A primeira versão do plano de paz de Trump é o equivalente ao de um ativo russo na Casa Branca? Sim. Tanto é assim que a Administração americana fez confusão na comunicação para fora sobre se era ou não uma tradução literal da vontade da ressuscitada União Soviética. 

É verdadeiramente um plano de paz? Não. É um documento que arranca com a capitulação total e extremada da Ucrânia para acabar na capitulação “moderada” daquele país. Palavra de uso e definição tão amplamente abusiva nos dias que correm. 

Há mais de um ano e caso Trump viesse a ser eleito, como foi, isto seria expectável? Sim, sem qualquer dúvida. O ChatGPT poderia dar as mesmas respostas ou parecidas a estas mesmas perguntas? Não. A máquina tem muito poder factual, mesmo que se engane bastante também aí, mas possui pouca ou nenhuma competência nas questões analíticas que põem a cabeça a pensar e despoletam a criatividade. Então porque é que os líderes europeus não se prepararam para esta eventualidade óbvia, em novembro de 2024? Porque uma parte funciona ou passou a funcionar exclusivamente em modo ChatGPT, colocando de lado a coragem política e analítica que tanto se exige nos tempos de hoje, e a outra parte é formada por antidemocracias liberais que são pró-Putin e Donald Trump. 

O que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse em setembro e que foi tão amplamente criticado ou julgado na opinião pública nacional revelou-se naturalmente mais do que verdadeiro. Expliquei num artigo de opinião porque é que entendia assim. O pior para o grupo dos 27 foi não ter tido um chefe de Estado alemão ou francês a dizer o mesmo e que Donald Trump funcionava essencialmente como um ativo russo. 

Toda a forma como os democratas liberais que restam na condução da Europa lidaram com o Presidente dos Estados Unidos da América seria pouco recomendável para qualquer pessoa que tivesse bem presente a sua campanha, o seu primeiro mandato, a força do movimento extremado global que preside indiretamente, as ligações à Rússia e a Vladimir Putin. Que nunca escondeu, aliás. Não é desde hoje que os interesses de uns EUA liderados pelo trumpismo colidem com os interesses da Ucrânia e de uma Europa que se tem posicionado como ponta de lança na defesa da soberania desse país. Tanto em termos de meios despendidos como a nível de financiamento. 

A partir de aqui, torna-se ainda mais decisivo que, de uma vez por todas, se perceba que esta ideia de gerir as relações com o chefe da Casa Branca como se o mundo ou até os EUA estivessem entregues de forma completa à sua agenda e não se ganhasse mais em fazer valer a posição da Europa, da própria Ucrânia, é não só contraproducente, como bastante mais perigosa. Literalmente, temos uma União Europeia a fazer o papel do apaziguador que alimenta o crocodilo, esperando que seja o último grupo de países a ser engolido pelo pato Donald, como tão bem referia Winston Churchill noutra época e noutro tempo.

O que vai seguir-se à contraproposta europeia que pretende fechar este acordo com a soberania dos territórios da Ucrânia garantida, as sanções à Rússia e a reconstrução do território em cima da mesa, ninguém sabe ao dia de hoje. Certo é que Donald Trump começa sempre estas negociatas com uma posição extremada para recuar e terminar em vantagem. Aqui, a Europa perde de forma completa a face perante Zelensky e a Ucrânia se assim for.

Até porque o benefício dado será sempre o de um ativo putinista e russo.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

No último mês, 185 militantes da JS de Setúbal foram notificados para corrigirem alegadas irregularidades nas moradas. Os emails que receberam convocavam-nos para uma audição com cerca de 24 horas de antecedência. Nenhum deles terá comparecido à chamada, mas vários interpuseram recursos. Entretanto, receberam por mail outra notificação: a de que estão com os direitos eletivos suspensos. Entre os visados, está o presidente da Comissão Organizadora do Congresso Federativo marcado para dia 20 de dezembro, Ricardo Mendes, que vê nestas suspensões uma manobra para a candidatura da oposição interna à atual liderança “ficar fragilizada”. Mas tanto o líder da Federação da JS Setúbal, Pedro Vasconcelos Almeida, como a direção nacional da Jota explicam que o único objetivo é sanar irregularidades.

Pedro Vasconcelos Almeida diz à VISÃO que recebeu “diversas denúncias” sobre moradas falsas. “As informações que me chegaram davam conta da existência de dezenas de militantes registados com moradas repetidas, nomeadamente em sedes do Partido Socialista. Face a tal cenário, e por imperativo de legalidade, rigor e transparência, entendi ser meu dever remeter essas suspeitas ao órgão estatutariamente competente para averiguar potenciais situações de fraude ou falsificação”. Outra fonte da Juventude Socialista diz mesmo que foi detetada uma situação em que “dezenas de pessoas davam como morada uma casa em ruínas”.

