O vídeo tem cerca de quatro minutos. É filmado de cima. Nele, veem-se dois agentes da PSP aparentemente jovens, junto a um corpo inanimado, perto de um carro. “Vê se ele está acordado, amigo”, ouve-se uma voz masculina a pedir. Os agentes olham para cima à procura de ver quem perguntou. Um deles diz: “Está desmaiado.”
Ao longo do vídeo, nenhum dos polícias se aproxima do corpo para qualquer manobra de salvamento. Apenas, após alguma insistência dos homens que estão a filmar a cena do alto de um prédio, verificam o pulso da vítima.
O homem que está no chão é Odair Moniz. Tem 43 anos, era cozinheiro, mas segundo explicou à VISÃO a sua cunhada Sílvia Silva, naquela noite estaria de baixa depois de se ter queimado no trabalho.
Morava no Zambujal, mas estava na Amadora na madrugada de segunda-feira quando alguma coisa o fez fugir da polícia. O comunicado da PSP que relata o caso não é claro sobre o que aconteceu.
“Minutos antes, na Avenida da República, na Amadora, o suspeito ao visualizar uma viatura policial encetou fuga para o interior do Bairro Alto da Cova da Moura, também, na Amadora. No interior do Bairro, o condutor entrou em despiste, abalroando viaturas estacionadas, tendo o veículo em fuga ficado imobilizado”, lê-se no texto do Comando Distrital da PSP, no qual Odair Moniz é descrito como “o suspeito” sem que nunca se indique de quê.
“Foi desnecessário”, diz a mesma voz masculina aos polícias. “Mas veja se foi na perna mesmo”, insiste. “Não, parece que foi na barriga”, comenta outro homem fora do plano. “Estava muito próximo”, diz o outro, enquanto pede aos polícias que verifiquem onde é o ferimento. Os agentes demoram muito tempo a aproximar-se do corpo.
Um deles acaba por se baixar, depois de muita insistência de quem assiste à cena. Já se passou mais de um minuto desde que o vídeo começou. O agente verifica o pulso. Baixa a camisa de Odair. “Veja se é na barriga”, insiste a voz, fora do plano do vídeo. “Não. Foi da cintura para baixo”, responde o polícia, ainda junto ao corpo. “Na virilha é preocupante”, reage a voz. “Eu sei, mas foi da cintura para baixo”.
Não se sabe de que era suspeito Odair
A VISÃO teve acesso ao vídeo na manhã de segunda-feira, quando começou a tentar perceber os contornos do incidente que acabou com a morte de Odair Moniz.
Ao contrário do que começou por ser veiculado, por uma notícia inicial da CNN, a família de Odair Moniz garante que, quando se deu o incidente, ele seguia no seu próprio carro. Algo que nunca foi desmentido, fazendo cair a tese de que Odair Moniz seria suspeito de furto do automóvel que conduzia.
“O suspeito, de 43 anos de idade, foi prontamente assistido no local e transportado para o Hospital São Francisco Xavier. Segundo informação da unidade hospitalar, o suspeito, lamentavelmente e apesar da pronta assistência médica, terá falecido pelas 06h20”, lê-se no comunicado da PSP.
No vídeo vê-se um corpo, sem reação. E, a dada altura, vários polícias vão-se aproximando e pedindo aos transeuntes para se afastarem.
Não há no vídeo, que é interrompido depois de um agente chamar a atenção do homem que filma de que não pode recolher imagens, qualquer tentativa de socorrer Odair Moniz. Os agentes estão apenas junto ao corpo, enquanto aguardam a chegada do INEM, que dizem já ter chamado.
O debate na VISÃO
Ao termos acesso a estas imagens, ainda quando as informações eram escassas, a VISÃO considerou, após debate na redação, não as publicar. Os dados, então na nossa posse, ainda não nos permitiam considerar se a divulgação do vídeo significava um acrescento relevante de informação ou apenas um exercício puro de voyeurismo. A decisão unânime foi de não o publicar na segunda-feira.
Esta quarta-feira, no entanto, após todos os tumultos registados nas periferias de Lisboa, em protesto contra a violência policial, e depois de a PSP negar ter, durante a noite de terça-feira, arrombado a porta da casa de Mónica, a viúva de Odair, a VISÃO entendeu que estas imagens podem ser importantes para ajudar a contar uma história que, com estes novos desenvolvimentos, ganha uma outra relevância política e social.