Até 2014, a gestão das grandes empresas portuguesas podia, seguramente, ser considerada muito boa ou excelente. Mas os oito meses decorridos desde o início do ano destruíram essa ideia.
João Rendeiro era considerado um excelente banqueiro e baqueou. O banco que dirigia já não existe e ele dedica-se a escrever no seu bloque críticas à falta de ética noutros bancos enquanto aguarda o desfecho do seu caso na justiça. O BCP reunia o crème de la crème dos financeiros portugueses. Mentes brilhantes, que levantaram do chão um banco que se tornou um case study internacional. De repente, o banco implodiu, acumulou milhões de prejuízo, todos os seus magníficos gestores foram afastados ou afastaram-se e o banco começa agora lentamente a sair da longa noite da escuridão em que caiu. No BPN, nunca houve excelência na gestão. Aliás, brincando com o caso, um banco que tinha um Caprichoso e um Fantasia na administração não podia acabar bem.
Pensava-se, portanto, que já tínhamos visto tudo e que estávamos ao abrigo de novas e lamentáveis surpresas. Infelizmente, não estávamos. Ricardo Salgado era considerado um príncipe da gestão. O poder que construiu desde que a família Espírito Santo recuperou o seu banco tornaram-no um exemplo, admirado nas escolas de gestão e premiado nacional e internacionalmente. Era visto como o último dos grandes banqueiros nacionais e o melhor de todos os que estavam à frente de instituições financeiras. O crescimento do banco por via orgânica era um exemplo, e, não por acaso, políticos e empresários disputavam as suas boas graças.
Em menos de três meses, Ricardo Salgado foi obrigado a deixar a presidência do BES, não conseguiu impor o seu sucessor, não se conseguiu eleger para presidente do Conselho Estratégico do banco, viu a área não financeira do grupo pedir a insolvência e o próprio banco desaparecer, tragado pelas decisões erradas ou eventualmente fraudulentas, a justiça o dirá, que ele próprio tomou. Como foi possível que tal acontecesse é um enorme mistério. Como foi possível que muitos que o rodeavam não conseguissem travar o vórtice da loucura que conduziu a este cataclismo é outro mistério. A única certeza que fica é que Salgado se achava tão excecional que pensou até ao fim que podia salvar o banco e o grupo através de jogadas pouco éticas ou totalmente irregulares, sem que o auditor externo, as diversas estruturas de controlo do banco e os supervisores dessem por isso e sem que ninguém o denunciasse. Enganou-se. Talvez tarde de mais, mas o certo é que caiu às mãos do regulador e nunca mais será banqueiro.
Outro exemplo de excelente gestão era a administração da Portugal Telecom. O CEO, Zeinal Bava, ganhou sucessivos prémios como melhor CFO europeu e melhor CEO europeu nas telecomunicações. O CFO, Luís Pacheco de Melo, foi considerado o melhor europeu no seu cargo. E o chairman Henrique Granadeiro foi o grande obreiro da resistência à OPA da Sonaecom. Pois bem. De um dia para o outro, Granadeiro e Melo resolvem investir 900 milhões em papel comercial da Rioforte, numa altura em que já se conheciam as dificuldades do Grupo Espírito Santo. Foi como se deitassem o dinheiro pela janela fora. A PT desvalorizou mais de mil milhões. Na fusão com a Oi, os acionistas portugueses, em vez de ficarem com 37% na nova operadora, ficarão com 25%. Granadeiro já não fica na nova estrutura, nenhum dos membros da família Espírito Santo se sentará no novo conselho de administração e o presidente da Ongoing, Nuno Vasconcelos, também cai. Uma hecatombe provocada por uma decisão que terá passado ao lado de Bava, que jurou nada saber apesar de ser uma pessoa altamente meticulosa, que estava sempre a par de tudo o que se passava na PT.
Estes casos têm repercussões brutalmente negativas nas empresas envolvidas. Mas o que ficou profundamente abalado foi a imagem de excelência dagestão portuguesa. É que não basta dominar as modernas técnicas de engenharia financeira que existem no mundo. A ética é a pedra de toque de uma gestão exemplar. E, infelizmente, muitos dos que eram considerados os mais brilhantes gestores até agora pelos vistos faltaram às aulas dessa cadeira ou não perderam tempo a absorver os ensinamentos. Assim como assim, gestor brilhante é o que ganha muito para si e para os acionistas. O “como” é despiciendo. Até um dia em que tudo corre mal.
Este artigo é parte integrante da edição de setembro da Revista EXAME