Thomas Malthus foi um economista do séc. XIX cuja imagem histórica ficou marcada por uma previsão muito errada. Segundo ele, e apesar de ser contemporâneo da Revolução Industrial, a humanidade não conseguiria escapar a uma condição de miséria material: sempre que as condições materiais per capita aumentassem, a seguir, a população aumentaria numa proporção maior, o que ditaria a redução dessas condições materiais per capita, de volta ao ponto de partida.
O que o século XIX e, principalmente, o séc. XX demonstram foi que, à escala mundial, é possível aumentar, sustentadamente e per capita, as condições materiais de vida. De facto, Malthus não conseguiu antever que:
1. A produção, graças aos aumentos continuados da produtividade, crescesse a um ritmo superior ao aumento da população;
2. Que a humanidade inventasse a pílula anticoncepcional, que fez com que se conseguisse desligar o aumento da abundância material do aumento da taxa de natalidade.
Chegados ao século XXI, as previsões apontam para o seguinte: o PIB per capita do mundo continuará a aumentar, enquanto a população mundial atingirá um pico, após o qual deixará de crescer. Se juntarmos a isto a progressiva globalização do progresso tecnológico, que tem tirado milhões da miséria (nomeadamente na China e na Índia), podemos dizer que estamos a assistir à progressiva, mas bendita, falência da máquina de fazer miseráveis. Esta afirmação pode parecer contraditória com a existência de tantos miseráveis no mundo, que, no caso africano, se manifesta, por exemplo, nas trágicas travessias do Mediterrâneo em busca da prosperidade europeia. É também facto que se mantêm múltiplas bolsas de miséria nos países ricos. Mas a tendência será a seguinte: menos pobres absolutos, menos nascimentos. A queda da natalidade, em particular, é decisiva para este processo: se nascerem cada vez menos pessoas nas bolsas da pobreza, paramos de alimentar a fonte da miséria. Aliás, há um fenómeno de que todos falam, e do qual muitos se queixam, que é uma consequência directa desta tendência: não há gente para trabalhar!
Quando se ouve dizer que é muito difícil encontrar gente para trabalhar nas obras, nos trabalhos domésticos, na restauração ou no turismo e demais profissões mal pagas, a nossa reacção devia ser de celebração: é um sintoma de progresso. A verdade é que uma parte da humanidade está muito mal-habituada: primeiro, construíram-se impérios à custa dos escravos; depois, alimentou-se a Revolução Industrial e a globalização à custa de mão-de-obra quase escrava (muito mal paga e com péssimas condições de trabalho). Basta começarem a nascer cada vez menos pessoas nos países pobres (é ver as taxas de fertilidade de países como a China, a Índia, a Indonésia ou o Brasil) para que seja cada vez mais difícil continuar a manter a máquina produtiva graças a pessoas dispostas a fazer qualquer trabalho a qualquer preço. Obviamente que a desigualdade, as ditaduras ou a áfrica subsaariana ainda vão chegando para manter viva a máquina de fazer miseráveis. Mas a sua feliz falência nunca esteve tão perto.
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