A forma como Portugal se relaciona com o mundo tem impacto direto em todos os assuntos domésticos – desde a qualidade do serviço nacional de saúde à moldura tributária. Mas a política externa tem sido, mais uma vez, negligenciada no dia-a-dia da campanha eleitoral. Sobram os programas eleitorais. Sem condicionamentos partidários, avaliei a seção de política externa nos programas do PS e PSD/CDS-PP, de acordo com dois critérios: viabilidade (qual a solidez do que é proposto? São políticas exequíveis ou apenas especulativas?) e originalidade (programa está sintonizado com tendências internacionais e revelam uma visão de futuro?). As notas variam entre 0 e 20.
O PS recebeu 13 como média final. O ponto mais fraco foi a sua originalidade, com 12 pontos. O partido seguiu o mínimo denominador comum e deu prioridade apenas ao óbvio: Europa, lusofonia e diáspora. Objetivos como “promover uma CPLP mais forte e com uma maior importância diplomática e prática” são repetidos monocordicamente eleição após eleição, sem que seja feito algo relevante nos hiatos de governação. Baixa criatividade. O programa melhora na sua viabilidade, com um conjunto de ideias claras e detalhadas. Mas algumas delas são puramente teóricas, como a criação de um “espaço económico da Língua Portuguesa”, “do estatuto da empresa do espaço de Língua Portuguesa” ou de “serviços públicos comuns” a todos os países lusófonos. No Brasil, onde a maioria das pessoas, incluindo a classe política, nem conhece o significado da palavra “lusófono”, alguns trechos do programa do PS parecem mais um guião para comemorar os 500 anos da Utopia de Thomas More. Há também alguns erros. O programa afirma que Portugal deve trabalhar pela “prossecução e consolidação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio” (ODM). No dia das eleições, os ODM já não existirão. Leva 14 no quesito da viabilidade.
O PSD/CDS-PP recebeu 12 como média final. O programa é menos detalhado e extenso, mas acaba por ser um pouco mais original, comparando com o programa socialista, ao inserir novas dimensões à ação externa, como a atlântica e novos temas como a segurança energética. Ainda assim, leva apenas 13 neste critério. A coligação perde, por exemplo, uma oportunidade de ouro para propor a reforma do MNE, uma instituição cara e burocrática, cujas políticas e estrutura orgânica estão desfasadas das novas tendências globais. Hoje, a atuação externa de um país é feita por todos os ministérios e, na maioria das vezes, por não-diplomatas. É feita com tecnologia e com mensuração quantitativa de resultados. O nosso MNE opera como há 50 anos, querendo ser rei de um reino sem cidadãos. E o que pensa o PSD/CDS-PP sobre temas como paradiplomacia, softpower, diplomacia científica, diplomacia da saúde, diplomacia ambiental? No critério da viabilidade, o programa da coligação merece 11. Mais genérico e com menos propostas concretas do que o do PS, o documento defende, por exemplo, “a valorização do papel das organizações internacionais”. Ótimo, mas como, quais organizações, com que recursos?
Hoje a política externa, conduzida pelo MNE, tornou-se um fim em si mesmo, muitas vezes isolada das necessidades portuguesas. A atuação internacional deveria representar, simplesmente, a externalização das políticas domésticas e da identidade de um país. Tem que ser um instrumento ao serviço de todo o governo, trazendo resultados práticos que melhorem a qualidade de vida dos portugueses. A política externa tem que se humanizar.