Pode haver matéria para queixa-crime

“Encaro esta matéria com elevada preocupação”, afirma o líder da Federação de Setúbal da JS, lembrando que pode haver matéria crime. “Caso se venha a confirmar a existência de falsificações de assinaturas ou outros ilícitos de falsificação ou fraude, tal poderá configurar-se matéria de averiguação criminal. Por essa razão, considero essencial que tudo seja devidamente esclarecido e que, caso se confirmem irregularidades, os respetivos responsáveis sejam identificados”.

Ricardo Mendes, um dos visados, também considera que esta “é uma situação muito grave”, mas não pelos mesmos motivos. Para o militante, que está agora com os direitos eleitorais suspensos, a forma como decorreu o processo está longe de ser transparente e pode configurar uma tentativa de influenciar a eleição de delegados ao Congresso Federativo.

Ataque à oposição interna?

“Quando recebi os cadernos eleitorais percebi que saíram 160 militantes de Almada, 22 do Seixal e seis de Sesimbra. Isto tem impacto direto no número de delegados. São menos cinco delegados ao Congresso, menos quatro em Almada e menos um em Sesimbra”, afirma, frisando que faz parte de uma candidatura “contra o status quo” e que todos os militantes suspensos fazem parte dessa oposição interna em Setúbal.

Esta oposição interna reúne-se em torno da candidatura de Luís Carvalho contra a de Diogo Vintém, atual vice-presidente da Federação.

“Os procedimentos disciplinares carecem de fundamentação estatutária clara e referem inconsistências, ausência de audição prévia e alterações de regras durante o processo”, acrescenta Emanuel Marques, que acha que pode estar em causa “a integridade do Congresso, sobretudo porque [as suspensões] ocorreram em concelhias onde a candidatura de Diogo Vintém enfrentaria maior dificuldade na recolha de apoios”.

Incomodado com a situação, Ricardo Mendes diz que pediu “de imediato a ata que deliberou a suspensão dos militantes” para perceber os pressupostos desta decisão.

Contactada pela VISÃO, a líder da JS, Sofia Pereira, não quis fazer comentários. No entanto, uma fonte da direção nacional desdramatiza a situação e assegura que “as irregularidades podem ser sanadas fazendo o comprovativo de residência”, sendo que isso bastará para que os militantes retomem os direitos que viram agora suspensos.

“A base territorial é fundamental na ação da JS. Não podem subsistir dúvidas sobre as moradas indicadas. Havendo denúncias, tem de ser aberto este procedimento”, justifica a mesma fonte.


Estes oito países com a idade normal de reforma futura mais elevada – Dinamarca, Estónia, Países Baixos, Suécia, Itália, Eslováquia, Reino Unido e Portugal – são os que fazem depender a idade de reforma da esperança de vida, de acordo com o estudo “Pensions at a glance 2025”, da OCDE.

Na anterior edição deste estudo, publicada em 2023, a idade média normal de reforma futura em Portugal já estava a subir dos atuais 65,6 anos para os 68 anos, registando então um dos maiores aumentos entre os vários países da OCDE.

O relatório divulgado esta quinta-feira revela que a idade média normal de reforma em 2024, no conjunto dos países da OCDE, era de 64,7 anos para os homens e de 63,9 anos para as mulheres, devendo aumentar em quase dois anos, para 66,4 anos no caso dos homens, e para 65,9 anos no caso das mulheres que entraram no mercado de trabalho em 2024, em pelo menos metade dos países da OCDE.

Atualmente, a idade média normal varia entre os 62 anos na Colômbia, Grécia, Luxemburgo e Eslovénia – a Turquia é um caso atípico, com uma idade normal de reforma de 52 anos – e os 67 anos na Austrália, Dinamarca, Islândia, Israel, Países Baixos e Noruega.

De futuro, as diferenças entre países deverão tornar-se mais acentuadas, com a idade normal de reforma a manter-se nos 62 anos na Colômbia, Luxemburgo e Eslovénia, a atingir os 70 anos em Itália, Holanda e Suécia, 71 anos na Estónia e até 74 anos na Dinamarca, com base na relação entre a idade da reforma e a esperança de vida.

É expectável que a idade da reforma venha a aumentar ainda mais, embora a um ritmo mais lento depois de 2030, ano a partir do qual se prevê que suba um mês por ano até atingir os 67 anos em 2056.

Estas estimativas tiveram em conta os vários regimes de acesso à pensão de reforma, sem penalizações, por parte dos indivíduos com uma carreira contributiva completa desde os 22 anos de idade.

O mesmo estudo indica ainda que, em média, um trabalhador com um vencimento médio irá receber uma pensão líquida correspondente a 63% do seu salário líquido após uma carreira completa.

Na Áustria, Grécia, Luxemburgo, Portugal e Espanha esse valor é superior a 85%, e nos Países Baixos e na Turquia ultrapassa os 95%.

No extremo oposto, estão a Estónia, Irlanda, Coreia e Lituânia, com taxas de reposição líquida futuras inferiores a 40% do salário líquido.

