Este novo pacote laboral, com mais de 100 medidas, prepara-se para operar um retrocesso de décadas nos direitos de quem trabalha. É um pacote que ressuscita o banco individual de horas, acabando, na prática, com o pagamento de horas extraordinárias e estendendo a jornada até às 50 horas semanais sem remuneração adicional. Permite a redução do salário, bastando que a ACT não se pronuncie em poucos dias; facilita o despedimento sem justa causa; abre a porta ao despedimento coletivo para posterior contratação de mão de obra mais barata; e aumenta a duração dos contratos a termo.
Mas não fica por aqui: ataca os direitos das trabalhadoras mães, torna possível que um jovem, por ser jovem, tenha um contrato de trabalho precário num posto de trabalho permanente apenas e só porque anteriormente tinha tido um contrato precário, limita os contratos coletivos de trabalho, o principal mecanismo de estabilidade e valorização salarial na Europa.
Antes que passes a ser obrigado a trabalhar horas extra não pagas, a teres menos tempo para ti e para os teus, a ver o teu salário reduzido ou a seres despedido sem justa causa, apesar de teres um contrato estável: faz greve, antes que o pacote te queime as mãos.
Portugal cresce acima da média europeia há quase uma década (exceto no período da pandemia), está em pleno emprego desde 2022, bate recordes anuais de criação de postos de trabalho e tem salários a subir acima da média da OCDE e da UE (apesar de continuarem a ser os mais baixos da Europa Ocidental). Até o The Economist afirma que temos um mercado de trabalho dinâmico. Afinal, qual é o objetivo deste pacote laboral? Trata-se, pura e simplesmente, de um ajuste de contas da direita com os avanços na legislação laboral das últimas décadas.
O Código do Trabalho tem um objetivo claro: equilibrar a relação, sempre desigual, entre o patronato e os trabalhadores. Quanto mais fortes forem os direitos e a legislação, maior poder negocial têm os trabalhadores para exigir melhores condições. É assim que acontece na Autoeuropa e não é por acaso. Na Alemanha, tal como na maioria dos países com economias fortes e salários altos, os sindicatos são valorizados, o contrato coletivo é a norma e o poder negocial é real. O grande objetivo de uma economia desenvolvida deve ser ter trabalhadores felizes, motivados e comprometidos.
Faz greve, antes que o pacote te queime as mãos.
Um mercado de trabalho com contratos menos precários dá segurança e bem-estar aos trabalhadores, garante previsibilidade, baixa as taxas de juro e traz maior resiliência à economia.
Um dos argumentos do governo é que um mercado de trabalho mais “flexível”, entenda-se, mais precário, aumenta a produtividade e os salários. Ora, basta analisar a realidade portuguesa e europeia para constatar precisamente o contrário. Existe, de facto, rotatividade no mercado, mas esta deve-se à procura de melhores condições e não à “rigidez” da lei. Quem está empregado e procura melhor salário não está na mesma posição de quem está desempregado. Olhando para a Europa, a conclusão é óbvia: países com maior segurança contratual e maior sindicalização têm melhores salários.
Não é a “rigidez” que explica os baixos salários em Portugal, mas sim um modelo de crescimento ancorado em setores de baixo valor acrescentado. A nossa economia especializou-se em atividades como o turismo, a restauração e a construção, que geram estruturalmente emprego precário e mal remunerado.
Num país com um número de greves dos mais baixos da Europa, esta será certamente a mobilização mais transversal de sempre no movimento sindical. Mas o impacto depende de mim e de ti: tanto ao recorrermos ao direito à greve, como na presença nas manifestações que vão ocorrer em quase todas as capitais de distrito.
Amanhã, por ti, por nós: faz greve.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.