e reféns dos ideais de perfeição ao mesmo tempo. É isso?
Sim, chamo-lhe a tirania do “poderia”. Os gurus da produtividade transmitem a ideia de que se pode ir mais longe com esforço. As pessoas cedem à pressão e interiorizam o perfecionismo, acabando por explorar-se a si mesmas.

Afirma que 40% do seu perfecionismo foi herdado dos seus pais. Em que se baseia para afirmá-lo?
As evidências científicas mostram que cerca de metade daquilo em que nos tornamos é fruto da genética, tanto pela via dos métodos de investigação social e observacional como nos da psicologia biológica e nos estudos com gémeos.

Por que razão o perfecionismo socialmente prescrito é pior do que aquele que dirigimos a nós ou impomos a terceiros?
Parte-se do princípio de que é preciso corresponder às exigências externas, sejam as expetativas dos outros ou das redes sociais e da televisão. Isso implica estar num modo hipervigilante, focado no desempenho e na aparência. Cria-se uma máscara hiperfuncional, atrativa e idealizada, na qual cabe tudo aquilo que se acredita que vale a pena ser aos olhos dos outros. Depois, quando as coisas correm mal na relação com o mundo – como vai acabar por acontecer –, isso gera muita ruminação, preocupação e emoções negativas. E solidão, porque as interações não são autênticas e a autocrítica leva ao afastamento, que é uma defesa para evitar sentimentos de culpa ou de vergonha, que surgem caso se seja alvo de uma avaliação externa negativa.

E se chegar à conclusão de que boa parte das pessoas está demasiado ocupada consigo própria ao ponto de nem se aperceber da presença das outras?
Essa é a ironia, perceber que ninguém repara em si nem se importa. Em certa medida, pode ser mais sombrio e ameaçador perceber essa indiferença, ou falta de pertença. Muitos jovens lutam contra essa falta de sentido, de identidade e de algo maior do que eles próprios.

Trata-se de um problema coletivo? E o que está na sua génese?
Os níveis médios de perfecionismo estão a aumentar para todos e os dados das investigações feitas neste campo sugerem que a questão não se ultrapassa com terapia individual e dicas. Os problemas que temos na sociedade são sistémicos, não individuais. Olhando para os jovens, como é que uma única geração entra em combustão espontânea e se desfaz como frágeis flocos de neve? As mudanças na sociedade e na cultura levam a isso, não o contrário. Contudo, há quem não o entenda. O meu livro foi mal recebido nos EUA. Posso admitir que não seja um bom livro, mas entendo que os norte-americanos não conseguem ultrapassar a cegueira cultural em torno do primado do indivíduo, sem lhes ocorrer os conceitos que tanto valorizam podem ser a raiz dos problemas que grassam lá.

Porque isso acontece no país que cultiva os ideais da meritocracia e da riqueza?
A causa do que corre mal está sempre noutro lado: nas redes sociais, na Rússia, na China, nunca em sede própria, porque atribuí-lo ao grande imperativo do capitalismo implica um questionamento sério e não creio que a sociedade norte-americana esteja preparada para o fazer. É bem mais seguro culpar o indivíduo e não o sistema. Mas eu resisti a essa pressão e o livro espelha os dados que encontrei e que as pessoas precisam de ler, por mais desconfortáveis que sejam.

Falando de desconforto, como encara a indústria do bem-estar?
Enquanto houver pessoas descontentes, a indústria da autoajuda vai continuar a prosperar. Esse é o paradoxo: para que o negócio se expanda, é preciso pessoas doentes e, infelizmente, há muitas no mundo ocidental.

Os jovens são a fatia da população mais vulnerável? A sua investigação mostra que o perfecionismo aumentou 7,2%, em três décadas, entre os estudantes universitários.
Os nossos antepassados justificavam a existência a partir de Deus. Na psicologia dos nossos pais, o capital, o trabalho e a ética tinham um papel central. Nas novas gerações predominam as preocupações perfecionistas. Ficar obcecado com o comportamento – se é suficientemente bom aos olhos dos outros – é um mecanismo compensatório que espelha sentimentos de falha, de estar sozinho no mundo e não ter significância nele. Noutros tempos, havia substitutos de significado, como a igreja, os deuses, a ligação com a terra e os rituais tribais. Hoje não: façam o que fizerem, e sem terem qualquer controlo sobre os resultados, os jovens ficam ansiosos e preenchem freneticamente o tempo com atividade. As redes sociais distraem-nos da impotência e da perceção de estar em défice, porque não estão enraizados, nem sentem que importam ou têm um propósito maior.

Os pais podem fazer parte do problema, pelas expetativas que depositam na descendência?
No livro sublinha que aumentaram 8,6% em 30 anos.
Sempre existiram vários tipos de parentalidade. O nível de expetativa no plano académico é que é diferente e tende a ser maior nos agregados mais ricos, que sentem ser irresponsáveis se não pressionarem os filhos para evitar, desse modo, que fiquem para trás num mundo progressivamente competitivo. 

Ficar obcecado com o comportamento – se é suficientemente bom aos olhos dos outros – é um mecanismo compensatório que espelha sentimentos de falha, de estar sozinho no mundo

Não deixa de ser curioso que a necessidade de ser alguém e a síndrome do impostor coexistam, sobretudo na cultura norte-americana.
Se tudo se resumir a ter uma fachada perfeita para o mundo, é expectável que isso traga consigo a impressão de ser uma fraude, porque sabe que a imagem que transmite não corresponde a si e, no fundo, não tem um sentimento de pertença, o que leva a mais perfecionismo.

Como tem sido consigo?
Noto que o Reino Unido está a americanizar-se, mas não entro nisso. Gosto de ler, não tenho televisão, não estou nas redes sociais, exceto o LinkedIn, para me manter ligado ao mundo profissional, mas a consequência disso é ficar distanciado da minha cultura popular. A nossa cultura moderna tornou-se assim. Assuntos triviais e pessoas que não pensam mais profundamente. Ler as obras de grandes pensadores, como Erich Fromm [psicanalista e filósofo alemão], permite compreender melhor porque a cultura moderna se tornou tão superficial. Isto é crítico, porque quem fala com mais profundidade sobre um tema pode ser considerado um maníaco. Já me aconteceu sentir-me estranhamente isolado e hiperconsciente durante palestras em plataformas digitais, por não ter a certeza se os outros iriam entender-me ou odiar-me, caso dissesse algo com que não concordassem. Isso pode ser bastante assustador.

Depois dos resultados das eleições norte-americanas, sente que isso se agravou?
Eu não iria para os EUA.

