Amoras e Framboesas é o novo disco de Maria João, desta vez com a Orquestra Jazz de Matosinhos, big band de actividade frenética, que ainda recentemente editou um disco em colaboração com o guitarrista Kurt Rosenwinkel. Agora, o ambiente é outro, feito de surpresa, festa e irreverência. Maria João alterna standards de jazz como Skylark e Surrey with the fringe on top com músicas suas a meias com Mário Laginha e canções da música popular brasileira compostas por Tom Jobim, Baden Powell ou Chico Buarque. Os arranjos são, na maioria, de Pedro Guedes e Carlos Azevedo, ambos da direção da orquestra. Além da big band, há também alguma eletrónica. Concerto agendado para 12 de maio, no Festival Jazz de Matosinhos. O JL à conversa com a cantora gulosa e “cheia de música”.
Como é que surgiu esta colaboração com a Orquesrtra de Jazz de Matosinhos?
Na sequência de um convite da Orquestra Jazz de Matosinhos (OJM) para fazer um concerto com eles em dezembro de 2009 e correu tão bem, a música estava tão bestial que achámos que não devia ficar por ali, que era um desperdício, podíamos continuar a fazer música juntos e daí pensámos em fazer um disco, gravar para depois poder tocar ao vivo.
O disco tem canções originais da Maria João com Mário Laginha, música brasileira e também standards de jazz. Quem fez as escolhas dos temas?
A escolha foi feita por mim e pelo Pedro Guedes (da OJM) e nós pensámos em fazer música em standards de jazz e da música brasileira e até se pode dizer que os nossos standards, os meus com o Mário, alguns deles que eu quis ir buscar porque achei que alguns estavam para lá perdidos como o Torrente, que nunca tinha sido tocado ao vivo. A ideia era pegar em música já feita e dar-lhe uma volta.
Não é a primeira vez que colabora com uma orquestra. O que é que foi diferente desta vez?
Foi um trabalho mais continuado, fazer o disco… Eles são fantásticos, são músicos muito dedicados, muito talentosos, é tudo muito boa gente, é muito fácil trabalhar com eles. E é a primeira vez que eu faço verdadeiramente um disco com uma big band, apesar de já ter trabalhado com outras, sim. Foi uma altura feliz.
Qual é a diferença de ser acompanhada por uma orquestra ou por um trio ou um piano?
É uma diferença tímbrica, para já, há mais timbres no palco, há mais cores. O que é preciso fazer é uma boa gestão do espaço, eu não tenho tanta liberdade de improvisação, é mais estático, segue muito o formato canção e não permite tanta invenção. É pegar numa música e dar-lhe mesmo a volta e fazer uma outra coisa.
Não é mais difícil fazer-se ouvir?
Claro que é! É o ensemble mais difícil de todos, porque eles sopram com toda a gana e fica mais complicado de eu achar o meu nicho. Tenho de ter cuidado com as dinâmicas, em termos dos pianíssimos, por exemplo são mais complicados porque eles são muitos e o volume sonoro é muito alto. Mais até do que com orquestra sinfónica, é engraçado.
Isso é curioso.
É verdade. Talvez seja porque com as sinfónicas as salas são maiores, não está concentrado. E com big bands às vezes tocamos em salas mais pequenas e palcos mais pequenos. Sei é que a coisa é mais complicada, de facto.
Prefere tocar com que tipo de orquestra: jazz ou sinfónica?
Com as duas coisas, o que eu gosto é de fazer tudo. Eu gosto mesmo de misturar tudo e de poder fazer tudo.
O que significa o título Amoras e Framboesas?
Ah! É uma gulodice (risos). Eu gosto imenso de amoras e de framboesas e eu gosto muito de comer, é como o Chocolate [disco anterior com Mário Laginha]… eu sou uma gulosa. Acho que é bonito associar e que é uma associação feliz, juntar isso à música, que é a coisa que eu mais adoro.
Mas essas frutas também têm alguma acidez…
Claro, espero que sim, que tenham tudo. Acidez…que sejam feias, bonitas, doces, não doces, claras, escuras e espero que esta fruta seja tudo, tal como a música.