Em comunicado, a Agência Espacial Portuguesa, que coordena a participação nacional na ESA, refere que a escolha de Santa Maria como o local de aterragem do voo inaugural do Space Rider “reforça o papel estratégico dos Açores no contexto europeu e insere-se numa visão mais ampla de criação de um polo espacial multifacetado na ilha, que inclui também as iniciativas de acesso ao espaço a instalar em Santa Maria”.

O acordo foi assinado em Bremen, onde esta quinta-feira termina o Conselho Ministerial da ESA, com Portugal a ser representado pelo ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre.

O voo inaugural do Space Rider, que descolará da Guiana Francesa, levando a bordo uma experiência de radiação do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, está agora previsto para 2028, depois de ter sido anunciado para 2027.

Trata-se de um veículo espacial reutilizável, não tripulado, concebido para missões de curta duração em órbita baixa para experiências em microgravidade, demonstrações tecnológicas e eventual colocação de pequenos satélites, regressando depois à Terra.

Na ilha de Santa Maria irá funcionar o porto espacial dos Açores, o primeiro licenciado em Portugal, onde o consórcio que o vai explorar espera arrancar com o lançamento de voos orbitais para a colocação de satélites em 2027.

Portugal comprometeu-se a reforçar a sua participação na ESA, de que é Estado-membro há 25 anos, com 204,8 milhões de euros para o período 2026-2030, orçamento que contempla as infraestruturas para a aterragem do Space Rider.

O novo pacote laboral apresentado pelo Governo tem vindo a provocar um debate intenso sobre o futuro do trabalho em Portugal. Trata-se de uma reforma ampla, com impacto profundo na organização das empresas, na vida dos trabalhadores e no equilíbrio social. Ao contrário do que por vezes se tenta fazer crer, estas mudanças não são meramente técnicas, representam escolhas políticas com efeitos duradouros no País.

Entre as propostas mais significativas está o regresso do banco de horas individual, permitindo que os trabalhadores possam realizar até duas horas extra por dia, acumulando 150 horas anuais. Esta maior flexibilidade é defendida pelo Governo como um passo necessário para adaptar o mercado laboral às exigências do século XXI. Contudo, preocupa quem receia que a flexibilidade se transforme em sobrecarga e pressão acrescida, com impacto direto na conciliação entre vida pessoal e profissional.

Outro ponto sensível é o alargamento dos contratos a termo, que poderão atingir três anos nos contratos certos e cinco nos contratos incertos. Num país onde a precariedade já marca gerações, especialmente a mais jovem, esta alteração pode, na prática, adiar a estabilidade por mais tempo e limitar a capacidade de construir projetos de futuro. A reforma também flexibiliza o outsourcing e altera regras ligadas à formação profissional, reduzindo o número mínimo de horas anuais. Num contexto global que exige qualificações constantes, esta redução levanta dúvidas quanto à coerência estratégica da medida.

O pacote mexe ainda com direitos laborais essenciais, como o direito à greve, alargando a possibilidade de impor serviços mínimos a setores como creches, lares e distribuição alimentar. A discussão sobre até onde deve ir a proteção da sociedade sem comprometer o poder reivindicativo dos trabalhadores é legítima, mas não deve ser feita de forma apressada.

Do lado sindical e de várias organizações laborais, as críticas têm sido duras. Há quem veja nesta reforma um claro retrocesso nos direitos conquistados ao longo de décadas, acusando o Governo de abrir portas a formas de precariedade que se julgavam ultrapassadas. Já do lado empresarial, surgem vozes que acolhem bem a modernização e a possibilidade de ajustar o trabalho às necessidades das empresas, embora algumas associações alertem para a necessidade de equilíbrio e previsibilidade.

A verdadeira questão que se coloca é esta: qual é o modelo de sociedade que queremos construir? Um mercado laboral demasiado rígido pode estrangular a competitividade, mas um mercado excessivamente flexível pode fragilizar os trabalhadores e aprofundar desigualdades. A solução raramente está nos extremos.

O país precisa de uma reforma laboral que responda aos novos desafios tecnológicos e económicos, mas que não fragilize direitos fundamentais nem trate a estabilidade como um luxo dispensável. O debate é necessário e saudável, mas só será útil se evitar simplificações ideológicas e se for guiado pelo compromisso com um mercado de trabalho justo, produtivo e humano.

Num momento em que a economia atravessa transformações profundas, é crucial que as reformas sejam feitas com ponderação e diálogo. Modernizar, sim, mas nunca à custa da dignidade de quem trabalha.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Cristiano Ronaldo foi à Casa Branca encontrar-se com Donald Trump. Claro está que isso teve cobertura mediática a nível mundial e a fotografia do futebolista e da noiva a ladear o presidente dos Estados Unidos da América (EUA) tornou-se instantaneamente icónica. Ronaldo fez, por assim dizer, um Trumpwashing à sua imagem. Isso é mau? Não, necessariamente. Mas é uma escolha consciente.