Enquanto pai, o que lhe faz mais sentido, para não cair no registo ilusório e problemático de alcançar a perfeição?
É muito difícil ser pai e as pessoas devem seguir os caminhos que lhes pareçam mais adequados. Contudo, sugiro que eduquem os vossos filhos a usar a tecnologia de forma responsável, o que se aplica aos telemóveis e às aplicações de redes sociais. Procuro afastar o meu filho da cultura consumista, limitando ao máximo o tempo de ecrã. É difícil, mas muito gratificante conseguir estar confortável consigo mesmo, algo que a televisão nos retira, na medida em que nos distancia de nós e do que sentimos. Acho importante que as crianças possam expressar o que sentem e se sintam confortáveis ​​​​nesse desconforto.

Em que sentido?
Na vida, nem tudo é perfeito. Em momentos desconfortáveis, encorajar os jovens a pensar neles e de forma justa é algo que está ao alcance dos pais. Ao fazê-lo, estão a permitir aos filhos que aprendam a familiarizar-se consigo mesmos, em vez de distraí-los. Dessa forma – e acredito firmemente nisso –, estaremos a dar-lhes ferramentas para serem humanos mais felizes. A aceitação incondicional é outra coisa que pode fazer a diferença: os miúdos precisam de limites e de estrutura e, quando se portam mal, é importante que isso tenha consequências, mas dando-lhes a saber que os amam, independentemente de se saírem bem ou mal, na escola, por exemplo.

O perfecionismo é, portanto, inimigo de uma boa parentalidade?
A partir do momento em que o amor depende de condições, as crianças aprendem isso rapidamente e passam a medir o seu valor em função do comportamento; se não se portam como é esperado, não são dignas de aprovação nem merecedoras de amor. Uma boa maneira de lidar com os erros é minimizá-los e partilhar valores com os filhos para que percebam que isso é normal e tentar não ficar ansiosos com isso. Enquanto pais, não queremos que eles caiam, mas às vezes é preciso deixá-los cair. Não é fácil ser pai e é por isso que não gosto de dar dicas!

Passando para a idade adulta, como evitar o “sacrifício no altar do trabalho”, que refere no livro?
Esta ideia é defendida por pensadores como Byung-Chul Han [filósofo e ensaísta sul-coreano] e, mais uma vez, Erich Fromm: para que a sociedade funcione, as pessoas têm de fazer o que fazem e que, no essencial, se traduz na autoexploração voluntária. O truque do sistema é convencer as pessoas a esgotarem os seus recursos num registo permanente, vendo nisso um ideal a perseguir. Porém, de que serve ver no trabalho uma medalha de honra, dedicando-lhe muitas horas e tentando agradar às chefias? A esfera laboral, que encara estes comportamentos ridículos como virtudes, é um difusor da perfeição, mas quem ganha com isso?

Será uma lógica perversa?
Olhando para a espécie humana, o trabalho é vida, na medida em que confere um sentimento de realização e propósito. No mundo capitalista, isso não acontece e tudo se resume a fazer o máximo para ganhar o máximo e gastar o máximo no mais curto espaço de tempo possível. Só existe ocupação frenética e neurótica.

Se a autossuficiência é um mito e o frenesim é doença, como se põe fim a isso?
Estamos diante de uma falsa promessa. Um dia vamos perceber que mais trabalho e produtividade não valem a pena se forem à custa da saúde e da felicidade. Os europeus, desprezados pelos norte-americanos, que lhes apontam falta de dinamismo e de crescimento económico, compreendem isto melhor do que ninguém. Talvez não queiram pôr em risco a saúde e o bem-estar dos seus nem trabalhar 60 a 70 horas semanais, sacrificando o tempo em família, tendo concluído que aquilo que ganham não compensa.

Prevê que isso aconteça nos próximos tempos?
É uma mudança de paradigma social, que pode dar-se a partir da base para o topo e resultar em coisas como o rendimento básico universal e projetos orientados para indicadores de desenvolvimento social, em detrimento do PIB, que contemplam as áreas da educação, bem-estar mental e esperança de vida saudável. Talvez a era Trump possa expor as desigualdades no sistema e o absurdo das economias focadas no lucro e nada mais. Tenho esperança nisso.

Não anda descalço, não é dado a parábolas, mas profere discursos incendiários. JD Vance, o vice-presidente, veio a Munique não para apaziguar, mas para dividir. Não são Moscovo e Pequim que o apoquentam, nem ao seu divino chefe, mas sim a incapacidade europeia de mudar politicamente. Se há um Trump na América, muitos mais, pequeninos, deveriam governar as nações europeias.

A oração de Vance estava estudada: se gritarem, não viremos em vosso auxílio, mesmo que invoquem um tal de 5.º Artigo da Aliança. Definitivamente, chegou a altura de contarem apenas convosco. Não há guarda-chuvas, biliões investidos na NATO, nem inimigos comuns. A Europa é inimiga de si própria, anunciou o discípulo. «Make Europe Great Again!» – MEGA – pediu Vance em Munique (local mais do que bem escolhido!).

O Evangelho de Trump não vem escrito em papiros antigos, não apregoa a redenção, mas apenas invoca a sua grandeza isolacionista. O MAGA, ou o MEGA, é uma promessa messiânica que não se alimenta de milagres ou de esperança celestial, mas sim da certeza de que a América precisa de ser salva dos seus aliados externos. Apenas redimidas, cópias fiéis do senhor predestinado, poderão as nações europeias ambicionar a restauração.

E a Ucrânia que se vire. Sozinha ou com a Europa. A nova presidência americana ainda não tem um mês e já se incompatibilizou com todos os que não usam um boné vermelho, dentro e fora dos EUA. Se não abrandar, se não existir um mínimo de senso na sua cabeça, Trump vai implodir. Implodir no sentido de destruir, fragmentar, extinguir e aniquilar. Tarde, como sempre, a Europa está agora em alerta vermelho.

Mesmo a propósito: «Os portões do Inferno vão abrir» disse Benjamin Netanyahu. É uma cabala: «vão abrir» no Irão!

