O grupo era coeso e proporcionava grandes espetáculos. Usava um trampolim que tinha em si toda elasticidade e resistência necessários para proporcionar grandes coreografias, encantando todos, desde o público ao proprietário do trampolim, que naturalmente se deliciava com o retorno do sucesso dos ginastas.
Como grupo era homogéneo e unido, para quem apenas o espetáculo interessava, o capitão não se destacava no desenrolar do espetáculo, o trampolim impulsionava todos como apenas de um se tratasse, dando corpo à Lei de Hooke – “a extensão de uma haste elástica é linear e proporcional à tensão e à força utilizada para esticá-la.”
Com o tempo, os atletas que ambicionavam o estrelato na ginástica individual, com a sede de encontrar um bom trampolim para a projeção do seu talento… integraram o grupo unido e treinaram intensa e diariamente, evitando deficientes impulsos e as más receções, precavendo, sobretudo, lesões resultantes de quedas.
O proprietário, vidrado no vil metal, descorou o estado do trampolim que, com a erosão do tempo, se foi degradando, foi ficando com as molas pasmadas e com a lona descolorida e esgaçada.
Com isso, a homogeneidade dos atletas foi-se desvanecendo, os atletas ficaram sem condições para evoluir, levando muitos à angústia psicológica própria de quem um dia sonhou, mas a quem a sorte não sorriu. A qualidade dos espetáculos, naturalmente, começou a diminuir, os espetadores começaram a ficar descontentes e os comentadores e jornaleiros de trazer por casa, rapidamente começaram a apontar o dedo às hipotéticas e inúmeras causas esquecendo os reais causadores.
Os “capitães”, evidenciando-se naturalmente nas condições adversas, foram mantendo o grupo à tona, num naufrágio já anunciado. De tempo em tempo, os atletas com ambições individuais, acima das coletivas, chegavam a “capitães” e, sem pudores com as quedas dos colegas mais franzinos, com o patrocínio do proprietário, cego pelas ovações e delírios pontuais do público com alguns saltos de cartilha, foram-se catapultando para os holofotes da ribalta, alguns para além-fronteiras, levando com eles os amigos atletas que, não tendo brilhando tanto, sempre ajudaram a dar alguma cor ao espetáculo.
Os restantes atletas, entre o atónito e o pasmado, como as molas do trampolim, sempre iam dizendo que as condições não eram as propícias para a evolução física e psicológica e que preferiam ser palhaços ou bobos da corte, ajustando defensivamente o seu processamento neuronal para encaixar as risadas e críticas públicas.
Mas a sua condição humana impelia-os a decidir e, de alguma forma, iam abandonando aos poucos a ginástica ou, psicologicamente destruídos, iam fincando porque o proprietário, articulado com os “capitães”, sempre lhes foram oferecendo o lanche, por vezes novas sabrinas, chegando mesmo a pintar as paredes do pavilhão com uma cor mais esperançosa, porque, interesseiros, bem sabiam que tinham que ter alguém para arrumar o trampolim no fim dos treinos e espetáculos, trampolim esse que tantas alegrias e boas recordações lhes deixara.
Entre os que saíam e os sucumbidos, e perante o estado a que o trampolim tinha chegado, os potenciais atletas existentes no público, bons observadores que eram, na sua maioria, não se sentiam atraídos por integrar a equipa de ginástica pois o trampolim já só catapultava alguns e o proprietário, dotado de senso de superioridade, apenas isso, não via o óbvio, o trampolim precisava de investimento, só assim poderia permitir que todos os atletas voltassem a saltar vigorosamente e que o grupo voltasse a ser verdadeiramente uma equipa, reconquistando o brilho imenso como tivera outrora.
Mas como quem não vê o óbvio não vê patavina, os atletas foram envelhecendo, as molas enferrujaram e perderam a força, a lona do trampolim rasgou-se, e o trampolim foi arrecadado terminando os espetáculos, hoje tudo não passa de sonhos e recordações.
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