Num mundo polarizado, com trincheiras fundas e tantas vezes irracionais, Cristiano Ronaldo escolheu um lado. É legítimo. Mas, com o seu destaque na viagem a Washington, CR7 ganhou mais fãs do lado de uma certa direita, que idolatra Trump. Possivelmente, ganhou uns fãs locais para o soccer, mesmo que o jogo tenha fãs mais do que suficientes em todos os continentes. Do lado da esquerda e do movimento woke, fez com que perdesse fãs ou, pelo menos, que recebesse críticas.

Ronaldo, a esta altura da vida, pouco se importará com ferroadas. A verdade é que já tinha dado sinais de admirar Donald Trump. Primeiro, enviou-lhe, via António Costa, uma camisola autografada, com uma mensagem de paz. Mereceu aplausos globais. Depois, numa badalada entrevista, disse ter (segredo dos segredos) algo em comum com Trump e manifestou vontade de o conhecer. Certamente, nessa altura, já sabia que faria parte da comitiva do príncipe herdeiro saudita, Mohammed bin Salman, na sua visita oficial aos EUA.

Será que CR7, uma marca em si mesmo — e uma das mais poderosas a nível mundial —, fez mal em manifestar a sua admiração pública por Trump? Só ele sabe. Mas uma coisa é certa: no próximo ano, quando aterrar nos EUA para o Mundial, não será apenas o capitão da seleção portuguesa e um dos melhores jogadores de sempre; será também amigo de Trump e isso, em comunicação, chama-se posicionamento. E não há posicionamentos errados. Só há objetivos diferentes.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O estudo State of UK Men, publicado na semana passada por duas organizações promotoras da igualdade entre os géneros (Equimundo e Beyond Equality), mostra-nos bem o estado de confusão emocional e cultural em que vivem hoje em dia os rapazes e os homens no Reino Unido. Uma realidade que atravessa atualmente todo o mundo ocidental e que as mulheres sentem bem na pele.

O inquérito foi feito a adultos entre os 18 e os 45 anos e 88% dos homens nesta faixa etária acredita que “ser homem significa prover à sua família” ou “ser forte” (83%), neste caso a mesma percentagem dos que respondem que “ser homem” é também “partilhar o trabalho doméstico”. Alguma coisa se interiorizou, pelo menos na teoria.

O problema com o papel do provedor é que já não é preciso ir para a floresta caçar presas, nem ser o único sustento da família, já que a maior parte das mulheres trabalha fora de casa. O sustento da família há muito deixou de ser um papel definido pelo género e, deste ponto de vista feminino de onde escrevo, não haveria razão nenhuma para tanta desorientação. Numa família “tradicional” heterossexual, são os dois a dançar o tango, qual é a dificuldade?

O problema é que a independência financeira das mulheres trouxe um maior equilíbrio nas relações de poder – os homens já não podem dizer “em minha casa, as minhas regras” porque a casa é muitas vezes comprada em conjunto, paga pelos dois, com a luz, a água e o gás bem divididos, assim como as despesas de supermercado. O galo já não canta de galo e parece-lhe o fim do mundo que a galinha já não precise dele numa união que só valha pelo afeto e não pela dependência.

No mesmo inquérito, um em cada quatro homens diz que nunca ninguém se irá apaixonar por ele, 63% acreditam que ninguém quer saber se os homens estão bem hoje em dia e 62% reclamam que “as mulheres têm muitas expectativas sobre como os homens devem ser dentro das relações amorosas atualmente”. Ao mesmo tempo, mais de metade dos inquiridos (54%) não se incomodariam se o seu país tivesse “um líder forte que não se importasse com o Parlamento ou com eleições”, e metade apoia ideias red pill (movimento de apoio à “masculinidade dominante” e ao “privilégio masculino”), através de ideias como “a vida é mais difícil para os homens do que para as mulheres”.

Não, os homens não têm a vida assim tão facilitada, desde logo porque são (mal) educados para um mundo que já não existe. Criados como uns “reizinhos” dentro de casa, os rapazes podem ficar no sofá enquanto as suas irmãs são chamadas para pôr a mesa e lavar a loiça. Depois crescem e não há quem os aguente na tortura desequilibrada do dia a dia e do trabalho doméstico.

Vamos então culpar as mães que os educam? Também – não há aqui trincheiras de género e as crianças aprendem mais pelo exemplo do que pelas palavras no vento. Tal como as ideias ganham mais força quando o exemplo vem de cima, dos líderes eleitos em regimes democráticos ditos avançados que não se coíbem de chamar “piggy” a uma jornalista mulher, como fez Donald Trump há dias.

Ah, mas 68% dos homens britânicos têm medo de que a sua reputação seja destruída se disserem o que pensam. É a insegurança da masculinidade tóxica que prejudica todos, rapazes e raparigas. E isso não é de homem.