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Foi o primeiro doutorado em Design pela Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto, escola onde se formou e dá aulas há 38 anos. Eduardo Aires, 61 anos, estranhou a cidade quando a viu pela primeira, mas hoje tornou-se ponto assente na sua vida. O ponto com que redesenhou a imagem gráfica do Porto, há dez anos, e que lhe mereceu o reconhecimento internacional. Trabalhou para diferentes forças partidárias e sentiu na pele como o Design pode ser uma arma de arremesso político. Violenta, como viu acontecer nas últimas eleições legislativas, com o designer a ser alvo de ataques inflamados e, inclusive, de ameaças de morte, pela renovação do símbolo da República Portuguesa. Aires recusa qualquer desrespeito pela bandeira portuguesa e, em contrapartida, clama por um maior respeito pela classe. Critica, nomeadamente, o lançamento de um concurso aberto a todos os cidadãos para a criação da imagem do novo Passaporte Eletrónico Português, que classifica como “obsceno”.

Gravada na pele No livro comemorativo dos dez anos da marca Porto. estão registadas algumas das suas apropriações, como tatuagens  

Quis ser designer desde muito pequeno. Tinha a perceção do que era a profissão?
Não tinha perceção nenhuma, apenas sentia um apelo pelas questões das formas, do desenho, na altura nem sequer era das artes. Cresci na Alemanha Federal, os meus pais foram para lá, em 1972/73, para serem professores de Português. Estive lá quatro anos seguidos e depois vim fazer o liceu a Coimbra, donde eram os meus avós, mas passava lá muito tempo. Isso deu-me uma dinâmica de vida muito interessante, porque me incutiu desde cedo um sentido de liberdade, mobilidade e, ao mesmo tempo, um enriquecimento cultural e visual.

Lembra-se quando expressou, pela primeira vez, essa vontade?
Foi quando escolhi a vertente artística no liceu, aí disse claramente que queria ser designer. Tive o apoio inequívoco dos meus pais, sem qualquer entrave, e fui alimentando esta ideia. Recordo-me de estar em casa de um amigo, na adolescência, e a mãe dele perguntar-me do que ia viver. Essa pergunta ficou guardada no disco duro.

Recorda-se da sua resposta?
Fiquei embaraçado. Em certa medida, senti-me triste ou um bocadinho magoado, porque estava a menosprezar ou a desconfiar de uma coisa que ambicionava e gostava tanto, não é? Certo é que no liceu tive professores que me ajudaram bastante e alimentaram este meu gosto pelo design.

Mas esse contacto com as artes e com o ensino artístico já vem da Alemanha?
Já, porque fiz todo o ensino primário, até ao liceu, no regime alemão, onde já havia a convivência de todas as áreas. Tínhamos aulas de Geografia, de História, de Matemática, de Teatro, de Música… era uma orgânica completamente diferente. O mais importante é que me habituei desde muito cedo a um modo de vida que funcionava.

Guarda em si um pouco dessa educação alemã?
Guardo. Embora goste muito da Alemanha, de apreciar a ordem, também me sinto latino e do Sul da Europa. Gosto do pulsar da vida e do não programado. O Excel é bom, mas eu não consigo viver pelo Excel. Associo muito isto à forma como projeto. Gosto muito de começar pela emoção, pelo desenho, e a procura da forma é a transmissão daquilo que, em primeira instância, é a minha ordem de pensamento. Mas depois a prática do design, a própria disciplina, leva-nos à razão, à lógica. Posso agradecer o facto de ter estes pilares na Alemanha, ajudam-me a sistematizar aquilo que sou. A minha mulher acusa-me de ser formalista, no sentido em que procuro a forma, depois é que procuro o pensamento. Quase que parece um paradoxo em relação àquilo que disse, mas é verdade, procuro sempre a forma, mesmo através do desenho, mesmo através da emoção.

Como foi a vinda para Portugal?
Houve um choque?

Não, porque nunca cortei raízes. Sempre tive um sentido de responsabilidade, desde muito jovem, dado que tinha de estar atento à gestão da casa. Onde senti um choque foi quando vim para o Porto, curiosamente. Apesar de ter esta miscelânea de influências, estava habituado a grandes metrópoles. Quando cheguei ao Porto, na primeira vez, num autocarro da Rodoviária Nacional, fiquei impressionado porque vi um conjunto de ovelhas junto à Muralha Fernandina. Só mais tarde, uma tia minha ligada às análises clínicas, disse-me: “Eduardo, isso são as ovelhas do [Instituto Nacional de Saúde] Ricardo Jorge para fazerem testes químicos.” Guardo memórias de um Porto um bocado triste e sombrio. Obrigou-me muito ao recato. Passei a desenhar muito mais, a ficar em casa.

Como era o curso de Design naquela altura?
Entrei em 1982. Pertenço à segunda ou terceira fornada de alunos. Na nossa turma, éramos nove estudantes. Fui encontrar um ambiente pós-revolucionário. Começámos logo com uma greve, as aulas só começaram em fevereiro. Era um curso que tinha professores incríveis, ligados à escultura, à pintura, à arquitetura, ao design, e isso fez-me interessar por muitas matérias. É por isso que defino o meu atelier como multidisciplinar. Tanto fazemos moedas de euro como trabalhamos com o teatro, tanto desenhamos cidades como hotéis. Esta transversalidade temática é muito grande. Porquê? Porque dessa formação recebia motivações muito grandes. Sou amigo do Eduardo Souto de Moura, estive muitas vezes a almoçar com ele, com o Siza [Vieira], com o Roberto Carneiro, com o professor Dario Alves… Eu era o benjamim. Comecei muito cedo a dar aulas, logo depois de ter acabado o curso, e era convidado para almoçar e estava lá no cantinho a ouvir, fascinado. Tomava notas e depois ia encomendar as revistas de que falavam. Conheci também o Fernando Távora, cheguei a viajar com ele, quer dizer, fui absorvendo muita informação complementar ao Design, o que tornou a minha cultura visual muito abrangente. E isso foi fantástico. Agudizou a minha inquietude e a minha curiosidade.

Hoje, o curso não tem nada que ver com esse ambiente?
Nada, para o bem e para o mal. Para o mal, porque deixou de ser multidisciplinar, perdeu-se esta convivência e esta capacidade de podermos filtrar e absorver o que realmente queremos. Para o bem, porque o design em si evoluiu enquanto ciência. Sou há 38 anos professor associado da Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto. Sou o primeiro doutorado em Design pela Universidade do Porto. Ganhei experiência profissional porque sempre tive atelier paralelo. Mas tenho a minha experiência académica, pedagógica, científica, e o design ganhou espessura, massa crítica. Falo dos anos 80 não é com nostalgia, é como facto histórico.

Como era ser designer naquele tempo?
Era muito especial. Nessa altura, a técnica que chegava a Portugal era um bocadinho tardia, estava a bombar a fotocomposição, uma técnica de compor texto. Funcionava já com um computador, mas era tudo por código, tudo programado e depois saía uma tripinha com o texto fotográfico, branco e preto. O resto era tudo à mão, tanto é que existia uma profissão complementar, de arte finalista, que preparava o projeto do designer, tal como os desenhadores fazem para os arquitetos.

