“Sabes que começou no A”, cantava Ana Malhoa na SIC, nos meus tempos de escola. A apresentadora tentava ensinar-nos português, embora o título do programa nos induzisse em erro, já que Buereré não vinha (nem vem) no dicionário. Também no A começou a mais recente controvérsia na comunidade académica. Mais precisamente no ABCLGBTQIA+, campanha de sensibilização da ILGA que levou Paulo Lopes, professor da Universidade de Aveiro, a sair do armário, para se assumir como orgulhoso homofóbico.
Confesso que nem sou a maior fã desta campanha que, segundo os seus autores, “disponibiliza a todes o significado de 37 palavras”. Só não disponibiliza, até ver, o significado de “todes”. Mas num dos cartazes pode ler-se que “em Portugal há dois sistemas não oficiais de pronomes neutros: elu ou ile.” Ora, como pessoa que ainda está a chorar os cês mudos que o acordo ortográfico nos roubou, fico com uma certa urticária só de imaginar os meus filhos a aprender a frase “elu tem uma coleção de carrxs lindes e vamos todes lá a casa ver”. Chamem-me antiquada, ou antiquade, mas creio que isto pode confundir os estudantes mais novos e deitar por terra o trabalho árduo, de tantos anos, da stôra Ana Malhoa. Agora, se me disserem que esta campanha serve para detectar gente como o pedagogo Paulo Lopes, sinto que já cumpriu o seu propósito.
O docente escreveu no Facebook coisas como “sei bem o que faria a essa gentalha degenerada, mas não posso dizer aqui”, embora na verdade possa, já que de seguida pormenoriza bastante: “uma inquisição que limpe este lixo humano todo”. Eis um professor de Física que não acredita na lei da atracção universal: homens não podem sentir-se atraídos por homens, nem mulheres por mulheres. O catedrático disse ainda que a ideologia de género “floresce nas mentes doentias de uma minoria” e “está associada a pessoas mentalmente perturbadas”. E isto podia ser só mais uma boçalidade escrita no Facebook (rede social criada para esse efeito), mas quando questionado por jornalistas, Paulo Lopes reiterou: “Essa gente que faz parte dessa associação terrorista que está a ser publicitada largamente em Portugal, as associações dos LGBTs + pedófilos + assassinos em série.” Creio que esta declaração é prova suficiente de que o professor não está mentalmente são, o que constitui um perigo, não só para os alunos, mas sobretudo para o próprio que, nestas condições de desequilíbrio psicológico, pode dar por si a aderir a uma dessas organizações terroristas LGBT. Seria triste, o homem que chama por “Putin, o Grande” para pôr estes “tramposos nos eixos”, tornar-se líder de uma daquelas células que planeiam atentados em larga escala, com explosões de purpurinas na marcha do orgulho gay. Fala-se pouco desta ameaça à paz social: cidadãos não-binários que invadem o nosso país para espalhar o terror. Por essas e por outras é que devia haver controlo de fronteiras. Homens com calções de ganga curtos, a ouvir Anitta, eram logo parados para interrogatório.
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