Palavras-chave:

Há alguns anos, a estrela portuguesa de futebol Luís Figo sofreu danos reputacionais, com a sua associação a uma operação de propaganda de José Sócrates. Armando Diego Maradona, por seu turno, apareceu ao lado do “compadre” Fidel Castro e nunca escondeu a sua simpatia por El Comandante, sem que a estrela do argentino tivesse dado mostras de empalidecer. Claro que, em ambos os casos, os futebolistas citados já tinham arrumado as botas e estavam, assim, menos expostos e a salvo de vaias ou polémicas, sobretudo, na representação nacional ao serviço de cada uma das suas seleções. Política e futebol confundem-se nas “brumas da memória” desde que o desporto-rei é um espetáculo de massas, que mexe com as emoções e com o dinheiro. Num interessante, divertido e altamente recomendável livrinho, publicado pela Tinta da China, em 2016, Para Lá do Relvado – O que Podemos Aprender com o Futebol, Raquel Vaz Pinto dá múltiplos exemplos de como o pontapé na bola foi usado em narrativas políticas.

A polémica nacional – e, talvez, internacional – relacionada com o convite/visita de Cristiano Ronaldo à Casa Branca, depois de, dias antes, cirurgicamente, ter manifestado a sua admiração por Donald Trump, é como todas as polémicas ligadas ao futebol: um manifesto exagero, exacerbado por fatores emocionais que nada têm a ver com a realidade das coisas. A importância dada a este evento teve de tudo: haters de Ronaldo que viram confirmada a sua aversão, fãs de Donald Trump que viram legitimada a sua admiração, novos haters para o primeiro, saídos das fileiras de anteriores incondicionais, e até novos admiradores do segundo que, se antes o viam com maus olhos, agora apreciaram a sua “humanização”. O nosso CR7 esteve numa plateia de poderosos barra milionários, com nomes como Jeff Bezos e Elon Musk, juntamente com Donald Trump e Mohammed bin Salman. De referir que a Arábia Saudita anunciou o investimento de mil milhões de dólares em projetos nos EUA, ao mesmo tempo que confirma parcerias em Inteligência Artificial, tecnologia e defesa, com implicações diretas na geopolítica do Médio Oriente. Não esquecer, neste contexto, o Projeto Prometheus, de Bezos, que pode transformar a capital saudita, Riade, num centro mundial de IA. No meio disto tudo, o peão Cristiano Ronaldo é um influencer de luxo, uma flor na lapela do príncipe saudita.

Vale a pena, neste ponto, portanto, debruçarmo-nos sobre um argumento muito utilizado pelos defensores de Cristiano Ronaldo, não porque ele tenha fundamento, mas porque foi brandido por figuras com a responsabilidade do selecionador nacional, Roberto Martínez, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Segundo esta narrativa, a presença de Ronaldo na Casa Branca, naquela intimidade com o homem alegadamente mais poderoso do mundo, deve encher-nos de orgulho, porque o Cristiano “é o melhor dos nossos embaixadores”. Além do provincianismo do argumento, podemos tolerar, compreender (e o autor destas linhas compreende) defender ou até admirar a façanha da presença de Ronaldo, como convidado de luxo de Trump. Mas não por estes motivos. Nem o selecionador nem o PR ignoram, porque o próprio Ronaldo não o escondeu, que a ida do jogador para o campeonato saudita incluiu nas suas atribuições a função de embaixador da candidatura da Arábia Saudita à organização do Campeonato do Mundo de Futebol de 2034. É legítimo: Ronaldo é pago para isso. E não vale a pena vir o choradinho dos direitos humanos espezinhados na Arábia Saudita e a alegada conivência do astro português com um regime supostamente assassino: ele não é a Madre Teresa, nem é um ativista, nem é obrigado a sê-lo. Ele é um profissional, bem acompanhado por outros profissionais congéneres que encontraram naquele país um emprego e um futuro – a começar por muitos jogadores e vários treinadores portugueses. Ele, sendo muito mais do que um jogador de futebol, na essência é só um jogador de futebol. Mas dizer que Ronaldo, nesta missão específica em Washington, foi nosso “embaixador”, é fazer de nós estúpidos e pretender que engulamos uma pílula de coliformes fecais com cobertura de açúcar. Em primeiro lugar, se um “embaixador de Portugal” está incluído numa comitiva saudita, é o País, e neste caso, o Presidente da República – que reconhece a Cristiano esse estatuto diplomático… – que está a pactuar com o regime sanguinário da Arábia Saudita. Não é Cristiano que está a fazê-lo. A natureza da “missão diplomática” não compromete o embaixador, pessoalmente: ela compromete o país que representa e que o legitima. Será que os portugueses acham bem ter um embaixador seu ao serviço de interesses sauditas?… E compromete, especificamente, o Presidente da República, na sua associação indesejável com o regime árabe. Que nós consideremos Cristiano um embaixador informal, tudo bem: é uma maneira de dizer. Mas que seja o PR a dar-lhe esse estatuto, nesta história concreta, é uma leviandade. Ou será que Cristiano foi discutir com Trump um regime de tarifas mais favoráveis para as empresas portuguesas?… Embaixador do quê? Em segundo lugar, se o impacto global de Cristiano sempre nos orgulhou, esta viagem em concreto orgulha os portugueses ou, pelo contrário, envergonha o País? As opiniões dividem-se: uns dirão que é um orgulho. Outros, que é uma vergonha. Ora, esta inevitável polarização enfraquece a qualidade diplomática.