Como foi desenvolvendo o seu processo criativo?
Houve uma maturidade no próprio processo. Hoje, consigo focar com mais lucidez, tiro partido desta questão de ser professor e designer. A densidade de informação que recebi ao longo da vida permite-me chegar a modelos mais eficazes. A minha cultura visual aumentou exponencialmente. Conheci o arquiteto italiano Aldo Rossi, através do Souto Moura e do Siza Vieira, e ao fim de 20 anos dei conta de que me influenciou muito pela sua forma do desenho, pela sua forma de expressar o projeto. Todas estas pequenas referências contam.

Como a cafeteira que usa todos os dias…
Comprava a cafeteira La Conica e não sabia que era do Aldo Rossi. Mais tarde, descobri que era uma variação do Teatro del Mundo, que o arquiteto concebeu para Veneza. Isto é incrível. Ao longo dos anos, fui agudizando a metodologia processual. Hoje, não tenho o pânico da folha em branco. É estar atento ao briefing e depois é no território que se encontram respostas. Esta equação é fácil de perceber, mas é muito difícil de pôr em prática. A maior parte dos designers trabalha para os outros designers. Esquecem-se desta mensagem do território, de quem é o dono da obra, de quem faz o programa de encomenda e, então, muitas vezes, olham para o lado para querer impressionar os pares.

Com o símbolo da República foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Está a ser usada no Instagram como uma salada russa

Trabalha para o cliente, para o programa.
Essa é a grande diferença entre o design e a arte, não é? É porque nós temos um programa. Falamos em nós, não eu. No design respondemos a um briefing, a um dono da obra. Há uma localização, há um território, há um conjunto de fatores que nos leva a ter em conta essa resposta. E essa capacidade de responder é determinante.

Não é a escala que o atrai?
Não, de todo. Há projetos singulares, pequeníssimos, que são maravilhosos. E há outros projetos de grande escala que, obviamente, quando a complexidade é muito grande, ainda são mais atraentes. No momento em que dizem que “não é possível” é quando despertam em mim um interesse especial por esse mesmo projeto.

Lembra-se qual foi o projeto que mais o surpreendeu?
É sempre o último projeto que me surpreende mais. Lançamos a imagem de um grande projeto do grupo DST em Braga, em Munique, na feira BAU, chamado Lyrical Design Windows. Um projeto gigante, um investimento de 18 milhões de euros, cuja fábrica é projetada pelo Eduardo Souto Moura. Fizemos direção da arte e fotografia, naming, imagem, tudo. Estamos a vivê-lo à flor da pele. São projetos complexos, duram dois anos, são ciclos longos no design. Isso é difícil. É isso que, por exemplo, diferencia muito o design da arquitetura e de outras atividades, porque temos projetos de ciclo curto, médio e longo prazo.

Há um projeto que marca o seu percurso, o da imagem do Porto. Resumir a cidade a um ponto foi um enorme risco?
Não. Fomos audazes. Metaforicamente, costumo referir a questão como ligada às infraestruturas. Construímos e apresentámos metade da ponte e a equipa do presidente Rui Moreira conseguiu construir o outro lado da ponte, para fecharmos a travessia do rio.

Do outro lado, houve a mesma audácia?
Houve, isto só foi possível fruto destas duas grandes vontades. Repare, é uma marca com dez anos, não é? Estabelece aquilo que é fundamental num projeto de design, que é haver tempo e confiança naquilo que fazemos.

Studio Eduardo Aires Do portefólio fazem parte, além do símbolo da República, a identidade visual do Bolhão, edições recentes dos vinhos Esporão, uma coleção de clássicos da Livraria Lello e a imagem gráfica da cidade do Porto

Já tem falado na apropriação desta marca. Até por aqueles que a usam para protestar.
Quando vejo essas situações a acontecer, vejo-as como um elogio. Se a marca serve para protestar, quer dizer que esta marca é tão boa que eu também a vou usar para protestar… isso é o melhor sinal. É por isso que também é tatuada na pele de muitas pessoas. Isto é o maior sentimento de pertença, o quererem levar esta marca para sempre. Isto é brutal. Quando copiam, é fantástico. Aconteceu-me muitas vezes na vida ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. Quando sintetizamos estas camadas todas que temos, provavelmente vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram. Pode acontecer a mim também, não é? Inconscientemente. Por isso relativizo, não sofro.

As marcas não são eternas e temos o mandato do Rui Moreira quase a terminar. Teme que esta marca seja abandonada pelo próximo executivo do Porto?
Não me preocupa absolutamente nada. As marcas têm uma vida, são uma entidade que é colocada à disposição da esfera pública. Depois, salvo constrangimentos anómalos ou decisões imprevistas, é que esse ser não cumpre a sua vida. Não estou minimamente preocupado em saber se a marca vai acabar. Está a seguir o seu percurso, hoje é uma marca adulta, com dez anos. Continuamos a receber convites para a apresentar em todo o mundo. Isso é um sinal de vigor e de atualidade.

A cidade do Porto também acabou por se entranhar em si, tornou-se ponto.Sim, passei daquela imagem imberbe das ovelhas, de um Porto estranho e cinzento, para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto, aprendi a gostar muito da sua escala. Aprendi a gostar muito da sua orografia. Aprendi a gostar da sua relação com a água. Aprendi a gostar de ser portuense e de perceber o caráter dos portuenses. Porque as cidades têm almas e primeiro que uma pessoa perceba e entenda a alma do Porto é preciso tempo. Por isso, Porto, ponto. No Porto, se gostarmos um do outro, convidamos logo para jantar ou para ficar, não é? Abrimos as portas e é isto o reflexo da alma da cidade. E, portanto, deixei que a alma da cidade entrasse também na minha.

Temos de falar do símbolo da República. Um dos primeiros atos do atual Governo foi aboli-lo. Estava à espera desta repercussão?
Não estava à espera, nem pouco mais ou menos. Esta marca viveu oito meses na comunicação social, nas conferências de imprensa, atravessou as Jornada Mundial de Juventude em múltiplos suportes. É em novembro [durante a campanha para as legislativas] que, de repente, a questão vira assunto.

