“Pela sua intensa prosa poética que confronta traumas históricos e expõe a fragilidade da vida humana”, Han Kang é a vencedora do Prémio Nobel de Literatura de 2024, atribuído pela Academia Sueca no passado dia 10. É a primeira escritora da Coreia do Sul a recebê-lo e a 18.ª mulher distinguida em 117 edições.
A escritora, já editada em Portugal pela D. Quixote, estava a jantar com o filho quando recebeu a boa-nova. “Fiquei muito surpreendida ao receber a notícia do prémio”, relatou, em comunicado, mais tarde. “Quando a chamada terminou, recuperei lentamente o meu sentido de realidade e comecei a sentir-me emocionada. Muito obrigada por me terem escolhido como vencedora. As enormes ondas de calorosas felicitações que me chegaram ao longo do dia também foram surpreendentes. Do fundo do coração, obrigada”.
Não foi sem surpresa que o anúncio da vencedora deste ano foi recebido. Nascida em 1970, em Gwangju, cidade no sudoeste da Coreia do Sul, Han Kang é uma das mais jovens galardoadas (fará 54 em novembro) e autora de uma obra composta por duas dezenas de títulos, entre o romance, o conto, a poesia e o ensaio.
Estreou-se literariamente em 1995, com o romance Amor em Yeosu, e ganhou projeção com A Vegetariana, de 2007. Foi também esse o romance que a levou a ser traduzida em vários idiomas, sobretudo a partir da versão inglesa, de 2016. Ganharia, aliás, nesse mesmo ano, o influente International Booker Prize, abrindo-lhe ainda mais portas à publicação em outros países.
Na altura, o júri do prémio, que distingue os melhores livros traduzidos no Reino Unido, destacava a sua escrita delicada, perturbadora e bela. Na altura, a editora portuguesa de Han Kang na D. Quixote, Maria do Rosário Pedreira, apresentava o livro como “uma leitura imparável e completamente irresistível”.
Singular e inesperado, estranho e sedutor, A Vegetariana centra-se numa mulher que, de um dia para o outro, muda completamente a sua vida. Depois de um sonho, torna-se vegetariana, opção que terá consequências inesperadas e inusitadas.
É o retrato do que nos faz humanos, pintado com as cores da recusa e da anulação pessoal. Como em muitos outros romances, é também uma busca pelo sentido da vida, denominador comum que Han Kang encontra em todos os escritores. “Desde criança que, para mim, os escritores são um coletivo.
Procuram o sentido para a vida. Às vezes, estão perdidos, noutras estão mais determinados. Todos os seus esforços e todas as suas forças são uma inspiração para mim”, afirmou a escritora à Academia Sueca, numa primeira reação à atribuição do prémio.
Depois de A Vegetariana, a D. Quixote publicou Atos Humanos, nono romance de Han Kang, obra reveladora da atenção que a escritora sul-coreana tem dado à guerra e aos seus horrores. É também uma homenagem à cidade onde nasceu e às pessoas que, em 1980, se manifestaram contra a ditadura militar.
A contestação foi severamente esmagada pelas estruturas militares do regime e ocultada da população pela mão da censura. O romance mergulha nesse trauma coletivo. “Tendo Han Kang nascido e sido criada em Gwangju, a sua ligação pessoal ao tema implicava que a escrita deste romance seria sempre um processo problemático e doloroso. Ela é uma escritora que sente muito profundamente as coisas, e mostrou-se bastante interessada, quase ansiosa, em que a tradução mantivesse a ambivalência moral do original e fossem evitados excessos quanto à dor e à vergonha sofridas pela sua cidade natal”, lembra Deborah Smith, tradutora inglesa da escritora sul-coreana. “O seu romance é uma chamada de atenção para os atos humanos de que todos nós somos capazes, atos brutais e atos generosos, atos básicos e atos sublimes.”
Em Portugal, foi ainda publicado O Livro Branco, no qual a sua prosa poética, uma das marcas da sua escrita, ainda mais se destaca. É um dos seus livros mais pessoais, feito de breves anotações que evocam objetos brancos, numa inversão das cores do luto.
Em pano de fundo, como assombração e fantasma, surge a morte da irmã mais velha da narradora que, como a de Han Kang, morreu horas depois de ter nascido. O quarto título disponível nas livrarias portuguesa é Lições de Grego, uma improvável história de amor entre uma mulher que perdeu a fala e um homem que está a perder a visão.
“Um livro sobre a linguagem e como as palavras podem ajudar-nos a dar forma e significado ao nosso mundo exterior e interior, mas também a rasgar e destruir o que há de mais delicado em todos nós: a nossa identidade”, segundo a descrição da Academia Sueca.
Em janeiro de 2025, será publicado, em simultâneo com a edição inglesa, Despedidas Impossíveis, o seu mais recente romance, com o qual ganhou, em ex-aequo com Lídia Jorge, o Prémio Médicis, um dos mais importantes da língua inglesa. “A obra da Han Kang é muito interessante e de uma grande atualidade”, diz-nos a escritora portuguesa, que teve a oportunidade de conviver com Kang durante a entrega do galardão francês.
“Formada em escrita criativa na Universidade do Iowa, é capaz de associar a agilidade de escrita dos anglo-saxónicos e a cultura coreana.” Lídia Jorge sublinha ainda a atenção aos temas que marcam o nosso tempo. Entre a narrativa, o universo mágico e a aproximação poética, os livros de Han Kang indagam a nossa humanidade.