A esmagadora maioria dos portugueses não votou nas eleições de domingo por entender que, manifestamente, votar não tem resolvido qualquer problema. Mais, votar tem significado, na prática, dar força a partidos políticos que, depois, fazem o contrário do que prometeram aos eleitores, acabando o voto popular por ser utilizado para caucionar programas escondidos e pactuar com a total falta de respeito pela vontade dos eleitores. E se nas questões internas já basta o que basta, no que à Europa diz respeito o divórcio entre cidadãos e políticos atingiu o paroxismo. Como ainda agora se viu nestas eleições em que a esmagadora maioria dos candidatos tudo fez para esconder do eleitorado aspetos decisivos e inovadores desta eleição como os poderes acrescidos do Parlamento Europeu, a influência mais direta dos cidadãos na escolha do presidente da Comissão e o que isso pode significar no escrutínio futuro das políticas e da ação concreta dos atores políticos da União. Ou seja, como se já não bastasse a soberba e a irresponsabilidade dos burocratas e da elite instalada nos gabinetes convenientemente insonorizados de Bruxelas, para minar ainda mais a confiança dos europeus nas suas instituições, eis que, mais uma vez, a mediocridade caseira prevaleceu sobre o esclarecimento do que realmente está em causa. Resultado: uma abstenção brutal de mais de 66 por cento. Dois em cada três portugueses não quiseram participar. Mas não culpem o povo, culpem os políticos! Como foi alcançada a paz social na Europa após a Segunda Guerra Mundial? Simplificando, pelo ideal de bem-estar, pela distribuição mais justa da riqueza produzida, pela arquitetura equilibrada dos direitos e deveres dos cidadãos, em suma, pela adoção da democracia política, o sistema imperfeito mais perfeito de todos, sobretudo quando a divisão, fiscalização e equilíbrio dos vários poderes efetivamente funcionam. Ora é tudo isto que está em causa. O sistema democrático está desequilibrado, há poderes não fiscalizados e não eleitos a corroerem a confiança dos cidadãos na justiça das decisões que os afetam. Há poderes sufragados cuja ação insiste em trair a relação estabelecida entre o eleito e o eleitor que lhe entrega o voto. E o resultado desta crescente perversão da democracia são os milhões de desempregados, a concentração brutal da riqueza e o consequente crescimento das desigualdades sociais, que acabam por gerar revolta e autoexclusão. Quem se sente rejeitado e vítima do sistema não tem vontade de colaborar com ele, de lhe dar força, de lhe conferir crédito.
Há por aí muita carpideira a verter lágrimas de crocodilo pela apatia do povo e a propor medidas para obrigar a ida às urnas. Não falo das vozes que genuinamente se preocupam com uma abstenção que, a acrescentar à austeridade e ao descrédito dos políticos, ajuda a fragilizar perigosamente a democracia. Refiro-me a tantos dirigentes políticos com culpa no cartório, que, depois, tentam desculpar resultados próprios com a ausência dos eleitores. Fracas figuras! O problema é que, mais do que divorciar-se dos políticos, os cidadãos estão a divorciar-se da política e isso é o mais grave.
PS: António Costa anunciou a sua disponibilidade para disputar a liderança do PS. É uma boa notícia. O maior partido da oposição precisa de clarificar o seu caminho, o seu projeto e a sua política de alianças. Depois da “derrota histórica” de domingo, esta deve ter sido a pior notícia possível para a dupla Pedro&Paulo.