Considera que houve um aproveitamento político da questão?
É mais do que sabido. Hoje, com um olhar mais cristalino, mais depurado, só consigo entender determinadas posições por um calor político. Foram proferidas acusações, comentários e análises completamente descabidas, que revelam um desconhecimento da natureza do próprio projeto. Ninguém chega a uma empresa, como presidente do conselho de administração e anuncia aos seus colaboradores que a empresa vai mudar de imagem. Isto distorce, confunde, perturba, altera, permite múltiplas interpretações. Portanto, também aí foi uma surpresa. Não admito que avaliem o meu grau de patriotismo pelo trabalho que faço. Apenas respondi a uma encomenda. Não faz qualquer sentido. Amo o meu país, honro a minha bandeira. E o que aconteceu não tem nada que ver com o projeto que executei.

Passei de um Porto estranho e cinzento para uma admiração profunda por esta cidade e pelas suas pessoas. Ao fim de 40 e tal anos aqui a viver, aprendi a ser do Porto e a gostar muito da sua escala

Por detrás da aparente simplicidade do símbolo, escondiam-se requisitos muito complexos a que tinha de obedecer?
Claro, estamos a falar de um projeto que demorou mais de um ano a ser feito, por uma equipa entre sete a dez designers, que respondia a um briefing muito específico, otimizado para questões do digital. Isto não é uma questão leviana. Com o projeto foi entregue uma fonte que podia ser declinada em 250 línguas, licenciada para o Estado português, de utilização livre, como instrumento de reconhecimento dos documentos do Estado. Neste momento, está a ser usada no Instagram como uma salada russa. Onde há misturas de coisas sem nexo absolutamente nenhum. Foi feita tábua rasa de um investimento que, sinceramente, não percebo. E, sobretudo, houve um desrespeito para com o autor, pelo menos podiam ter-me ouvido. A decisão podia ter sido a mesma, mas, sob o ponto de vista ético, era interessante.

O facto deste projeto ter sido premiado mais tarde, apaziguou aquilo que aconteceu?
Não se trata de apaziguamento. Quando fui convidado a fazer esse trabalho como designer, como homem, como português, tentei dar o meu melhor, quis servir o meu país. Nunca quis minorar a perspetiva do que era um país, porque isto é um projeto que visa operacionalizar o trabalho e o contacto do governo com os cidadãos. Não é uma bandeira.

Houve, de facto, essa confusão da imagem do governo com a bandeira…
Isso é uma coisa obtusa. Aos comentários de sarjeta das redes sociais, não ligo nenhuma. Agora, os muitos comentaristas que opinam desde ogivas nucleares até ao design, passando por questões ligadas às finanças, esquecem-se da formação que damos aos designers, esquecem-se do Design enquanto disciplina. Sou professor, formo e ajudo a formar estudantes. E vêm pessoas com achismos e fazem tábua rasa disso. Isso é inacreditável, porque têm tempo de antena. Quando veem este reconhecimento do projeto, sobretudo, além-fronteiras, isto só prova que foi bem executado, faz sentido aos nossos olhos e aos olhos dos outros, porque é avaliado entre pares. Este trabalho já foi premiado quatro vezes. E, mais do que os prémios, é aquilo que o tópico suscita. Em fevereiro, fui a Madrid fazer uma conferência e sabe qual era o título? “Esto no es una bandera.” Depois fui à Croácia, fui a Bilbau, a Istambul… em abril, se tudo correr bem, vou ao México. Agora, pergunto: isto não é o reconhecimento global do próprio projeto?

Estúdio-refúgio Da adaptação de uma antiga fábrica, discretamente instalada no Porto, nasceu o estúdio de Eduardo Aires, onde não falta um jardim interior

Tornou-se uma bandeira de qualquer coisa?
Sim. O arquiteto Siza Vieira diz-me assim: “É polémico, porque é muito interessante. Se fosse uma banalidade, ninguém comentava.” Lá fora é premiado, as pessoas aqui fazem um bocadinho de orelhas moucas e não ligam. O que é certo é que suscita curiosidade. As pessoas querem, citam-nos, sou convidado para fazer conferências… se isto me apazigua? Apenas me permite sentir que tenho a consciência tranquila e que fiz um projeto bem pensado.

O briefing dizia que a identidade visual tinha de ser “inclusiva, plural e laica”?
Não, nunca me pediram isso. Nós é que entendemos que a resposta tinha de ser inclusiva, plural e também laica, ou seja, estávamos a replicar o que diz a Constituição. Não estávamos a inventar nada. A polémica até nasce por fuga de um documento que estava a ser discutido internamente. E alguém se apropriou desse documento e passou essa informação. Em momento algum foi o nosso propósito de trabalhar nessa orientação que as pessoas tanto pegam.

O mais inacreditável neste processo foi ter recebido ameaças de morte…
Sim, isso vai para lá do que é racional. Mas encaminhei isso para as entidades competentes, para a judiciária e para os advogados.

E teve resultados?
Teve, bastou que esta informação chegasse à imprensa. As ameaças continuam. De vez em quando, ainda cai uma crítica, mas não são as ameaças muito violentas que ocorreram na altura. Mas sabe uma coisa curiosa que se passou? Estava em Serralves, por ocasião da exposição sobre os dispositivos visuais do 25 de Abril, a ouvir o discurso de circunstância do Luís Montenegro, relacionado com a Cultura e o próprio evento. Qual foi o meu espanto quando ele diz que, na Cultura e nas artes plásticas, temos de ser ousados. Ouvi ali o briefing que tinha recebido.

Recebeu ameaças de morte, mas também teve petições a defenderem o seu trabalho.
Tivemos muitas manifestações de apoio, que compensaram em larga escala todas as ameaças. Tivemos pessoas de diversos quadrantes a defender-nos. Isto também gerou um movimento de classe. O sentido de apropriação da marca foi fabuloso. Campanha da Ikea, brincos, t-shirts… Até estamos aí a colecionar as imagens, porque é sinal que as pessoas se reveem e afinal dizem “isto funciona”. Porque, quando dizem que podia ser feito no Paint em menos de cinco minutos, dou-lhes exemplos de outras marcas: os arcos dos Jogos Olímpicos… para o símbolo da Audi, então, bastava um minuto. Isso é um elogio, porque as marcas são poderosas.

Aliás, costuma dizer que o design é um exercício de síntese…
O que interessa é a sua pregnância, a capacidade de memorizar a forma, de a transformar em algo memorável. É preciso sintetizar, processar toda a informação que temos para chegarmos a um resultado que toda a gente entenda. É por isso que se pretende plural.

