“É evidente que, quando há um milhão de pessoas a vir para Portugal na Jornada Mundial da Juventude, num curto espaço de tempo, isso tem impacto económico”

Foto: Luís Barra

“É evidente que, quando há um milhão de pessoas a vir para Portugal na Jornada Mundial da Juventude, num curto espaço de tempo, isso tem impacto económico”

O recém-eleito presidente do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) explica o combustível da “policrise” que enfrentamos e, embora criticando a atuação do Governo, o menor pessimismo em relação a Portugal. Dias depois de ter conversado com a VISÃO, foi anunciado que o ISEG avaliaria o impacto económico da Jornada Mundial da Juventude. A propósito dessa notícia, a VISÃO fez uma segunda ronda de perguntas ao economista.

Portugal acabou de ter o maior crescimento em 30 anos e o desemprego está estável. Atravessamos, no entanto, uma crise. Ela é diferente daquilo a que nos habituámos?
Na Europa, enfrentamos o problema de termos saído de uma crise pandémica, a que seguiu uma guerra, que agravou um problema de transição energética. É difícil, porque estávamos numa mudança rápida de paradigma energético, baseada numa expectativa de insustentabilidade do planeta. Essa mudança, conjugada com a saída da Covid-19 e com a guerra, criou desequilíbrios enormes.

Que se manifestam nos preços…
Há outros problemas latentes, que podem ter consequências futuras, por exemplo: o que significará o fim, ou a redução, brutal da procura de petróleo? Basta olhar para as economias dependentes desta fonte. O que vão fazer para sobreviver?

Portanto, temos crises conjunturais, como a pandemia e, eventualmente, a guerra, mas há ondas de choque maiores, que só iremos enfrentar agora?
Exatamente, é uma forte possibilidade. Isto tudo está a ser feito num curto espaço de tempo. É mais fácil quando estas coisas se fazem numa ou em duas gerações. Fazer um navio andar a mais alguns nós é fácil, querer pará-lo de repente é um esforço brutal, com consequências enormes.

Parece que entrámos numa era de maior volatilidade. Atravessámos uma pandemia, acelerámos e, agora, voltámos a travar. Os choques sucedem-se a um ritmo cada vez mais rápido e parecem ser mais violentos.
É verdade. E não é só numa dimensão, é em várias: a aceleração do digital, a mudança do paradigma da energia. Mas, há mil anos, as pessoas andariam ainda mais angustiadas com guerras na Europa. Parece-nos que era mais fácil prever o futuro, mas não era. Todos os anos, ouço que é um ano difícil de prever.

E como se posiciona Portugal nesse contexto?
Mesmo que a Europa entre em recessão, a minha expectativa é de que Portugal consiga fugir a essa quebra no PIB e tenha um crescimento, ainda que incipiente, de 0,2% ou de 0,5%. Tenho, porém, colegas entusiasmados e ouço muitas empresas a dizerem que o ano vai ser bom. Fico admirado.

De onde vem esse otimismo?
Depende dos setores. O turismo está bem e animado. Vejo empresas muito otimistas, o que é sintoma de que as coisas vão correr bem. Mas também significa aumentar muito as importações.

Existe o risco de sairmos desta crise ainda mais dependentes deste modelo de crescimento assente no turismo?
Existe. Vejo os estímulos públicos a serem pouco usados na condução da economia portuguesa. O Estado já não lidera nada. São as empresas que andam a montar setores. Não se vê investimento pesado a ser feito em Portugal.

E devia?
Devia. Se se quer reestruturar, devia. Ao não investir e ao preocupar-se só com a despesa corrente, o Estado não estrutura nada. O pouco investimento que faz não é estruturante nem condicionado. Setores preferenciais? Não há. Existe o contrário: setores a atacar. Criação de valor acrescentado ou produtividade? Não há. Não existem incentivos para as empresas serem mais eficientes. Em vez de tributar mil milhões a 20%, posso baixar a taxa para metade, se a base não for de mil mas de três mil milhões.