Quem compra este disco pode encontrar o quê?
Pode encontrar belas canções, algumas que as pessoas conhecem com certeza. Eu acho que é um bom disco para escutar enquanto disco, não é? Há discos que às vezes funcionam melhor ao vivo, mas este disco funciona muito bem como disco, é muito bom ter no carro e ouvir. São canções bem tocadas, com uns arranjos bestiais que eles fizeram e que vivem bem e fazem companhia.
Há eletrónica neste disco: é importante ou apenas um pormenor?
É importante para mim, foi uma aposta minha. Eu gosto muito de misturar tudo e achei que ficava ótimo ter este outro projeto que eu tenho com aqueles dois músicos [André Nascimento e João Farinha] e tentar casá-lo com a orquestra, que é uma coisa pouco comum, eu pelo menos nunca ouvi. Ver o que é que acontecia, como é que isto funciona. E eu achei que ficou incrível, há imensas possibilidades. A música vive desta aventura constante, de experimentar, de ver o que é que acontece. E às vezes saem coisas incríveis, como eu acho que foi o caso, funcionou muito bem.
Quando é que vamos ter um disco só de eletrónica?
Vamos ter para o ano, porque nós vamos gravar agora em junho, assim um disco completamente indie… [risos] que sairá com o Ogre, projeto de eletrónica que eu já tenho há imenso tempo vontade de fazer, mas que não tinha a sabedoria necessária e então tive de ir buscar pessoas que tinham essa sabedoria.
O que é essencial numa cantora de jazz?
Acho que é a curiosidade e a ambição. A vontade de inventar e o amor pela liberdade que esta música dá. Acho que isso é fundamental. Se não tiveres curiosidade e a vontade de inventar coisas novas, música no momento acho que não se vai longe. Isso é essencial. O resto arranja-se, isto é essencial.
Estando nós no meio de uma crise, que conselho darias a alguém que quisesse iniciar uma carreira como cantora de jazz?
Tem de ter ambição, determinação, iniciativa e talento, que é a coisa principal, e tem de trabalhar. E não desistir nunca do seu propósito, saber que é aquilo e é para ali que eu vou, não importa os acidentes de percurso, porque eu vou para lá. E só o facto de eu ir para lá, o caminho já é fazer jazz, é isso que eu digo aos meus alunos.
Balanço de carreira e projectos para o futuro.
O ano passado saiu o Chocolate, que ainda estou a rodar, viemos agora da Áustria, tivemos duas casas completamente cheias, uma na Koncerthaus de Viena, esgotada. E tivemos já em vários países este ano, com esse projeto. Tenho o Ogre, que vai sair e vai ser o concretizar de uma ideia que anda no ar já desde há dois anos. Tenho o Follow the songlines, que saiu em outubro do ano passado, tenho muita pena que tenha passado um bocadinho despercebido, porque eu acho que é um disco especial. É um disco com o David Linx, com o Mário, o Diederick Wissels e a Orquestra Nacional do Porto.
O JL falou com o Mário Laginha a propósito desse disco.
Ele não acha a mesma coisa, mas é um disco mesmo fora do comum. Depois, gravei também com o David Linx e com Brussels Jazz Orchestra A different Porgy and another Bess.
Uma versão do Porgy and Bess de Gershwin?
A nossa versão com outros arranjos, que já está todo gravado e sai lá para o final de 2012. E todos estes projectos rodam e são muito entusiasmantes. Eu sinto-me cheia de música, é assim que me sinto e é o que eu digo às pessoas. Agora estou a fazer este projecto das Amoras com todo o coração. O disco ainda não saiu e já há oito concertos marcados, o que é uma felicidade, claro. Este é um projecto complicado de levar, por causa de ser muita gente, da logística, portanto cada concerto é uma pérola, para aproveitar, poder desfrutar da companhia deles é uau! que sorte que eu tenho.
Vão tocar outros temas além dos deste disco?
Sim, por exemplo o Dancing in the dark, que nós gravámos para pôr no disco e que não foi autorizado porque estava uma adaptação muito diferente do original. Claro que está, é isso que se espera, não é (risos)?