Aconteceu-me muitas vezes ser copiado e é um processo natural, porque o design em si mesmo é um processo de síntese. E, quando sintetizamos, vamos desaguar a lugares onde outros já estiveram

Há uma confusão entre minimalismo e primarismo?
Completamente, as pessoas avaliam isto pela ótica do primarismo e, na verdade, é um processo de refinamento. Há dias, tirei uma nota muito interessante, de Peter Zumthor, um arquiteto suíço, que diz: “Minimalismo é a redução ao essencial.”

Já tem falado da falta de respeito pelo trabalho dos designers. O que falta para defender a classe?
Falta regulação. Mas a regulação, sem apoio do poder político, não vai a lado nenhum. Não é só a nossa capacidade associativa que alimenta essa regulação. Um órgão regulador faria frente ao concurso do passaporte, seria logo a primeira entidade a questionar esse processo. Há falta de classe neste convite caricato.

Este concurso é atentatório para a classe?
Em Portugal, onde o design está estabelecido em termos académicos e profissionais, como é possível abrir um concurso para todos os cidadãos? Isto é obsceno. Qualquer pessoa pode entrar na disciplina, é muito fácil. O mais estranho é como há colegas meus que aceitam fazer parte deste tipo de concurso. São tiros nos pés. Há incoerências brutais no regulamento do concurso. Os tetos máximos são 75 mil euros. Para um passaporte, cuja produção é das coisas mais sofisticadas que existem. Contactámos a equipa que fez o passaporte norueguês e trabalharam durante anos no projeto. Eu pergunto: o que é feito do investimento no ensino qualificado do design? Para que é que isso vale, quando qualquer cidadão pode concorrer a este concurso?

A classe dos designers tem culpa na maneira como é vista?
Não temos tido a capacidade de nos agregarmos. No passado, houve a Associação Portuguesa de Designers, houve o Centro Português de Design, mas nem assim se conseguiu dar o passo em frente. Ainda não existe uma certa consciência de classe.

Diz que não trabalha para os prémios, mas com certeza que estes lhe trazem grande gratificação…
Nunca penso nos prémios. Quanto mais prémios tenho, mais humilde sou. Aos 61 anos, só faço projetos com os quais me sinto identificado. Sabe qual é o lema do meu estúdio? Primeiro, temos de procurar o nosso próprio deslumbramento em relação ao projeto; depois de o sentirmos, de certeza que ele vai, sucedaneamente, também produzir esse deslumbramento no dono da obra, no programa de encomenda. Não rejo a minha vida pela quantidade de prémios.

Imagens de marca

Pela projeção que tiveram, são dois dos projetos mais reconhecíveis de Eduardo Aires

Encomendada pelo anterior governo, a nova imagem da República Portuguesa circulava há meses quando, durante a campanha para as últimas legislativas, começou a ser contestada pelos partidos de direita (CDS, Chega e PSD). Às críticas pela simplicidade, acrescentou-se a indignação, em discursos acalorados, pelo facto de desaparecerem os símbolos da bandeira portuguesa, como se estivesse em causa o seu redesenho. Mal tomou posse, uma das primeiras medidas do governo de Luís Montenegro foi regressar à anterior imagem da República Portuguesa. A polémica valeu-lhe ameaças de morte, mas também petições públicas de apoio e prémios nacionais e internacionais.

A identidade visual da cidade do Porto comemorou o 10º aniversário em 2024. O resumo gráfico a um ponto, em representação da sua essência afirmativa, acrescido de inúmeras imagens icónicas a azul e branco, alusivas aos painéis de azulejos que cobrem muitos dos seus edifícios, entranhou-se na população ao longo deste tempo. Mereceu ainda o reconhecimento dos seus pares, tendo sido galardoado com o prémio principal dos European Design Awards (ED-Awards), em 2015, o D&AD (Lápis 2014) e o i Graphis Design Award 2017, entre outros.

Palavras-chave:

Quem anda à chuva molha-se, e quem anda nas estradas portuguesas arrisca-se. Os mais antigos lembrar-se-ão muito bem do anúncio televisivo dos anos 80 em que um lápis desgovernado seguia pela estrada até se despistar, como se fosse um carro guiado por alguém com excesso de álcool no sangue, inabilitado para a tarefa. A célebre campanha da Prevenção Rodoviária Nacional alertava então para o perigo de conduzir sob o efeito de bebidas alcoólicas, um flagelo que não desapareceu da rede viária nacional, mas que entretanto foi ultrapassado pelos excessos de velocidade, na escala dos maiores riscos para quem se cruza num alcatrão cada vez mais disputado.

“Já andei de bicicleta em quase todos os países da Europa e sei que Portugal está com um problema. Depois de muitos anos a dar importância ao álcool, e bem, não estamos a dar a devida importância à velocidade”, aponta Mário Alves, presidente da Estrada Viva, Liga de Associações pela Cidadania Rodoviária, Mobilidade Segura e Sustentável. “Culturalmente, estamos atrasados. Hoje, já não fica bem alguém dizer no fim do jantar que vai para casa com os copos, mas se calhar ainda se gaba de chegar ao Algarve em duas horas”, ilustra o também presidente da mesa da assembleia geral da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados.

Manifestações Ao longo dos anos, os ciclistas têm organizado várias ações de protesto para reivindicar mais segurança na estrada

Se há meio de transporte que dificilmente escapa a um forte impacto quando colide com um automóvel é a bicicleta, esse velocípede que tão depressa é o pesadelo dos aceleras como tão devagar (pelo menos por cá) se transforma numa alternativa saudável e amiga do ambiente nas deslocações citadinas. Num país com tradição no ciclismo de estrada, capaz de levar milhares para a rua quando passa a Volta a Portugal, e que mais recentemente se tornou o maior exportador de bicicletas da União Europeia, que medidas podem minimizar os danos e remendar esta convivência, aparentemente, destinada a vingar nas principais cidades do Velho Continente?

Estivesse nas mãos de Vera Diogo, e o limite de velocidade nas cidades já estaria nos 30 km/hora, seguindo o exemplo de Barcelona, Paris ou Bruxelas. “A próxima meta noutros países já são os 20 km/h e aqui ainda nem sequer há grande compreensão para adotarmos os 30 km/h”, lamenta a líder da MUBi, Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, que à imagem do que também já se faz lá fora defende o condicionamento do trânsito motorizado junto às escolas, para que se criem “rotas seguras” e as crianças possam “desenvolver desde cedo hábitos de mobilidade ativa”.

A par da redução da velocidade máxima permitida nos centros urbanos, e porque “uma tabuleta não basta”, Vera reclama soluções de acalmia do trânsito, como lombas e semáforos, e uma fiscalização mais apertada, de forma a que “as pessoas comecem a pensar duas vezes antes de infringirem a velocidade”.

