Como se já não bastassem alguns problemas que têm impedido o início do julgado do mega-processo do Banco Espírito Santo (BES), no início deste mês surgiu mais um: o Tribunal da Relação de Lisboa revogou uma decisão do juiz de instrução que, em agosto de 2023, declarou como prescritos crimes de infidelidade imputados a dois ex-quadros do BES. Resultado: ou o processo regressa todo à fase de instrução para uma nova decisão ou o tribunal de julgamento separa os crimes imputados a Cláudia Faria e Pedro Costa.
Foi isto mesmo que a procuradora Sofia Gaspar alegou, esta semana, num requerimento enviado ao coletivo de juízes que vai julgar o caso. Recordando que o Tribunal da Relação de Lisboa, em março deste ano, ordenou a reformulação do despacho de pronúncia que considerou estarem prescritos os crimes, a procuradora admitiu que o processo está perante um problema. “Vislumbra-se a possibilidade de o Tribunal entender que os autos, agora já em fase de julgamento, teriam de ser remetidos, de novo, para instrução, para cumprimento do determinado no acórdão”, começou por dizer, concluindo: “Em consequência, todos os actos praticados, até ao momento, por este tribunal, perderiam o seu efeito”.
A magistrada do Ministério Público referiu que, ainda que essa reformulação dissesse só respeito aos crimes de infidelidade imputados a Cláudia Faria e Pedro Costa, “determina a lei que se repetiriam despachos, promoções, requerimentos, e centenas (arriscamos mesmo, milhares) de notificações, com o consequente aguardar do decurso de novos prazos e nova expedição de cartas rogatórias”.
Daí, o Ministério Público ter sugerido ao coletivo de juízes uma saída: seja ordenada a separação processual apenas e exclusivamente na parte que respeita aos crimes de infidelidade imputados aos arguidos Pedro Costa e Cláudia Faria e que esta parte decorra num novo processo.
Antes que o tribunal decida o que fazer, todos os arguidos do processo e os assistentes terão que responder à sugestão da procuradora. Sendo certo que, após uma decisão do coletivo de juízes, as partes podem contestá-la em sede de recurso ou reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o que retardará ainda mais o início do julgamento até esta matéria estar estabilizada.
O início do julgamento do processo BES/GES estava previsto para 18 de junho. Porém, devido a dificuldades na notificação de dois arguidos residnetes na Suíça, o arranque das sessões foi adidado para setembro.
De acordo com o despacho da juíza Helena Susano, presidente do coletivo do Juízo Central Criminal de Lisboa, em causa está a confirmação de que o arguido suíço Michel Creton foi notificado apenas em 26 de abril, o que implica o reinício da contagem do prazo de 50 dias para as defesas de todos os arguidos apresentarem as suas contestações, mesmo aqueles que já tinham sido notificados em 17 de janeiro.
No entanto, a magistrada assumiu também que ainda não foi possível notificar o arguido suíço Etienne Cadosch, apesar de já ter sido localizado. Nesse sentido, a futura notificação deste arguido vai obrigar a novo início da contagem do prazo, ditando mais um adiamento. E a juíza do processo também conhecido como Universo Espírito Santo acrescentou: “A lei assim o impõe (…). É a vontade do legislador nela materializada, a que o tribunal deve obediência”.
O despacho indicou ainda que mantém “reservado o dia 10 de setembro e dias subsequentes” para as sessões de julgamento, libertando a agenda dos advogados relativamente a este caso até essa data.
O julgamento do processo-crime Universo Espírito Santo vai arrancar uma década após o colapso do Grupo Espírito Santo (GES), em agosto de 2014, e tem como principal arguido o ex-presidente do BES Ricardo Salgado, acusado de 65 crimes, entre os quais associação criminosa, corrupção ativa, falsificação de documento, burla qualificada e branqueamento.
Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.
Segundo o Ministério Público, a derrocada do GES terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.