E, no entanto, qualquer modificação na maneira como cada um de nós olha para Cristiano Ronaldo será sempre exagerada, se ela for afetada pelas imagens que todos vimos. O que devíamos querer saber de Ronaldo? Se marca golos ou não marca. E sempre marcou. Se joga bem ou não joga. Sempre jogou bem. Se orgulha o País e os seus fãs no campo ou se não orgulha. Sempre orgulhou. Se usa parte da sua influência para auxiliar os mais desfavorecidos ou não usa. E sempre usou. Se vai ou não vai honrar-nos, durante anos ou séculos, muito para lá do fim da sua carreira… E vai! Sinceramente, as suas opiniões políticas contam pouco. Se ele gosta de Trump – ou foi aconselhado a gostar, por razões “operacionais” – é um bocado indiferente e é lá com ele. O CR7 será sempre o CR7, e vai ser recordado pelas suas prestações em campo, não pelas suas atividades fora dele. “Embaixador”, sem dúvida, sempre que não estiver a servir interesses estranhos ao País, ou contraproducentes para a reputação do País – como foi o caso. Foi o caso, mas tem todo o direito de o fazer, porque Cristiano Ronaldo, sendo “património” dos portugueses, não é propriedade deles. Cristiano Ronaldo não esteve, em Washington, a representar o País. Nem tinha de estar. Ninguém lhe passou essa procuração.

Há outras razões, essas, sim, mais importantes, para que Cristiano Ronaldo reflita. No passado dia 16, uma espécie de 25 de Abril varreu a Seleção Nacional. A alegria exibicional dos jogadores e as suas celebrações posteriores, nas redes sociais, após o 9-1 à Arménia, sem o capitão em campo, foram aspetos reveladores de uma Seleção que já se emancipou. Na marcação de um livre direto, o dono da bola seria sempre Bruno Fernandes, capitão de equipa por ausência do CR7. Mas, numa deliberada mensagem, talvez para vincar uma posição, o jogador do Manchester United concedeu ao benjamim da equipa, João Neves, a marcação da falta, a uns 30 metros da baliza adversária. A decisão de Bruno Fernandes não terá sido tomada por acaso: ele mostrou que se pode passar o testemunho. E revelou uma atitude que nunca viu Cristiano ter para com ele. (E, agora, João Neves verá em Bruno, e não em Cristiano, eternamente, o seu “capitão”). A moral da história escreveu-se sozinha: desde 2018 que não havia memória de a Equipa das Quinas ter marcado um golo como aquele.

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Numa recente entrevista, o ministro dos Assuntos Parlamentares afirma que provavelmente será preciso recalibrar a chamada via verde – que permite obter um visto de trabalho na nova legislação.

Eis a necessidade desse possível ajuste: os patrões precisam de 100 000 imigrantes por ano para que as empresas continuem a funcionar, mas com a nova lei foram atribuídos somente 800 vistos no primeiro semestre. Assim por alto, e utilizando o nível de sofisticação intelectual que o Governo mostra nesta matéria, ficarão por preencher 98 400 postos de trabalho, só num ano. A bem da verdade, o governador do Banco de Portugal e o ministro das Finanças tinham avisado para o problema.

Como tendo a culpar a ignorância por muitas das decisões erradas que as pessoas tomam, vou assumir que o Governo não conhece a economia, nem o funcionamento das empresas, nem a demografia, nem conhece qualquer tipo de estudo sobre imigração. Não fosse essa minha fé na bondade humana, teria de assumir que o Governo toma conscientemente decisões contra o bem comum apenas porque acha que essas podem trazer-lhe benefícios eleitorais.

O Governo, portanto, não sabia que a esmagadoríssima maioria das empresas não tem tempo, nem meios, nem capacidade para meter requerimentos a um qualquer consulado para que lhe enviem pessoas para trabalhar. Também não sabe que, mesmo que tenha gente para fazer isso tudo, a empresa corre um risco enorme ao trazer alguém sem teste prévio. Desconhece que, estando nós quase em pleno emprego, não há outra forma para que as empresas cresçam que não seja recorrer à imigração.

Pelos vistos, também ignora que o nosso saldo natural demográfico é negativo. E, sem dúvida nenhuma, é absolutamente ignorante quanto às reais causas da imigração para Portugal.

Rebobino e ajudo: as pessoas imigram para Portugal porque há trabalho e oportunidades. Para o notável crescimento económico que tivemos nos últimos anos, foram precisas pessoas que não tínhamos. 

Não vou repetir o que aqui já escrevi muitas vezes sobre o que os imigrantes nos deram e dão, e os desafios que uma comunidade enfrenta quando vê chegar tanta gente. É evidente que não é tudo um mar de rosas, que quem veio ajudar-nos (ajudando-se) precisa de casa, de escolas para os filhos, de cuidados de saúde. Em poucas palavras: de tudo o que é essencial para uma vida digna. E isso tem custos para a comunidade que já cá está. Mas como nós precisamos deles para termos uma vida melhor, para nos desenvolvermos, para criarmos oportunidades, a questão não é se, é como.