Mais utilizadores e mais acidentes

Mário Alves reforça a ideia, sublinhando a importância de as multas “chegarem depressa ao infrator”, mesmo que lhe pesem menos nos bolsos. “Mais vale do que pagar um balúrdio dois anos depois, quando já não nos lembramos de nada”, argumenta. O especialista em segurança rodoviária, que viveu em Amesterdão, lembra como os Países Baixos retiveram “um amigo português no aeroporto, com 30 multas por pagar”, para salientar que “Portugal tem uma tolerância imensa” com quem prevarica na estrada. Cheio de convicção, dispara: “A caça à multa é um mito urbano que surge nos jantares de Natal pelos nossos tios mais velhos.”

Tanto assim é, justifica, que ao atravessarmos a fronteira levamos um banho de realidade e cumprimos os limites, com receio da fiscalização. “Neste momento, 70% das ruas urbanas em Espanha têm limite de velocidade de 30 km/h. Aqui, nem sequer os 50 km/h cumprimos. Em avenidas como a Infante D. Henrique ou a da Índia, em Lisboa, uma grande percentagem circula muito acima dessa velocidade, mas quando passa Vilar Formoso muda logo de mentalidade”, critica Mário Alves.

Em telefonema desde a cidade do Porto, Vera Diogo informa que um condutor acaba de passar um sinal vermelho em plena Avenida da Boavista, outra que convida a carregar no acelerador. Utilizadora regular da bicicleta, conta que se sente “insultada” quando os carros buzinam atrás dela, como aconteceu certo dia numa subida íngreme na Cedofeita, forçando-a a encostar. Os ciclistas têm os seus direitos na estrada e, mesmo quando existe uma ciclovia nas imediações, o que nem era o caso, a escolha de andar entre os veículos motorizados é um deles (ver caixa Regras para uma sã convivência).

País de campeões Iúri Leitão e Ivo Oliveira celebram, nos Jogos Olímpicos de Paris 2024, a medalha de ouro na prova de madison, no ciclismo de pista

Esta coexistência, porém, não tem sido pacífica. Depois do caso mediático da morte de Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros, no final de dezembro passado, na Avenida da Índia, pelo menos mais quatro ciclistas morreram, em janeiro, enquanto andavam de bicicleta, o que parece sugerir um aumento de sinistros fatais com estas características.

Segundo o mais recente relatório anual da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), em 2023 houve 26 vítimas mortais em Portugal continental entre utilizadores de velocípedes (cerca de duas por mês, portanto), o que inclui trotinetes. No ano anterior, tinham-se registado 19 mortes e, em 2019, antes da pandemia da Covid-19, 20. Entre janeiro e julho de 2024, a contagem está em 13, menos duas do que no período homólogo de 2023, por isso, é precipitado tirar conclusões.

Mais fiável é constatar, ao longo de 2023, um aumento significativo dos acidentes a envolver velocípedes (total de 3 239,  mais 38,2%), na comparação com o ano de referência de 2019, pré-pandemia (2 344), e mesmo em relação a 2022 (2 995).

Campeões da Europa

Empresas do setor aproveitam fundos europeus

Com 1,8 milhões de bicicletas fabricadas em 2023, à frente da Roménia (1,5 milhões) e de Itália (1,2 milhões), Portugal mantém-se como o maior produtor da União Europeia há cinco anos consecutivos. Apesar da quebra generalizada no setor, o volume das exportações portuguesas retraiu-se apenas 1,5% em relação a 2022, quando tinha ficado ligeiramente abaixo dos 800 milhões de euros.

Já nas contas de 2024, até ao mês de outubro, tudo apontava para nova quebra de 1,5% no valor das exportações nacionais, mas as vendas estavam a recuperar nessa altura do ano e é preciso esperar mais algum tempo até ser conhecido o resultado provisório do ano, segundo o secretário-geral da Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas (Abimota), Gil Nadais.

“O mercado está muito estranho, mas continuamos a ser o maior exportador e o maior produtor de bicicletas da Europa, e penso que continuaremos a liderar, mas teremos de esperar pelos números de 2024”, explica.

Ex-autarca de Águeda, Gil Nadais é também o diretor-geral do novo centro tecnológico BIKiNNOV, que junta a Abimota a 50 empresas portuguesas do setor, num projeto que almeja a criação e desenvolvimento de novos produtos para o mercado das duas rodas.

“Temos uma agenda mobilizadora que está a investir mais de 200 milhões de euros, com o apoio de fundos europeus. O prazo de execução termina a 31 de dezembro deste ano, se não houver prorrogação, e já temos uma taxa de execução muito interessante, bastante superior a 50%”, revela o dirigente.

O centro tecnológico, já em funcionamento, insere-se neste plano conjunto e será uma espécie de laboratório para testar e melhorar novos componentes idealizados pelas empresas.

De qualquer forma, são números que misturam bicicletas com trotinetes, além de não considerarem um provável aumento da circulação de ciclistas, sobretudo em Lisboa, mas não só, acentuado pelos entregadores de comida, notam Vera Diogo e Mário Alves. Portugal também aparece nas estatísticas europeias como um dos países com menos mortes de ciclistas por milhão de habitantes, mas são dados que pouco contribuem para uma consciência mais ajustada da realidade, face à escassez de informação comparada sobre a quilometragem percorrida pelos entusiastas das bicicletas em cada país – é expectável que os Países Baixos dominem este ranking, tendo em conta que a maioria da sua população anda de bicicleta.

Com uma rede ciclável a aproximar-se dos 200 quilómetros, Lisboa assume a dianteira do desafio em Portugal, impulsionada, também, por uma frota pública de bicicletas partilhadas que já atingiu as duas mil unidades e as 185 estações. Geridas pela EMEL (Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa), as bicicletas Gira proporcionaram uma média de 7 405 viagens por dia em 2024, um novo recorde que supera o registo de 7 179 em 2023. Para este ano, as estimativas apontam para uma média superior a 10 mil viagens diárias, num total já muito perto de quatro milhões de viagens.

Ciclovias Q.B.

Vera Diogo lamenta que o Porto esteja muito atrasado na construção de ciclovias (a rede ciclável tem 33,5 quilómetros) e não disponha de um sistema público de bicicletas partilhadas, como a capital e muitos outros municípios do País. A líder da MUBi defende que, “sempre que o volume de trânsito não possa ser reduzido, deve haver uma ciclovia segregada”, ou seja, separada do tráfego motorizado, para promover a segurança. Quando isso acontecer, acredita que haverá mais utilizadores interessados em deslocarem-se de bicicleta pela cidade.

