Do código morse para o WhatsApp. A nossa sociedade desenvolveu-se de forma mais pronunciada nos últimos 50 anos do que nos 150 anteriores. Mas ainda hoje existem alguns reservatórios esquecidos de antiguidade que alertam-nos para a incompletude da nossa evolução. Porque ainda existem jardins zoológicos? Os primeiros da era moderna, em Viena (1752), Paris (1793) e Londres (1828), eram centros simbólicos de domínio – do homem perante o animal, do civilizado diante do exótico, do império defronte da colónia. O Zoo de Lisboa, inaugurado em 1884, foi incentivado pelo rei D. Luís I e teve as suas jaulas e gaiolas povoadas de animais trazidos do Brasil e das possessões africanas. No século seguinte, os jardins zoológicos modernizaram-se e higienizaram-se. Tornaram-se menos antropocêntricos. Mas a pergunta permanece, “porque ainda hoje existem jardins zoológicos?”
Um argumento indica que os zoos são espaços de conservação animal. Espécies em risco no seu habitat natural encontrariam nos zoos condições protegidas para a sua sobrevivência. Por curiosidade, entrei na base de dados de publicações científicas da Universidade de Harvard e encontrei pelo menos 40 estudos que demonstram o impacto nocivo que a clausura tem para um animal, principalmente aqueles que estão habituados a percorrer longas distâncias, como felinos, baleias ou ursos. Por essa razão, o parlamento da Califórnia prepara-se para levar a votação uma lei que impede parques aquáticos de possuir cetáceos em cativeiro. Certamente o inventário de espécies que foram salvas em zoológicos é extensa, mas não teria sido possível obter os mesmo resultados em espaços de conservação a céu aberto (como santuários ou reservas naturais) ou em centros de refúgio e reprodução assistida, que cuidam de animais antes da sua libertação? Paradigmaticamente, o plano meticuloso dos governos de Espanha e Portugal para salvar da extinção o lince ibérico inclui centros de reprodução assistida e monitorização em espaço natural, mas não jardins zoológicos.
O outro argumento destaca que o contacto entre pessoas (principalmente ?crianças) e animais ?potencia a familiaridade ?e o respeito. Temos mais tendência a dignificar ?quem e o que conhecemos. ?É verdade. Mas será que no século XXI ainda precisamos de construir zoos para ingressarmos no mundo animal? Com a internet, cinema IMAX e TV, qualquer criança tem acesso a imagens e informações sobre qualquer espécie. Até ao final desta década, óculos de realidade virtual (como o Rift, da Oculus, ou o Project Morpheus, da Sony) serão um eletrodoméstico tão popular como os tablets. ?O meu filho já visitou zoos em diversos países. ?O entretenimento foi quase sempre forçado por mim, que obriguei-o a reviver o prazer que testemunhei na minha infância. Mas hoje, se ele quiser conhecer com detalhe científico qualquer espécie do planeta, poderá fazê-lo do seu quarto. Com o tempo acabei por mudar de opinião. Prefiro que ele conheça a fauna do planeta em estado natural por intermédio da tecnologia do que em cativeiro através do contacto pessoal. Animais não precisam de ser aprisionados para estimular a sua curiosidade infantil.
Em vez do Jardim Zoológico de Lisboa, poderíamos ter um parque natural de 16 hectares no centro de Lisboa. Em 2013, a Costa Rica anunciou a intenção de extinguir todos os jardins zoológicos do país. Portugal, que em anos recentes até tem conseguido veicular internacionalmente uma imagem de modernidade social, poderia seguir o mesmo caminho.