Como é que decidimos que fila escolher nas caixas do supermercado? Foi a partir desta escolha, aparentemente simples, do dia-a-dia de qualquer pessoa que um grupo de investigadores partiu para estudar os processos envolvidos na tomada de decisões.
Porque, por muito simples que pareça, a escolha pode envolver um número alargado de estratégias de decisão, desde contar o número de pessoas em cada fila, o número de artigos no carrinho ou mesmo a velocidade de cada operador.
De acordo com as conclusões de um estudo divulgado hoje, perante uma decisão com tantos fatores a considerar, o cérebro é capaz de calcular várias estratégias alternativas de decisão em simultâneo, em vez de se comprometer apenas com uma.
O estudo foi conduzido por três investigadores, na Fundação Champalimaud em Lisboa, que desenharam uma espécie de mundo virtual para ratinhos, onde tinham como tarefa procurar água.
Neste mundo virtual, qualquer zona podia oferecer água, mas de forma inconsistente, ou seja, “de um momento para o outro pode “secar” e deixar de dispensar água”, explica a Fundação em comunicado, acrescendo que, dessa forma, os ratinhos tinham que decidir quando sair de um determinado local e ir para outro.
Um pouco à semelhança das filas de supermercado, também esta escolha pode envolver várias estratégias, cada uma combinando, neste caso, erros e tentativas bem-sucedidas ao longo de tempo de forma particular e, portanto, com uma “assinatura do tempo decorrido”, ou variável de decisão, própria.
Dessa forma, quando monitorizavam a atividade de grandes grupos de neurónios individuais no córtex pré-motor enquanto os ratinhos desempenhavam a tarefa, foi possível aos investigadores procurar combinações dos perfis temporais de atividade dos neurónios pré-motores, que poderiam assemelhar-se às variáveis de decisão associadas a diferentes estratégias.
A conclusão surpreendeu a equipa: “Apesar de cada ratinho se concentrar na sua própria estratégia, os seus cérebros não”.
“O cérebro pode realmente executar várias estratégias de contagem diferentes ao mesmo tempo, o que nos remete para o conceito de superposição na mecânica quântica”, refere Zack Mainen, um dos investigadores principais, citado em comunicado.
Como explica outra das investigadoras, Fanny Cazettes, apesar de a atividade no córtex pré-motor refletir a estratégia que o animal estava realmente a usar, refletia também “variáveis de decisão alternativas úteis para a mesma tarefa e até mesmo variáveis de decisão úteis para outras tarefas”.
As conclusões abrem agora porta a novas formas de pensar os processos envolvidos na tomada de decisões, explica a investigadora, adiantando que o próximo passo será investigar como o cérebro seleciona entre diferentes variáveis de decisão e como essas decisões são traduzidas numa ação.
Alfonso Renart, também investigador principal, sublinha que a possibilidade de representar, em simultâneo, as estratégias usadas e não utilizadas poderá facilitar a flexibilidade cognitiva e de aprendizagem, uma vez que “a mudança de estratégias requer apenas que seja dada atenção à variável de decisão pré-computada correta, em vez de construí-la do zero”.
“[As conclusões] podem ainda ter implicações para o desenvolvimento de sistemas de ‘machine learning’ [a utilização de dados e algoritmos para imitar a forma como os humanos aprendem] mais flexíveis e adaptáveis, o que poderá ser particularmente útil em situações onde há um alto grau de incerteza ou complexidade”, acrescenta Zach Mainen.
MYCA // FPA