Não é saber se eles trazem problemas para os custos de habitação, é como resolvemos o problema da habitação, de forma a que todos tenhamos acesso a ela a preços razoáveis. Não é se as escolas e creches podem albergar mais filhos de imigrantes, é como construímos escolas para todos. 

Tenho lido reflexões sérias (destaco as de Pedro Norton no Público e de João Vieira Pereira no Expresso) sobre se a imigração que recebemos pode trazer ou não benefícios para a produtividade, se faz com que setores que geram pouco valor acrescentado cresçam em detrimento de outros e se não pode provocar reduções salariais. 

Prometo ir a esses temas (até porque vão permanecer na agenda por muito tempo) de uma forma mais aprofundada e o que passo a escrever não serve, ainda, para polemizar.

Por agora, refiro que não há possibilidade de ganhos de produtividade se as empresas não conseguirem vender – e não vendem sem mão de obra. Tentar melhorar processos, fazer formação, desenvolver tecnologia sem empresas saudáveis e rentáveis é uma quimera. E, claro, há muito para refletir sobre produtividade num país que tem muito poucas grandes empresas, que tem um Estado focado em afogar as empresas em burocracia e empresários pouco qualificados e com mentalidade rentista. 

Dizer que mais imigrantes equivale a estimular atividades com pouco valor acrescentado, por serem estas as que mais precisam de quem vem de fora, não tem sentido. Se um país não promove as suas condições naturais, que raio aproveitará? Por outro lado, em nenhum lugar está escrito que ter uma indústria turística forte impede outras atividades. Bem pelo contrário, indústrias fortes promovem outras indústrias – trazermos empregados de mesa não impede virem também engenheiros informáticos. Mas, lá está, é preciso mão de obra. Havendo aqui muitos ganhos de produtividade a realizar, não é menos verdade que só lá chegaremos se as empresas tiverem funcionários suficientes. 

Outro mito que se vai alastrando é o de os imigrantes estarem a pressionar os salários dos naturais. O termo mito é diretamente importado do livro Como Funciona Realmente a Migração, de Hein de Haas, que já aqui citei, mas a que vale sempre a pena voltar – o dr. Leitão Amaro e o dr. Abreu Amorim ganhariam muito se o lessem.

Não há nenhum dado empírico que mostre que a imigração reduz salários. Pelo contrário.

Em primeiro lugar, a própria essência da imigração económica contraria o argumento de que ter mais trabalhadores pressiona os salários: a imigração sobe quando há crescimento económico e baixo desemprego, e desce quando o desemprego sobe.

E não, não é só por o crescimento económico provocar por definição melhores salários – pode acontecer apenas um enorme aumento de desigualdade. Entre outras coisas, é pela própria segmentação do mercado de trabalho: se trabalhos mal remunerados não são preenchidos, isso pressiona para baixo os que normalmente estão mais acima. 

Depois parte-se do princípio de que os imigrantes competem com os locais pelos mesmos trabalhos – basta estar em Portugal para saber que isso não é verdade. Até o que sabemos sobre os locais não quererem fazer certos trabalhos – que corresponde a um enorme salto nas qualificações, entre outras coisas – parece estar esquecido.

Também convém não esquecer que a procura de trabalho não é fixa nem está dependente da imigração: a imigração tende a fazer crescer o tamanho total da economia e a própria força de trabalho total. 

Aliás, nos últimos anos assistiu-se em Portugal a um significativo crescimento do salário médio que coincidiu exatamente com um enorme fluxo migratório. 

Uma nota sobre este assunto: é interessante como o tema da descida de salários por causa da imigração passou da esquerda para a extrema-direita. Não foi só esse…

É preciso ajudar o ministro Abreu Amorim e o Governo. Para evitar mais medidas ignorantes, talvez seja bom explicar que os imigrantes virão sempre enquanto existirem empresas que deles precisem. Se não lhes derem os vistos, eles estarão ainda mais à mercê das máfias, da exploração e de precárias condições de vida. E estas são as boas notícias. As más é que se eles não vierem, as nossas empresas não geram empregos, não vendem e, mais certo do que o sol se levantar todos os dias, entraremos ou já estaremos numa crise económica. Aquela coisa que traz desemprego e miséria para todos.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

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Celebraram-se ontem 10 anos do momento inovador na história democrática portuguesa em que foi possível constituir uma solução governativa estável que superou o clima de tensão na sociedade portuguesa que marcou o período de dedicada implementação do programa económico determinado pela troika e se comprovou a natureza de base parlamentar do nosso sistema de governo.

