No dia 18 de setembro, a Escócia vai decidir se quer ser independente ou permanecer como parte do Reino Unido. À distância, parece ser mais um capítulo de uma luta nacionalista no mesmo livro que também retrata o Québec, a Catalunha, o País Basco ou a Flandres. No preâmbulo, estaria escrito que todos os grupos com uma nacionalidade própria deveriam ter um governo próprio. Porém, ainda que a Escócia tenha uma identidade específica com língua própria (gaélico escocês), heróis nacionais (William Wallace ou Robert the Bruce) e uma história de enfrentamento aos ingleses (batalha da Ponte de Stirling, de 1297 ou batalha de Bannockburn, de 1314) a discussão em torno do referendo tem sido motivada menos pelo nacionalismo e mais pela necessidade da governação local. É por isso que o referendo poderá revelar um novo caminho.
Uma população mais educada e informada é politicamente mais exigente. Seja no Brasil, na Turquia ou na Escócia, seja em Portugal, a população tem vindo a demandar maior proximidade com o poder político e melhor qualidade dos serviços públicos. Vivemos uma reedição do contrato social de Rousseau. O Estado torna-se mais funcional e administrativo do que político.
No futuro, a relação entre provedor e contribuinte tornar-se-á consanguínea, com mais reivindicação e menos reverência. A impassibilidade política começará a ser reprovada socialmente e o empreendedorismo social não se esgotará nos partidos políticos. A tecnologia estimulará o protagonismo político de cada indivíduo e haverá um pequeno Locke ou Marx esbravejando dentro de cada um de nós.
Esta proximidade entre Estado e população é mais difícil de se concretizar em países grandes. Por mais eficaz que seja um sistema federal ou um modelo administrativo, a grandeza territorial gera isolamentos e desconhecimentos.
E esses buracos vazios são muitas vezes ocupados pelo autoritarismo e pela corrupção (China ou Rússia) ou atrapalham a provisão de serviços públicos de qualidade (Brasil). Países pequenos não têm que ser pequenos países. Como demonstrou estatisticamente o meu colega Jeffrey Frankel, da Universidade de Harvard, existe uma correlação forte entre riqueza per capita, inovação pública e países de população reduzida (abaixo de 15 milhões de habitantes).
Ao olhar para o referendo na Escócia, Portugal tem que se sentir privilegiado.
Com apenas 11 milhões de habitantes, o nosso país poderá ambicionar ser um exemplo de um novo tipo de governação. Ainda que muito já tenha sido feito para agilizar procedimentos, diminuir burocracias, melhorar a qualidade da nossa política profissional, descentralizar serviços, democratizar a educação de qualidade, ainda temos uma escalada himalaica à nossa frente. Só chegaremos ao topo da montanha quando cada português não sentir que o exercício da sua cidadania é prejudicado pelo lugar onde habita, por mais remoto que seja. Viver em Lisboa ou na aldeia dos meus avós, na Beira Baixa, será sempre uma experiência contrastante. Mas o meu avô quase centenário e todas as pessoas que vivem na sua aldeia terão de sentir que a sua cidadania é vivenciada plenamente, sendo provedores e providos com a mesma intensidade e independentemente dos 300 km que os distanciam da capital do País.
A política externa portuguesa oferece um indicador do que poderá ser este novo país, ao mesmo tempo descentralizado e coeso. Ainda que a maioria de nós o desconheça, atualmente alguns governos locais portugueses já atuam internacionalmente.
Lisboa, Porto, Madeira ou os Açores têm gestores de relações internacionais, assinam acordos com governos estrangeiros, participam em fóruns multilaterais ou são membros de organizações internacionais (a Madeira, por exemplo, é membro da Organização Mundial de Turismo, uma agência da ONU). Governos locais têm interesses específicos que só eles podem defender globalmente. Esta descentralização, se mantido o elo com o todo, beneficia os portugueses. Viver num país de dimensões reduzidas beneficia os portugueses.
Só temos que aproveitar os nossos desígnios.