O momento em que o canto lírico encontra a intimidade de um poema de amor. Assim se poderia definir a canção erudita, celebrada este ano, pela primeira vez, num festival exclusivamente a ela dedicado.
A 1ª edição do Liedfest, produzido pela Ópera do Castelo, decorre de 16 de janeiro a 2 de fevereiro, no Teatro Variedades, e quer devolver o género musical aos novos públicos.
De onde surgiu a ideia de criar este festival?
A vontade de criar um Festival da Canção Erudita vem da necessidade muito básica de trazer este repertório riquíssimo para a ordem do dia e divulgá-lo junto das novas gerações de público e intérpretes, após o progressivo desaparecimento dos recitais das programações das grandes salas de concertos, não só em Portugal, mas pelo Mundo fora
Porquê Liedfest?
Lied quer dizer canção em alemão. Liedfest, porque a canção erudita estabeleceu-se em pleno romantismo alemão e o seu grande pai acabou por ser Franz Schubert, que, em apenas 31 anos de vida, escreveu mais de 600 canções a partir da grande poesia do seu tempo, como a de Goeth e de Aschendorf.
Há uma grande diferença entre este Lied e a Ópera?
A Ópera é o grande formato, os grandes amores, as grandes mortes, as grandes tragédias, os grandes heróis e heroínas, as grandes massas orquestrais, as vozes enormes que passam por cima dessas massas e as grandes salas. O Lied é o oposto, é a outra face do canto lírico, o pequeno formato íntimo da confissão, da subtileza, da melancolia, da tristeza, muito ligado à poesia e, portanto, a estados de alma, que também podem ser de alegria ou júbilo.
O programa tem em conta as pessoas que talvez ainda não estejam familiarizadas com este universo?
Claro. Além de querer revitalizar a canção erudita e divulgá-la junto de novos públicos, o festival quer explorar mais o seu lado cénico. Todos os recitais vão ter desenho de luz, que acompanha a própria trajetória emocional das canções, e legendagem projetada, em português e inglês, havendo muito mais envolvência do público com o que está a acontecer no palco. Teremos também novos formatos de recitais, que se cruzam com a dança e o teatro.
Que outras propostas podemos esperar?
Teremos mais dois recitais encenados: Cinco formas de morrer de amor, recital em torno da expiação feminina e da morte por amor, e Brincadeiras Líricas, para os mais novos, no qual vou estar em palco com o Francisco Sassetti e serão cantadas canções de compositores como Schubert, Brahms, Fauré, Lopes Graça ou Poulenc. Depois, há três recitais temáticos, uma conferência com Maria Filomena Molder e João Barrento, e uma masterclass com a mezzo-soprano Cátia Moreso.
De que forma é que o festival pode ajudar a desconstruir preconceitos que ainda existam em relação à canção erudita?
Acho que uma canção é sempre uma canção. Mesmo que seja erudita. Estas são canções que falam de nós nas nossas alegrias e tristezas, com uma música que é fora do habitual, mas que nos transporta para um universo onde o tempo se suspende, um mundo de fantasia. A canção erudita a nível de riqueza é um mar sem fim.