Quis a boa sorte que apenas em dois momentos da minha vida amorosa me tenha cruzado com um tipo particular, contudo, bastante vulgar de homem ao qual a psicologia comum apelida de passivo-agressivo e que o meu senso comum chama Parvalhão. O Parvalhão começa por ser um tipo simpático e atencioso que gosta de agradar e sabe como fazê-lo. Não raro, alcançou algum estatuto monetário e acredita que, por via deste, conseguirá conquistar um determinado estatuto social através de sinais exteriores de riqueza, de saber e de seguir o que está a dar, de frequentar os restaurantes da moda, de ouvir e de comentar em cima dos opinion leaders, de ter um bólide que impressione as mulheres mais frágeis ou deslumbradas, sendo ele também um grande deslumbrado. Estes tipos são, em geral, franco-atiradores virtuais, especializados em caçar as suas presas nas redes sociais ou aplicações de encontros. Assim, um pirata do Instagram também é, ou já foi – ou diz que já foi, mas na realidade continua a ser – pirata do FB e do Tinder. Ele usa as redes sociais como base de dados lúdica, disparando com mensagens charmosas em várias direções ao mesmo tempo, acreditando que, por atacado, alguma faneca irá ficar presa na rede durante tempo suficiente, o tempo que ele precisa para a seduzir e lhe dar a volta. É claro que, a partir dos 40, só uma mulher pouco atenta, pouco inteligente ou muito carente não topa a pinta de um profissional destes, mas quem nunca fez erros de casting que atire a primeira pedra.
Já todos sabemos que os inícios são, por natureza, irresistíveis: conhecer alguém com quem simpatizamos, descobrir que gostamos das mesmas músicas e que já lemos os mesmos livros, que afinal sempre fomos aos mesmos restaurantes, embora a donzela nunca tivesse reparado no cavalheiro, provavelmente porque estava acompanhado de uma faneca qualquer, e mandam as regras do decoro e da boa educação não cruzar olhares com senhores que se apresentem acompanhados, ainda que eles o façam nas barbas de quem está com eles. Perante a triste constatação da sua invisibilidade incontornável, o aparentemente prazenteiro elemento, começa a anotar no seu fundo menos bom todos os golpes no ego que a sua nova companhia lhe desfere, na maior parte dos casos sem ser de propósito, para mais tarde se vingar.
Estou a falar daqueles tipos que não são nada de especial, nem física nem intelectualmente, e que fizeram o caminho das pedras para conseguirem ter atenção das mulheres. Geralmente são filhos de uma senhora divorciada ou viúva que apontou todo o capital afetivo para a seu rebento, insuflando-lhes o ego com exagero e sem limites, de forma a que, chegados à adolescência, choquem de frente com a realidade por não perceberem porque é que as miúdas na escola nem olham para a cara deles quando a mamã lhe diz desde os três dias que são lindos de morrer. São estes que, quando se apanham com dinheiro e/ou estatuto, fazem um pacto interno para se vingarem nas mulheres que conhecem no presente de todas as tampas que levaram no passado. Felizmente, pelo que conheço a condição humana, a maior parte dos homens não são vingativos em relação às mulheres, mas aqueles que o são, acumulam pelos que não o são.
O Parvalhão é o tipo que diz à namorada que ela precisa de trocar o verniz das unhas que estalou microscopicamente no mindinho esquerdo, que embirra por ela usar o mesmo casaco de malha em casa, ainda que seja de cachemira e acabado de comprar. É aquele que deixa cair frases do género és mais velha do que eu, mesmo que a diferença seja inferior a 18 meses, que se começa a rir quando uma pessoa conta um azar, um furo, uma multa, um trambolhão na avenida. Um Parvalhão é um tipo que, parecendo educado e agradável, não se coíbe de fazer comentários maldosos sobre pessoas que nem sequer conhece, apenas para se fazer interessante. Até pode ter uma personalidade viva e algo cativante, mas tem mau fundo e um caráter que deixa muito a desejar.
Convém não confundir caráter com personalidade. Eça de Queiroz dizia que o caráter está no coração. Não consta que o seu fosse grande, porém, enquanto escritor, não lhe faltava inteligência para ler com mestria a condição humana. O primo Basílio foi o expoente máximo do parvalhão intemporal e universal que, infelizmente, não foi nem nunca será dado como extinto. À rapaziada simpática, bem-intencionada e querida que acredito ser predominante na nossa sociedade, faço aqui uma ressalva: vocês, os bons rapazes, que podem meter os pés pelas mãos e ser trapalhões com o sexo oposto, quase sempre por falta de jeito, não estão incluídos nesta subespécie da qual também fazem parte as Parvalhonas. Um trapalhão pode errar, mas tem bom coração, um Parvalhão não.
Quanto às mulheres solteiras, divorciadas, viúvas ou enjeitadas, que acreditam que o Pai Natal não só existe, como está nas redes sociais, recomendo a vossa atenção redobrada para o Parvalhão. Em caso de dúvida, a melhor solução é ignorar. Estes tipos não têm qualquer margem útil, a não ser para tema de crónicas, ou de literatura. São gente para ver de longe, ao largo, da outra margem da vida.