As ligações entre as diferentes ciclovias são outro aspeto relevante para uma boa fluidez da circulação, mas isso não implica a construção destas vias dedicadas em todo o parque urbano, muito pelo contrário. “Se controlarmos a velocidade e o número de carros dentro das cidades, serão precisas muito menos ciclovias. Aliás, nos Países Baixos, 70 a 80 por cento das ruas dentro das cidades não as têm, porque eles trabalharam muito a acalmia de tráfego”, observa Mário Alves que advoga mais campanhas de sensibilização, como se via antigamente em Portugal, para promover “o respeito e a cidadania”.

Hoje, já não fica bem alguém dizer no fim do jantar que vai para casa com os copos, mas se calhar ainda se gaba de chegar ao Algarve em duas horas

Mário Alves, presidente da Estrada Viva

Em conversa com o secretário de Estado do setor, diz mesmo que sugeriu “pagar à SIC e à TVI para pôr o assunto nas telenovelas”, por exemplo, criando personagens em que “alguém ande de bicicleta, tenha um sinistro e converse com outra sobre o tema”, apontando a ficção brasileira do mesmo género como exímia a trabalhar aquilo que designa de “responsabilidade social”.

Regras para uma sã convivência

Direitos e deveres dos ciclistas na via pública ainda geram muitas dúvidas, tanto nos próprios como em condutores de automóveis. Aqui se esclarecem alguns

Prioridade
Quando não existe sinalização num cruzamento, às bicicletas aplicam-se as mesmas regras do que a qualquer outro veículo. Isto significa que, nessa circunstância, os ciclistas têm prioridade sobre automóveis e motos, por exemplo, sempre que se apresentarem à sua direita.

Semáforos
Apesar de não necessitarem de tirar carta de condução, os ciclistas têm de respeitar o Código da Estrada, que os obriga a parar nos semáforos. Não podem usar os passeios para contornar a sinalização luminosa, até porque só as crianças até aos 10 anos podem andar nestes espaços pedonais. Também têm de ceder passagem nas passadeiras e cumprir os limites de velocidade e de consumo de álcool.

Ciclovia opcional
A utilização das ciclovias pelos ciclistas, embora recomendada, é opcional. Existe total liberdade para utilizarem as faixas de rodagem das estradas, a menos que se trate de uma autoestrada ou de algumas vias rápidas.

Circulação na via
Os ciclistas não devem circular encostados à direita. O que diz o Código da Estrada é que “os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”. Seguirem muito à direita pode deixá-los sem margem de manobra para evitarem embater numa porta que se abre de um carro estacionado ou um buraco no pavimento, por exemplo.

Ultrapassagens
Os veículos motorizados têm de abrandar na aproximação para ultrapassarem um ciclista e, ao executarem esta manobra, têm de se desviar com todas as rodas sem exceção para a via adjacente, quando ela existe, e de preservar sempre uma distância mínima lateral de um metro e meio em relação à bicicleta.

Passagempara ciclistas
Salvo sinalização em contrário, os ciclistas têm prioridade sobre veículos motorizados quando estes mudam de direção e pretendem atravessar uma ciclovia. Por outro lado, ao cruzarem uma faixa de rodagem sem desmontar da bicicleta, os ciclistas só o podem fazer numa passagem específica para o efeito, delimitada por duas linhas de quadrados e ainda desconhecida de muitos condutores. Já para atravessarem numa passagem para peões, os ciclistas são obrigados a levar a bicicleta à mão.

Telemóvel e auriculares
Tal como acontece com os condutores de outros veículos, os ciclistas não podem usar o telemóvel enquanto circulam de bicicleta. A mesma proibição aplica-se ao uso de dois auriculares em simultâneo.

Capacete
É recomendado o seu uso pelos ciclistas, mas não é obrigatório.

Iluminação
À noite ou perante más condições de visibilidade, as bicicletas têm de ter uma luz branca à frente e uma vermelha atrás, ambas com um alcance de 100 metros, além de um refletor com as mesmas cores orientado nas mesmas direções e de outros refletores nas duas rodas.

Palavras-chave:

“Notícias manifestamente exageradas.” Rosa Mota recorre à famosa citação de Mark Twain para caracterizar algumas das informações das últimas semanas sobre a gravidade do seu estado de saúde, agora que está de volta a casa, após ter recebido alta hospitalar.
Através de uma mensagem escrita, a campeã olímpica da maratona nos Jogos de Seul, em 1988, informa que irá “começar lenta, mas progressivamente, a tentar normalizar” a sua condição de saúde, aproveitando para agradecer a todos os profissionais que a “ajudaram a ultrapassar o grave problema” com que se debateu nas últimas semanas.
Embora a situação “pudesse ter tido consequências muito sérias, incluindo a morte”, a histórica atleta portuguesa, hoje com 66 anos, esclarece que nunca esteve com prognóstico muito reservado, como chegou a ser referido, “e muito menos ‘a lutar entre a vida e a morte’”, lamentando não ter conseguido impedir o exagero com que “vários canais de televisão” abordaram o seu internamento hospitalar.
“Nunca teve nada a ver com o coração e muito menos fui operada ao coração”, detalha, acrescentando que só foi operada “uma vez” e não foi de urgência, mas sim “programada”, tanto que deu entrada “no dia anterior à cirurgia”.
O problema que a afetou, clarifica ainda Rosa Mota, para desfazer equívocos vindos a público, designa-se disseção da aorta – e não aneurisma da aorta -, uma lesão na parede interna da artéria aorta, e “o período de maior insegurança foi entre o diagnóstico feito num hospital privado”, a 4 de janeiro, “e a saída dos cuidados intensivos”, dois dias mais tarde, durante o primeiro internamento.
A atleta, que ainda se mantém no ativo e continua a bater recordes, desmente que tenha sentido uma dor intensa quando o problema surgiu, no dia 31 de dezembro de 2024, minutos antes de partir para a São Silvestre de Madrid e não durante a corrida, conforme chegou a ser noticiado. Desta forma, também esclarece que essa ocorrência não sucedeu, como também chegou a ser publicado, após a participação na São Silvestre de Lisboa, realizada duas semanas antes.
“Quero agradecer à ciência e a todos os que nos hospitais e serviços vários por onde passei me ajudaram a ultrapassar o grave problema que tive”, sublinha ainda, na mesma mensagem escrita, aquela que continua a ser considerada a melhor maratonista de todos os tempos e que foi a primeira mulher portuguesa a ganhar uma medalha em Jogos Olímpicos.

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