O que em 2004 começou por ser uma rede janota para engates numa universidade repleta de jovens com as hormonas em fúria tornou-se na mais dura e universal das drogas. É hoje um dado adquirido pela comunidade científica que o Facebook, ao actuar directamente no sistema nervoso central, é susceptível de provocar um vício igual ou superior ao que é causado por estupefacientes “clássicos” como a heroína ou a cocaína. A rede de Zuckerberg tomou conta da cabeça humana. Não satisfeita, engoliu a economia. E, sabemos agora através do escândalo da Cambridge Analytica, está a triturar a democracia.
Comecemos pela cabeça. O objectivo do Facebook é provocar a ausência de pensamento. Através da manipulação de misteriosos algoritmos que os seus técnicos alteram diariamente por questões de segurança, é hoje possível formatar a informação que chega ao feed do utilizador em função daquilo que são as suas crenças, hábitos e relações, promovendo-se a absoluta falta de curiosidade e renúncia ao desejo de ver, de ler e de experimentar coisas novas, abrindo assim uma auto-estrada com muitas faixas para, aproveitando a passividade do utilizador, impor-lhe ideias e produtos pré-formatados com o único objectivo de acrescentar mais zeros na conta bancária de Zuckerberg.
Dinheiro, portanto. É disso e só disso que falamos quando falamos de gigantes da internet. Estudos realizados concluíram que o que o Facebook e a Google facturam é tanto que não lhes é possível reinjectar esse dinheiro na economia, por esta não ter capacidade de resposta – nomeadamente ao nível de recursos humanos qualificados – para encaixar tamanho bolo financeiro. A este facto não é estranha a circunstância de as tecnológicas ocuparem há muito, há demasiado tempo, uma espécie de terra de ninguém, em que conceitos como os impostos, a concorrência ou a propriedade intelectual têm sido encarados pelos governos ocidentais com a leveza e a superficialidade com que uma senhora reage a um piropo lançado de um andaime: finge-se que não se ouve e segue-se em frente.
Ao beneficiar da complacência de indivíduos e instituições, o Facebook constituiu-se como plataforma de sonho para a propagação descontrolada – e gratuita – de informação, arruinando os alicerces do raciocínio individual e colectivo e, ao estrangular a imprensa tradicional, danificando gravemente a saúde da democracia como a conhecemos. Sem imprensa forte, não há democracias saudáveis – e para que a imprensa tenha arcaboiço financeiro é preciso, por exemplo, que o Facebook e a Google percam o quase monopólio da publicidade online: juntos facturam cerca de 80% do investimento mundial. Ironia das ironias: boa parte dessas receitas são obtidas em função do tráfego que lhes proporciona a disseminação gratuita das notícias produzidas pela imprensa tradicional…
Esta perversão, que agora atingiu novos patamares com a confirmação (os indícios eram numerosos há muito tempo) de que a plataforma tem sido utilizada para condicionar resultados de eleições e referendos, não pode deixar o mundo indiferente. Desiluda-se quem acredita que estamos perante um piropo de ocasião: ao manipular consciências de forma despudorada e massiva, o Facebook está a estupidificar a humanidade e, com isso, a criar um vazio apetecível para parasitas do pensamento. A menos que sejam tomadas medidas radicais, rapidamente teremos um mundo em que o ódio, a manipulação e a intolerância serão de tal forma presentes nas nossas vidas que dificilmente haverá uma droga, por mais dura que seja, que nos consiga fazer alienar das suas consequências.