Fotógrafo, amante de poesia e dono de uma sensibilidade rara, Jorge Barros (JB) tem retratado o nosso país de uma forma que só aqueles que o conhecem profundamente conseguem fazer.
Na fotografia afirma procurar “o encanto que é o milagre da vida – nos gestos, rostos e olhares das pessoas – e as coisas que nos rodeiam no nosso quotidiano”, bem como “momentos únicos que não se repetem”.
Essa busca, aliada a muita persistência, imaginação e trabalho, permitiu-lhe construir uma carreira singular, que conta quase 50 anos, e começou ainda na adolescência, na sua terra natal.
Nascido em Alcobaça, em 1944, JB recorda com carinho “os professores do ensino noturno”, como José Nuno da Câmara Pereira, José Afonso (Zeca Afonso, mais tarde) e José Silva Carvalho, que lhe incutiram “a vontade e a curiosidade de novos sonhos”, sendo a fotografia “(talvez por intuição) a forma razoável de realizar esse grito interior”.
Ávido frequentador de museus, exposições, cineclubes, teatros, livrarias, mas sobretudo encontros intelectuais em tertúlias semiclandestinas, em cafés, acabou por ser convidado, ainda empregado de escritório, para fotografar cavalos de raça portuguesa, com Carlos Gil. As fotografias haveriam de ser publicadas, em 1980, no livro Portugal e os Seus Cavalos.
Trabalhou também com o Teatro da Comuna, o Teatro da Barraca e o Teatro O Bando, foi assessor técnico da XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura – Os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento (1983), aventurou-se no cinema, colaborou com jornais e revistas, e com diversos projetos relacionados com a EXPO98, organizou encontros e exposições, propôs a criação de um Museu Nacional da Fotografia e recebeu, entre outras distinções, o Prémio Ilustração da Bienal Internacional de Arte de Vila Nova de Cerveira.
Grande parte da sua obra está hoje em mais de 30 publicações, nas quais as fotografias são geralmente associadas a textos assinados por nomes como Eugénio de Andrade, Fernando Assis Pacheco, Fernando Dacosta, Helena Vaz da Silva, João de Melo, José Cardoso Pires, Lídia Jorge, Manuel Alegre, Mário Cláudio ou Orlando Ribeiro.
A mais recente, Romeiros da Fraternidade, por exemplo – agora lançada, corajosamente, pela editora açoriana Letras Lavadas – utiliza versos de 31 poetas portugueses, selecionados por JB para dialogarem com as imagens de dezenas de Ranchos de Romeiros de Nossa Senhora do Rosário, que registou ao longo de 37 anos, na ilha de São Miguel, nos Açores.
De Norte a Sul e de Este a Oeste
Não só nos livros, mas também nas exposições realizadas, encontramos fotografias de caráter profundamente poético, “versos visuais”, se assim os quisermos apelidar, que constroem uma narrativa de pendor quase sociológico ou etnográfico.
Sentado no sofá de casa, em jeito de reflexão sobre a facilidade com que, atualmente, se apanham voos para qualquer lado, comenta: “assegurei-me que primeiro conhecia todos os recantos de Portugal e só depois ia viajar para fora”. E, de facto, parece não ter havido recanto que lhe escapasse.
Fotografou o país de lés-a-lés, da janela mais alta e recôndita do Castelo de São Jorge, em Lisboa, à ermida mais isolada da Serra do Gerês.
Assegurei-me que primeiro conhecia todos os recantos de Portugal e só depois ia viajar para fora
jorge barros – fotógrafo
Em livros como Um Olhar Português e Portugal – O Último Descobrimento, mostrou-nos que tudo pode ser visto com novos olhos, que o nosso país é infinito e a sua beleza vive nas varandas decrépitas da Ribeira do Porto, nos carros de bois de uma eira minhota, nas encostas sombrias de Vimioso, no verão amarelo e no inverno verde do mesmo campo alentejano, numa viela perdida em Loulé ou nas encostas das nove ilhas açorianas.
Teve ainda “a sorte e possibilidade de proceder ao levantamento visual da presença dos portugueses no mundo, nos quatro continentes, com a edição de Portugal e o Mar, com texto de Rui Rasquilho, e mais tarde ilustrar a Mensagem, de Fernando Pessoa”, conta.