Comprovou-se pela primeira vez que as eleições para a Assembleia da República se destinam a eleger 230 deputados e não são um voto personalizado entre candidatos a primeiro-ministro, algo em que só os especialistas em Direito Constitucional pareciam acreditar. Daí a surpresa, sendo a questão essencial das eleições de 2015 a avaliação da governação de Passos Coelho, que a perda da maioria parlamentar pela direita tenha tido por consequência a formação de um governo minoritário do PS com apoio parlamentar dos partidos à sua esquerda.

Cavaco Silva ainda tentou ver se resultava a indigitação de um governo de Passos Coelho que, manifestamente, quando tomou posse, já era claro que não teria viabilidade parlamentar.

A nomeação de governos de iniciativa presidencial, mesmo esses sujeitos ao beneplácito dos partidos representados na Assembleia da República, era algo vedado desde a revisão constitucional de 1982 que atribuiu ao Presidente da República, essencialmente, um poder moderador que se agiganta sobretudo quando não existem soluções políticas maioritárias, quando pondera a dissolução da Assembleia da República ou através do crivo do veto político ou constitucional.

Jorge Sampaio tinha razão no plano constitucional quando, existindo uma maioria parlamentar da AD, nomeou Santana Lopes para substituir Durão Barroso.

Já Marcelo Rebelo de Sousa confundiu abusivamente os seus impulsos pessoais e políticos com os poderes presidenciais quando dissolveu o Parlamento em 2021, sem desafiar António Costa a tentar negociar um Orçamento com viabilidade parlamentar, e foi cúmplice do golpe judicial de 7 de novembro, ao não aceitar a indigitação de um novo primeiro-ministro indicado pelo PS, que tinha maioria absoluta na Assembleia da República, para substituir o demissionário António Costa.

Por seu lado, Cavaco Silva deu um grande contributo para a qualidade da democracia ao exigir em 2015 a António Costa, como condição para a nomeação como primeiro-ministro, a celebração de acordos escritos com o BE e o PCP, comprovando o apoio à viabilização da solução governativa de esquerda.

Novamente confundindo comentário político com o contributo do Presidente para a estabilidade, Marcelo Rebelo de Sousa errou ao não exigir a Luís Montenegro a demonstração de qual o apoio parlamentar com que contava para a formação dos seus dois governos minoritários.

Em vez de uma solução política estável resultante de escolhas políticas transparentes, temos uma permanente degradação democrática resultante da oscilação pendular entre os acordos envergonhados entre o PSD e o Chega e a chantagem sobre o PS, como se o partido que é alternativa de Governo tivesse qualquer obrigação de viabilizar medidas de política de que discorda.

Em sistemas políticos com parlamentos eleitos de forma proporcional e com resultados eleitorais muito fragmentados, os governos levam, por vezes, vários meses a ser formados ,até ser construída uma solução com maioria parlamentar. É assim na Alemanha ou na Áustria, com demoras normais de vários meses, na Bélgica, normalmente entre 6 meses e um ano, e na Holanda, onde, depois das eleições de outubro, o primeiro-ministro cessante disse que o Pai Natal chegará antes do seu sucessor, mas deseja ir de férias antes do próximo verão. Soluções de governo imediatas só existem no sistema maioritário britânico ou nos sistemas de coligações naturais entre blocos políticos de direita ou de esquerda como sucede nos países nórdicos.

Entre nós, temos o absurdo de o Presidente da República se demitir de testar a solidez da solução governativa, a mitologia sem qualquer apoio constitucional de que quem tem um deputado a mais forma Governo e a permanente chantagem, sem qualquer abertura para negociar, sobre as oposições.

A questão colocada aos candidatos presidenciais sobre se viabilizariam um governo de André Ventura é totalmente ridícula. Ou o Chega tem maioria absoluta e a nomeação seria uma obrigação constitucional ou se fosse o partido mais votado sem maioria teriam de ser verificadas quais as soluções de governabilidade com maior credibilidade no quadro parlamentar que poderiam passar por relegar Ventura para o incómodo destino de oposição já conhecido de Passos Coelho em 2015.

Mas Montenegro, com a sua limitada cultura democrática e a vocação para a falta de transparência, em vez de manifestar gratidão pela viabilização do Orçamento pelo PS, incólume nas suas linhas essenciais, faz um choradinho de vítima em torno das questões menores resultantes de votações conjugadas dos vários partidos de oposição em temas menores como as propinas do ensino superior, a isenção de algumas portagens para residentes ou, manifestando aqui uma prepotência autoritária, o reforço de verbas para o funcionamento do Tribunal Constitucional.

De um primeiro-ministro que negociou antecipadamente com o Chega vários anos de redução do IRC e que consagrou na lei na fase de especialidade um brinde discricionário a dar aos pensionistas na véspera do próximo Orçamento, diria que é um enorme topete, e um abuso de uma legitimidade que não tem ,estas vestes rasgadas pelo risco do défice orçamental que todos os analistas antecipam para 2026.

Pela falta de cultura democrática no debate orçamental e pelo abuso da inexistente legitimidade constitucional, protegida pelo compagnon de route presidencial, o prémio Laranja Amarga de hoje vai para o minoritário Luís Montenegro.

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