Às segundas e quartas-feiras depois do almoço, a sala de trabalhos do Centro Social Paroquial de São Paulo, em Lisboa, enche-se com 28 mulheres e dois homens, todos reformados, que, à volta de uma grande mesa, trabalham com novelos de lãs de cores fluorescentes, carrinhos de linhas, agulhas de tricô e de croché, reaproveitamentos de tecido, trapilho e telas de esmirna. Habitués do centro para frequentar aulas de ginástica, de informática ou para cantar no coro, agora com os lavores também “puxam pela cabeça “, como conta Magna Alvoeiro, 75 anos.
Em setembro, começaram por bordar em linho. Seguiram-se originais pares de luvas, criadas a partir de mangas de camisolas velhas, com bordados feitos em cima do decalque em papel vegetal, uma técnica desconhecida das senhoras com idades entre os 71 e os 97 anos. “O bordado em lã é raro em Portugal e, em vez de ser um produto de decoração, passou a ser um acessório de moda”, explica Susana António, 35 anos, designer e fundadora da Fermenta, associação que está na base do projeto A Avó Veio Trabalhar. Enquanto bordavam as luvas chegou uma encomenda da Fundação Gulbenkian para criarem os presentes para os oradores da conferência internacional Social Innovation Live, onde, durante dois dias de novembro, se falou de práticas de inovação social. O resultado foram 150 registos de lapela, com desenhos de corações, sereias e peixes inspirados nas tatuagens dos antigos marinheiros do Cais do Sodré, feitos agora em formato de pin com cartão, lantejoulas e fio dourado. Foram duas semanas a trabalhar dia e noite. “Pela primeira vez levaram trabalho para casa”, conta Ângelo Campota, 32 anos, braço-direito da mentora Susana António.
Com a primeira coleção à venda na loja Arte Assinada, em Lisboa, as mãos sábias e engelhadas deste grupo já preparam a segunda fornada. Em março, terão prontas almofadas (tricotadas de um lado e com um tecido nobre do outro). Com estas “avós”, Susana António aprendeu a fazer ponto de arroz e tricô: só sabia fazer malha baixa, ou malha de liga, como lhe chamam as mais antigas.
Susana António e Ângelo Campota viram 30 “avós” (como Elisa Carvalho e Conceição Almeida) tricotar noite e dia para entregar uma encomenda
O antigo é bonito
“Quero criar uma rede empreendedora sénior e desmantelar o preconceito de que os mais velhos não servem para nada”, explica a designer, que tatuou no interior do braço direito a frase “old is beautiful” (o antigo é bonito). Sem querer trabalhar em empresas ou em fábricas, ao terminar Belas-Artes a designer começou a fazer voluntariado num lar e aí percebeu que a sua forma experimental de trabalhar mudava a vida dos mais velhos. Criada até aos cinco anos pelos avós maternos, Florinda e António, Susana recorda a infância passada debaixo da máquina de costura da avó, a apanhar os trapos. E como se explica o que é o design aos mais velhos? “Pegamos em materiais e resolvemos problemas através da criatividade.”
A ideia original foi posta em prática em 2005, ao participar na exposição da ExperimentaDesign, My World New Crafts, com vinte malas produzidas pelos seniores com quem trabalhava num centro de dia de Setúbal. Ter coordenado as equipas portuguesas do Entre Gerações, programa de envelhecimento e coesão social da Gulbenkian, ajudou a dar o salto para formar a sua própria associação, sob o lema “o design é o fermento para o crescimento das comunidades”. Em 2015, o projeto financiado pela Câmara Municipal de Lisboa (35 mil euros em 2014) e apoiado pela Junta de Freguesia da Misericórdia, prevê montar ainda um laboratório de serigrafia.
Com as livas da primeira coleção já esgotadas, seguem-se novos trabalhos em almofadas
Velhos artesãos emergentes
Aos 78 anos, Fernanda Martins viu a sua fotografia na montra da Arte Assinada, no Largo Trindade Coelho. Destemida, aproximou-se e não escondeu o ar incrédulo. A culpa era do tamanho e visibilidade do cartaz onde se lê “A avó esteve a trabalhar para aquecer as suas mãos.” A sua genica e boa disposição foram determinantes para ser escolhida como rosto da primeira coleção. Orgulhosa, fez-se fotografar posando ao lado de si própria.
Susana e Ângelo almejam fazer uma coleção por cada participante. Um a um, entram curiosos na loja onde está à venda o seu trabalho.
Com uma máquina de tricotar em casa desde o tempo em que os filhos eram pequenos, Benvinda Rebelo, 70 anos, a frequentar o centro há quatro anos, ficou entusiasmada quando viu o par de luvas que bordou envolto em papel de seda, dentro de uma bonita caixa de cartão, e com uma etiqueta personalizada com a sua fotografia.
De regresso à “escola”, Domingo Vaz, 68 anos, antigo estivador galego, da aldeia fronteiriça de Guntumil, conta que já conhecia Elisa, 83 anos, da vizinha povoação de Tourém e depois de Lisboa, quando lhe comprava azeitonas e tremoços no Mercado da Ribeira. Hoje, são colegas de carteira na aula de lavores. O estivador reformado começou por fazer flores de papel mas agora tem em mãos 47 mil tiras de tecido para fazer um tapete de esmirna e não exclui a hipótese de “arriscar no bordado”.
Haja saúde pois nem sempre as maleitas dos ossos ou a falta de visão lhes permitem dar uso às linhas e agulhas. Mas já ninguém abdica de uma tarde entre amigos.