Para quem, como nós, passou horas nas férias de verão a ver a subida à Torre, na Volta a Portugal em Bicicleta, ver João Almeida e João Canas a pedalar, por entre o nevoeiro, serra acima, é quase uma epifania.
A bicicleta de Almeida, engenheiro alimentar, vem aos ésses, mas chega primeiro. Canas, auditor, vem direitinho, logo atrás.
Estão a pedalar desde a Covilhã. Ninguém os espera cá em cima. Nem as raparigas que beijam o camisola amarela, nem o locutor que repete “palminhas, palminhas”. Não há televisões. Não há ninguém. Estão quatro graus, segundo o termómetro, mas deve ser mentira. As mãos gelam.
Por isso, a conversa tem de ser breve. Apresentações feitas: os Joões são de Mação, “a 180 quilómetros daqui”. Fazem isto uma vez por ano, pelo menos. Uma prova sem troféu? “Faz bem”, ri-se Almeida. Canas não está menos sorridente. “Agora vamos descer para a Covilhã. Se calhar paro lá no hospital para receber uma garrafa de soro…”
Qual quê… Quem afirma que subir de bicicleta à Torre, numa fria tarde de maio, é a prova “do que custa o esforço de se fazer o que se quer”, não precisa de nenhum elixir intravenoso. Já o tem, no sangue.