O Governo português tem optado por subsídios e apoios extraordinários, durante este período. Esta é a melhor estratégia?
Eu preferia mexidas mais estruturais, mas admito que há situações urgentes. Durante a Covid-19, o banco central comprou dívida e foi possível pôr dinheiro na mão dos Estados, que o passaram às empresas, que pagaram aos colaboradores. O PIB caiu 8%, mas isso não correspondeu à queda da atividade, que foi muito maior. As pessoas estavam em casa, mas recebiam, consumiam. Foi um artifício, e bem, para não se criarem situações de pobreza, escassez e convulsões sociais. Mas é um caso extremo. Gerir o País numa base de “eu tributo para distribuir”… Quer dizer, eu percebo: é a técnica de dar dinheiro para as pessoas reconhecerem e dizerem que fui eu que dei.

Para impedir perdas de poder de compra, o Governo podia ter optado por aumentos maiores dos funcionários públicos ou dos pensionistas, em vez deste modelo de apoios extraordinários. Isto mostra que a dívida pública é a principal prioridade do Governo?
É pena só ter acordado agora. Percebo que seja uma prioridade grande, mas porque não começou mais cedo? Estaríamos folgados. Quando comparamos as ajudas de Estado de Portugal com as de outros países da Europa, durante a pandemia, percebemos as consequências disso. Quem não tem dinheiro não pode distribui-lo. [A seguir à Troika], os portugueses tinham um determinado tipo de regime – eu sei que era difícil –, mas coloquemos as coisas em termos relativos: olhem para a Ucrânia e falemos em dificuldades. O que aguentámos não teve nada que ver com aquilo que os ucranianos estão a aguentar.

Mercados desconfiados? Provámos recentemente que pagamos, custe o que custar. Os portugueses não são os argentinos. Nós pagamos

Mas a barra não pode ser um país em guerra…
Só estou a dizer que podíamos ter tido um percurso mais sensato, sem colocar milhares de milhões em desgraças.

Está a falar da TAP?
Por exemplo, não era um problema nosso. Esses três mil milhões de euros podiam ter sido abatidos à dívida. Podíamos ter vendido os slots a empresas internacionais e deviam ter sido os donos da TAP a vendê-los. Também não consigo perceber porque os funcionários públicos voltaram a ter 35 horas, em vez das 40 horas. Isso tem custos, claro.

Esta não é a altura certa para nos concentrarmos na redução da dívida?
Abata-se a dívida, se não houver aplicação alternativa. É preciso uma análise de custo-benefício. Posso descer a dívida ou posso investir, alcançando uma taxa de rendimento superior ao custo de não abater o endividamento. Se for mais benéfico, tudo bem; mas, se for para investimento estúpido, então não. Depende da aplicação.

Mesmo nesta altura de instabilidade, os mercados não parecem olhar para Portugal com desconfiança, em comparação a outros países europeus semelhantes. Porquê?
Porque provámos recentemente que nós pagamos, custe o que custar. É tão simples quanto isto. Amochámos e perdemos rendimento para salvar a República. Aumentámos os impostos e pagámos, ao contrário de outras décadas em séculos anteriores. Não houve incumprimento. Houve uma altura em que tivemos uma ajuda, mas ela teve custos. Um terço do empréstimo tinha uma taxa de juro elevada. Agora, atenção: o mercado vê-nos assim, mas grande parte desse mercado está nas mãos do BCE. Contra um banco central ativo no mercado ninguém ganha a guerra. No entanto, os portugueses não são os argentinos. Nós pagámos. Além disso, a nossa dívida estava a descer paulatinamente. Agora, está a cair pelo efeito do PIB e da inflação, que é fabulosa no efeito brutal que tem na descida da dívida.

A inflação começou a ajustar um pouco, ao mesmo tempo que temos uma subida dos juros pelo BCE com uma agressividade inédita. A expectativa é de que 2023 seja um ano de desinflação forte ou ela já estará muito entranhada na economia?
Acho que é capaz de baixar. Há ainda uma massa monetária muito grande. O médico não vai dizer-lhe que queria torná-lo dependente de opiáceos, mas é como o desmame de um medicamento. Há um entranhar das subidas de preços, porém já com aumentos inferiores. Ninguém está a aumentar os trabalhadores 10%. As famílias endividadas estão a sofrer muito, e isso terá também impacto no consumo. Esperemos que os turistas europeus e norte-americanos, que nos visitam, tenham dinheiro para vir até às nossas praias e museus.

