Situada a 4 000 quilómetros a leste de Nova Iorque e a 1500 quilómetros a oeste de Lisboa, a Base das Lajes foi desde 1943 um dos principais centros de comando de unidades aéreas e navais do Atlântico Norte, sobretudo após a criação da NATO nos anos mais conturbados da guerra fria. Para o abastecimento de aeronaves e navios os Estados Unidos construíram na ilha Terceira um porto na baía da Praia da Vitória e instalaram nas imediações da base e no interior da ilha um complexo sistema de transporte e de armazenamento de combustíveis que incluiu oleodutos, estações de bombagem e dezenas de reservatórios superficiais e subterrâneos.
Portugal aceitou, a troco de contrapartidas diplomáticas, necessárias para manter o império colonial, e militares, garantindo a sua própria segurança e a da Europa Ocidental. Tudo without any rental provision.
O fim da guerra fria e o desenvolvimento de novas tecnologias de reabastecimento de aeronaves foram aos poucos tornando as Lajes dispensáveis, reduzindo-se de ano para ano o número de militares. As pistas começaram a ficar desertas, os alojamentos esvaziaram, o bulício dos aviões desapareceu e despediram-se trabalhadores. Os oleodutos e reservatórios começaram a degradar-se a olhos vistos, originando fugas invisíveis de combustível. O passivo ambiental, até então escondido nas profundezas do terreno, acabou por aflorar, escancarando portas a jornalistas, políticos e outros, na sua maioria oportunistas.
A desconfiança instalou-se, os títulos jornalísticos bombardearam e chamaram-se órgãos de comunicação nacionais e estrangeiros, numa tentativa de ampliar um problema que não tem de todo essa pretensa dimensão catastrófica.
Estará a água das torneiras contaminada e imprópria para ser bebida? Relatórios feitos por entidades portuguesas e americanas, baseados em mais de 6 000 análises em laboratórios certificados, dizem unanimemente que não. Todavia, contrariando as evidências, há quem insista que sim, o que é inacreditável, só podendo assentar essa posição numa leitura distorcida dos factos. E de facto tudo serviu: baralharam-se captações, confundiram-se sistemas de abastecimento e inventaram-se, dia sim dia não, substâncias poluentes. Até a heterogeneidade colorida dos solos vulcânicos, matizada em camadas horizontais pela energia das erupções, foi fonte de especulação, ao resultar do derrame generalizado de gasolina de avião!
Teria o interior da ilha Terceira sido palco de acidentes nucleares que deixaram queimado o topo do Pico Careca? Os relatórios, feitos por laboratórios certificados e baseados em medições no terreno, dizem categoricamente que não, assegurando que os valores de radiação encontrados são compatíveis com fallout dos testes nucleares do século XX e com o dos desastres de Fukoshima e de Chernobil. Contudo, chegou-se a afirmar publicamente que as radiações no interior da ilha eram superiores à zona de exclusão de Chernobil! Com base em quê? Em medições efetuadas por um “aparelhómetro” alegadamente adquirido numa feira de tralha americana, obsoleto e comprovadamente descalibrado.
O modus operandi de quantos estão a fazer crer que a Terceira tem um problema grave de poluição assumiu sempre contornos burlescos, assentando numa interpretação duvidosa das evidências, mas também na esquiva ao debate entre pares, e, à revelia das tematizações científicas de Popper, atuou-se para justificar conclusões e não para validar hipóteses.
Toda a polémica gerada sobre a presumível contaminação hidrológica e radioativa da ilha Terceira continua a apresentar contornos peculiares, pela ausência de provas contundentes, pela estupefação da comunidade científica nacional e, sobretudo, pela forma fluida como é propalada em certa comunicação social. Quem a alimenta não o fará por ignorância, por demagogia ou eventualmente por razões político-partidárias de contornos inconfessáveis?
Fazer crer que a Terceira está imbuída de radiações e que a água que se bebe está contaminada, que o que se produz na ilha não tem qualidade e que as visitas turísticas comportam riscos, sem provas sustentáveis na mão, é dar tiros seguidos nos pés, que os terceirenses e os açorianos, com a sua bonomia e tolerância, têm aguentado. Parafraseando Cícero, Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?)