Até ao próximo domingo, 6, ao receber a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), Lisboa é “o ponto de encontro de todos”, segundo o Papa Francisco, para “a festa da juventude”, palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Em 1963, há precisamente 60 anos, a capital também foi palco de uma iniciativa religiosa, grande à escala do País e da ditadura que se vivia.
No fim de semana de 20 e 21 de abril daquele ano, chegavam a Lisboa entre 50 mil e 60 mil jovens católicos de todo o País, imbuídos de um espírito de convívio entre os que partilhavam a fé cristã.
Era uma oportunidade para estarem fora de casa, debaixo da alçada curta dos pais, perto dos amigos de sempre, e atentos aos que vinham de Norte a Sul de Portugal.
Helena Tavares, 78 anos, lembra-se bem do dia passado à torreira do sol, e embora o trânsito não tenha parado, nem as rotinas na cidade tenham sido alteradas, havia muito mais gente nas ruas.
Na primavera de 1963, a um mês de completar 18 anos, Helena pertencia à Legião de Maria, na Igreja do Santo Condestável, onde se falava com regularidade sobre catolicismo, mas também existia um convívio muito saudável entre os jovens, com diversas atividades a proporcionarem memórias guardadas até hoje.
A ida ao Grande Encontro da Juventude, no Estádio Nacional do Jamor, foi organizada juntamente com a paróquia de Santo Estêvão, em Alfama, de onde partiram em camionetas alugadas. As raparigas vestiam blusa clara, com um pin/emblema com o lema, e saia azul de pregas, respeitando o “vestuário simples e gracioso como é próprio à nossa juventude” pedido no guião – e até porque na altura, lembra Helena, “não havia t-shirts, nem as raparigas usavam calças.”
Há poucos dias, esta reformada, nascida e criada no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, encontrou o guião da I Assembleia de Dirigentes de Organismos Católicos, que ficou conhecida como Grande Encontro da Juventude, realizado sob o lema “Os novos escolhem Deus”.
Logo às primeiras páginas, releu as assinaturas dos amigos da altura, alguns de quem entretanto já se despediu para sempre, e de outras pessoas que conheceu no encontro, rapazes e raparigas de Coimbra, da Madeira, por exemplo.
Aquela seria a primeira vez que Helena Tavares ía ao Estádio Nacional do Jamor. Vista das bancadas, a receção com “jogos cénicos”, uma espécie de sarau com dança e ginástica rítmica com fitas coloridas a rodopiar no ar, “era muito bonita”. O espetáculo inicial incluía também grupos representativos dos setores agrário, estudantil, operário e independente. Os vestidos de branco simbolizavam a felicidade, os de vermelho a tentação, os de verde a esperança e os de negro o desespero.
E desengane-se quem pensar que a onda humana nos estádios de futebol, durante os jogos, é espontaneidade moderna, pois há 60 anos já se levantavam e sentavam eufóricos com os braços no ar.
Liberdade sem obrigações
Enquanto a celebração da cerimónia religiosa foi presidida pelo patriarca de Lisboa, o cardeal Cerejeira, contemplando a leitura de uma mensagem do Papa João XXIII, cada paróquia tratou de organizar também um programa paralelo. A Helena Tavares calhou um passeio fluvial com fados, a bordo de um cacilheiro que partiu de Belém, navegando ao longo de duas horas no rio Tejo. “Foi a primeira vez que andei de barco e à noite”, exalta. A animação fazia-se com mais de 30 rapazes e raparigas, as catequistas e o padre responsável pelas organizações de juventude na paróquia.
Ouvir a palavra de Deus fazia parte da meninice de Helena, por isso “conviver com amigos num ambiente diferente, em que estávamos livres, sem obrigações, sem ir a casa e longe dos adultos”, ganhou muita importância.
Desde meados dos anos 1950 que as suas rotinas passavam pela cripta da igreja. Durante a semana, depois das aulas, ao sábado e ao domingo, dia de missa, até à hora de almoço. “Eu ajudava a cortar as hóstias, a pôr as circulares nos envelopes, a ordenar as fichas dos filmes exibidos ao sábado à noite”, enumera.
Passadas seis décadas, as memórias já vão sendo intermitentes, mas a Helena esta Jornada Mundial da Juventude lembra-lhe muito o espírito vivido na época, em querer participar em algo grandioso.
“É parecido na questão de juntar os jovens de todo o mundo e o convívio com pessoas que não se conhecem. Há 60 anos também quis participar no Grande Encontro da Juventude para conviver com pessoas de todo o País. Aquele encontro, embora em menor escala, aconteceu na minha juventude. Foi um acontecimento inédito que me marcou, mesmo sem a presença do Papa.”
Seis meses após o início do Concílio Vaticano II, em outubro de 1962, os “tempos de renovação”, o aggiornamento, começavam assim a fazer-se sentir, muito lentamente, na sociedade e na igreja católica portuguesa.