Para os portugueses, vai ser um ano duro?
Vai começar mais duro do que vai acabar. Nos primeiros meses, ainda se notarão variações significativas – em janeiro, há tabelas a serem atualizadas –, mas em fevereiro já começarão a estabilizar.

Vivemos um ambiente político com uma série de casos e de demissões. Do contacto que tem com agentes económicos, acha que estas situações afetam a tomada de decisão ou são-lhes indiferentes?
O principal problema é que faz mal à saúde da sociedade portuguesa. Em vez de vermos pessoas competentes e experientes, com conhecimento das matérias, temos gente que não é das áreas, sem experiência, com carreira de subserviência política – e colocam-nos à frente de ministérios. Um ministro tem obrigação de pensar estrategicamente o setor, tem de ter visão e mundo. São uns miúdos. Veja o caso da habitação. Não acho que os decisores sejam muito afetados, mas estraga o contrato de confiança da sociedade com as lideranças políticas.

Ficámos recentemente a saber que o ISEG será responsável por avaliar o impacto económico da Jornada Mundial da Juventude. Como se manifesta esse tipo de efeito?
Estamos a falar de receita fiscal e de um aproveitamento desse tipo de consumos e do valor acrescentado das empresas, que fornecem serviços às pessoas que se deslocam. Há também pessoas que acabam por estender a sua estada.

Tem-se falado bastante em valores acima de €300 milhões, recorrendo a iniciativas passadas como referência. São números realistas? A margem de erro é muito grande?
Essas estimativas são feitas com parâmetros-padrão. Em economias como a nossa, com uma grande dimensão informal, são necessários muitos pressupostos, e é preciso que esses sejam coerentes. Os valores de que se fala têm as margens de erro normais em trabalhos económicos.

Sem estar a antecipar valores do estudo que farão, considera que o impacto económico será relevante?
É evidente que, quando há um milhão de pessoas a vir para Portugal, num curto espaço de tempo, isso tem certamente impacto. Não digo que seja maior ou menor do que os custos, mas tem impacto nos proveitos económicos. Depois há impactos de segunda ordem para a imagem do País, se a organização correr bem e se mostrar um País credível e seguro. E há ainda as infraestruturas que se criam. Quando se recupera uma área, que estava maltratada e sem rendimento, e a transformamos para permitir ganhos futuros, isso é benéfico. Não sendo visíveis, há benefícios que podem permitir rendimentos futuros.

Os custos de que temos ouvido falar são razoáveis?
Basicamente, o que ouvi falar foi do palco. Para mim, que sou um leigo, todos aqueles números são grandes, mas, para a dimensão de um país, são números pequenos. Também fizemos uma injeção de três mil milhões de euros na TAP, por causa do impacto económico da empresa, e eu nunca vi um estudo. Não tenho ideia de quanto custa som, imagem, transmissões, casas de banho. Às tantas, estas discussões tornam-se caricatas, porque são valores grandes. Quando se começa a falar de palcos… não faço ideia de valores para uma estrutura daquelas. Aparentemente, é um número escandaloso, mas se depois pode ser usado…

Acha que há um problema na forma como se discutem e enquadram valores deste género na comunicação social, sejam projetos sejam salários de responsáveis?
Como somos pobres, as pessoas ficam escandalizadas por alguém ganhar três ou quatro mil euros por mês. Em Portugal, cinco mil euros é uma fortuna. Estes valores até podem ser considerados absurdos, se o responsável não tiver trabalho ou responsabilidades. Muitas pessoas que comentam, indignadas, esses valores não têm problema em ver espetáculos de futebol. O problema é quando pessoas qualificadas fazem trabalho com benefício social. Somos muito pobres, e isso também leva à pobreza de análise.

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