O amor pelos Açores
Embora afirme que as travessias que fez pelo Mundo deixaram-lhe “sempre mais incertezas do que respostas”, parece bastante claro, a quem o oiça falar, que, de todos os lugares onde esteve, o seu coração bate de forma especial pelos Açores.
“Pelo silêncio contemplativo da paisagem, a suave musicalidade dos ventos e do mar, a passagem das nuvens que se formam, diferentes de ilha para ilha, a luz que realça os contornos daquela maravilhosa costa e o singular engenho das pessoas no seu dia-a-dia”, explica.
O primeiro projeto desenvolvido no arquipélago, a convite do jornalista e escritor Fernando Dacosta e da editora Ângela de Almeida, deu origem ao livro Corvo – Ilha da Sabedoria. “Sucederam-se longas visitas que criaram raízes de amizade com o povo corvino até aos dias de hoje. Nunca mais fui o mesmo!”, conta.
A partir daí, e não só na ilha do Corvo, a sua lente nunca mais deixaria de imortalizar ilhéus coroados de nuvens, campos a perder de vista, falésias chicoteadas por ondas de espuma branca, lagoas mergulhadas em infinitas tonalidades de verde e a bruma que tudo engole.
Estas imagens haveria de entregá-las ao mundo em exposições como Solenidades dos Açores (1990), Aproximações (2009) e Baleeiro – Um Rochedo do Mar (2015), e numa dezena de livros, entre eles, Corvo, a Ilha da Sabedoria, O Príncipe dos Açores, Vitorino Nemésio – Sem Limite de Idade, Escrito no Mar – Livro dos Açores, que reúne os 25 poemas de Manuel Alegre sobre o arquipélago, As Ilhas Desconhecidas, São Miguel – Ilha de Alquimias e, agora, Romeiros da Fraternidade.
Nobre povo da nação imortal
E porque Portugal não é só paisagem, JB assegura que “seria incapaz de trabalhar num projeto onde não houvesse pessoas”.
Em 2011, chegou mesmo a afirmar, na introdução de As Ilhas Desconhecidas, livro onde que faz uma interpretação visual das famosas notas de viagem de Raul Brandão, que “o amor para com os outros é o melhor de nós”.
Portugal tem hoje a agradecer-lhe aquele que é talvez um dos seus mais fiéis retratos, no qual, além das paisagens, cabem também as suas gentes e tradições centenárias
Talvez tenha sido precisamente a convicção de que “é o convívio humano – olhares e gestos – , e a sua generosa entrega” que enriquecem espiritualmente, a responsável por JB ter tomado parte em projetos como Mineiros, editado em 2001, e Festas e Tradições Portuguesas, “oito livros e 25 anos de atividade”.
Neste caso, propôs fazer um levantamento visual das festas de Portugal. O registo fotográfico de rostos, vestes, máscaras, folia e devoção, realizado ao longo de um quarto de século, ilustrou oito volumes, referentes aos 12 meses do ano, que davam a conhecer as festas e romarias de norte a sul do país e nas ilhas.
“Foram 25 anos a cruzar-me com mordomos, feirantes, párocos, carteiristas, bandas de música, etc., de Norte a Sul do país e ilhas atlânticas”, conta. “Muito devo a Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, pelo seu saber e desinteressados conselhos, e a Dias de Carvalho, saudoso editor do Círculo de Leitores, pela confiança depositada”.
Já o livro Mineiros é um retrato intenso do dia-a-dia de homens cuja vida ocorre a milhares de metros de profundidade. Finalmente, em Romeiros da Fraternidade, cuja edição teve o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores, JB volta a mostrar-nos uma face do nosso próprio país que muitos ainda não conhecem, fazendo-nos acreditar, mais uma vez, que sua a beleza é de facto infinita, desde que a saibamos olhar com espanto.
Por tudo isso, Portugal tem hoje a agradecer-lhe aquele que é talvez um dos seus mais fiéis retratos, no qual, além das paisagens, cabem também as suas gentes e tradições centenárias.