A imagem que temos dos caçadores de outrora passa por imaginar os homens a chegar à sua comunidade com os animais recém caçados ao ombro. No entanto, uma nova investigação, publicada na revista PLOS ONE põe em causa uma das principais provas em que os cientistas se têm baseado para aferir como era a vida durante o período que começou há cerca de 200 mil anos, quando o Homo sapiens surgiu como espécie.
A equipa descobriu que, de acordo com uma análise feita a registos etnográficos de todo o mundo e do século passado, as mulheres das sociedades caçadoras- jovens e idosas- caçavam animais de pequeno e grande porte.
Em grupo ou sozinhas, com os seus filhos e cães de caça, empunhavam armas e caçavam. Nas Filipinas, por exemplo, as mulheres Agta caçavam com facas, arcos e flechas, ou uma combinação das duas armas, consoante a preferência pessoal. A caça aparentava ser intencional, em vez de um abate oportunista de animais encontrados enquanto se realizava outra tarefa.
De acordo com Cara Wall-Scheffler, da Universidade de Washington, em Seattle, que liderou a investigação, estas descobertas são provavelmente representativas de todas as sociedades caçadoras-recoletoras do passado e do presente. “Temos uma amostra de quase 150 anos de estudos etnográficos, temos todos os continentes e mais do que uma cultura de cada continente, pelo que me parece que obtivemos uma boa amostra do que as pessoas fazem em todo o mundo”, afirma.
Apesar das provas crescentes de que as mulheres caçavam em muitas culturas do passado – como por exemplo, o caso de 27 indivíduos encontrados enterrados com armas de caça, sendo que, quase metade eram mulheres , segundo um estudo de 2020, os investigadores têm-se mostrado relutantes em concluir que estas mulheres eram caçadoras.
“Existe um paradigma segundo o qual os homens são os caçadores e as mulheres não, e esse paradigma influencia a forma como as pessoas interpretam os dados”, afirma Wall-Scheffler.
A sua equipa encarregou-se de analisar uma base de dados denominada D-PLACE, que contém registos de mais de 1400 sociedades humanas de todo o mundo, elaborados nos últimos 150 anos. Dos dados sobre a caça para 63 das sociedades caçadoras-recoletoras registadas, 50 descreviam mulheres a caçar.
Para 41 destas sociedades, havia informação sobre se a caça das mulheres era intencional ou oportunista e em 87% dos casos, a caça era intencional. “Este número foi mais elevado do que eu esperava”, afirma Wall-Scheffler.
A equipa também analisou os dados sobre o tamanho dos animais caçados pelas mulheres, que foram registados em 45 sociedades. Em 46% dos casos, tratava-se de caça pequena, como lagartos e roedores, 15% de caça média e 33% de caça grande. Em 4% das sociedades, as mulheres caçavam animais de todos os tamanhos.
A análise revelou também as estratégias de caça das mulheres, provando que eram mais flexíveis do que as dos homens. “Os homens eram ensinados a caçar de uma forma específica e tinham um tipo de ferramenta muito particular que usavam”, enquanto as mulheres escolhiam a ferramenta que quisessem na altura, disse Wall-Scheffler. ” Desempenhavam um papel importante no ensino das crianças, mas era flexível com base nas preferências pessoais”.
“Todos tinham tomado esta hipótese do homem-caçador como um dado adquirido. Por isso, ninguém decidiu realmente avaliá-la”, diz Randy Haas, antropólogo da Universidade Estadual de Wayne. “Não era uma questão que passasse pela cabeça de muita gente.”
Segundo Cara Wall-Scheffler, este episódio recorda-nos por que razão é tão importante garantir que a comunidade científica inclua pessoas de diversas origens.
“As ideias preconcebidas que todos temos quando olhamos para um conjunto de dados moldam realmente o resultado”, afirma. “Espero que as pessoas voltem a olhar para alguns dos dados que já possuem para ver que novas questões podemos colocar.”