Quando o meu avô nasceu, no início do século passado, na Beira Baixa, demoravam-se seis dias para chegar a cavalo à sede do poder, Lisboa. Sem sair do mesmo lugar, hoje vive numa região inovadora que está a poucas horas de influentes eixos económicos em Portugal e em Espanha, mas ele ainda acha que as rédeas do poder continuam distantes. Em parte tem razão. Apesar da Europa ter sido varrida por uma onda descentralizadora, iniciada na década de 90, Portugal mantém-se rigidamente centralizado. Mas há algo que o meu avô desconhece. Sopram novos ventos de inovação política e de criatividade administrativa – cidades e regiões autónomas portuguesas começam discretamente a adotar as suas políticas externas.
O melhor exemplo vem dos Açores. Com um milhão de descendentes espalhados pelo mundo e com necessidades próprias que resultam da sua insularidade, o arquipélago decidiu internacionalizar-se. O programa de governo do presidente Vasco Cordeiro, de 2012, contém 13 páginas sobre relações externas. O arquipélago é membro ativo de 11 organizações internacionais, assina regularmente acordos com estados estrangeiros que acolhem descendentes de açorianos e conta com os seus próprios representantes no estrangeiro, seja através de um conselheiro regional em Bruxelas seja através das 14 Casas dos Açores – que, mais do que pontos de romaria nos domingos à tarde, tornaram-se centros de atração de investimentos. Para prestar apoio logístico aos seus conterrâneos, os Açores dispõem de postos da Rede Integrada de Apoio ao Cidadão (RIAC) em Toronto e em Massachusetts. Os RIAC’s são uma espécie de lojas do cidadão açorianas. O governo regional presta também apoio financeiro a instituições que assistem açorianos carentes nos EUA e Canadá e financiam a única escola de português nas Bermudas. Outra frente em que os Açores têm mostrado liderança diz respeito à União Europeia. Existe um canal direto entre Ponta Delgada e Bruxelas que não passa por Lisboa. O arquipélago tem grande autonomia na negociação de fundos comunitários. Discretamente, os Açores também se envolvem em assuntos de defesa. Quando os EUA anunciaram em 2012 a redução do seu contingente na Base das Lajes, a capacidade internacional do arquipélago foi testada. Sem as ferramentas de um governo nacional, os Açores usaram outros soldados: congressistas americanos de ascendência açoriana. Ainda que o plano inicial dos EUA vá adiante, durante dois anos o governo regional, alinhado com a sua diáspora e com o MNE, conseguiu que o Congresso americano adiasse a decisão.
As cidades e as regiões vão ser espaços privilegiados de governança. Mais de metade da população do planeta já vive em cidades. Como indica o mais recente relatório sobre competitividade de cidades do Fórum Económico Mundial, elas são os novos motores de crescimento, sendo responsáveis por 80 por cento do PIB global. Centenas de governos subnacionais já exercem relações internacionais com maturidade e autoridade.
É a nível local que a pulsação da cidadania é medida.
Respeitando as leis nacionais e a cordialidade institucional, as cidades e regiões portuguesas precisam de globalizar-se para serem mais competitivas. O objetivo não passa pela apropriação das competências diplomáticas do poder central, mas pela internacionalização das competências municipais ou regionais, como gerir transportes públicos, meio ambiente e cultura. Quantos autarcas portugueses estão esta semana em Davos?