Foi a 12 de junho de 2009 que Kathryn Mayorga terá conhecido Cristiano Ronaldo num clube noturno de Las Vegas. Às primeiras horas dessa manhã, terão voltado a encontrar-se na penthouse de um hotel de luxo. Ela terá levado uma amiga, ele estaria com um cunhado e um primo. É nesta penthouse – que incluía um jacuzzi com vistas panorâmicas – que Kathryn, hoje com 34 anos, diz ter sido vítima de violação anal por parte do jogador português. Cristiano Ronaldo diz que o sexo foi consensual mas a Der Spiegel tem publicado emails e sms que comprometem esta versão do atleta. Em 2010, Kathryn e Ronaldo terão assinado um acordo extrajudicial: em troca de 375 mil dólares, a então aspirante a modelo, que trabalhava na discoteca a atrair clientes para o bar, desistia de seguir com o caso para a justiça e comprometia-se a nunca falar sobre o caso.
A história era quase secreta até que em 2017 a revista alemã Der Spiegel escreveu pela primeira vez sobre o caso, tendo por base documentos a que teve acesso via Football Leaks. Nessa altura, a alegada vítima decidiu ficar em silêncio. Agora, mais de nove anos depois dos acontecimentos, dizendo-se inspirada pelo movimento #metoo, Kathryn Mayorga resolveu dar a cara, acusar publicamente Cristiano Ronaldo e levar o caso à justiça. A sua equipa de advogados avançou com uma ação cível – se Kathryn a ganhar, terá direito a uma indemnização – e quer reabrir o processo-crime, tendo por base o argumento de que o acordo extrajudicial assinado em 2010 deve ser anulado porque Kathryn Mayorga não estava em condições de o assinar. Se o processo-crime avançar para julgamento, Cristiano Ronaldo arrisca prisão perpétua.
Mas afinal, perante o que já sabe, o que pode tramar Ronaldo na Justiça e o que é que o jogador tem a favor dele?
Contra Cristiano Ronaldo
Os exames médicos
Horas depois da alegada violação, Kathryn chamou a polícia e foi para o hospital fazer os exames médicos que se usam em casos de abusos sexuais. Segundo a Der Spiegel, a enfermeira escreveu que o reto da paciente tinha sido penetrado e que a ejaculação tinha acontecido “nas mãos” do alegado agressor (não é explicado como se chegou a esta conclusão). Foram recolhidas amostras de ADN do ânus e da boca e dois ferimentos terão sido fotografados: um inchaço circunferencial com hematomas e uma laceração. Só os especialistas poderão agora explicar se os ferimentos denunciam efetivamente uma violação ou se também podem ser compatíveis com uma relação sexual rude, mas consentida – como Cristiano Ronaldo alega.
A favor de Cristiano Ronaldo
Ausência de marcas defensivas
A alegada vítima tem insistido que Cristiano Ronaldo usou a força física para a penetrar, mesmo quando dizia “não”. Até à data, porém, não é conhecido se Kathryn apresentava marcas físicas ou outros sinais de defesa. Esse será certamente um argumento usado pela defesa de Ronaldo se o caso avançar para julgamento – a par da ausência de gritos ou pedidos de socorro por parte da alegada vítima (mesmo quando uma pessoa entrou no quarto e interrompeu). Essa ausência é corroborada tanto pela versão de Kathryn como pela versão que Ronaldo terá dado aos seus advogados, num longo questionário, citado em parte pela Der Spiegel. A verdade, porém, é que mesmo que Kathryn não se tenha digladiado fisicamente, nada disso prova que não foi violada. Os especialistas dizem que nem todas as mulheres reagem da mesma maneira a uma agressão.
Contra Cristiano Ronaldo
A confissão de que Kathryn terá dito não
Devido a uma fuga de informação do Football Leaks, a Der Spiegel teve acesso a um alegado questionário de mais de 200 perguntas enviado a Cristiano Ronaldo pelos seus advogados em setembro de 2009, no âmbito da preparação do acordo extrajudicial. Se em dezembro o jogador alegou sexo consensual, em setembro, segundo a revista alemã, Cristiano Ronaldo terá respondido assim a uma das perguntas do questionário: “Ela disse “não” e “para” várias vezes.” Segundo Ronaldo, a alegada vítima estaria deitada ao seu lado. “Eu penetrei-a por detrás. Foi rude. Não mudámos de posição. 5/7 minutos. Ela disse que não queria, mas mostrou-se disponível.” E depois: “Mas ela continuava a dizer “não”.”, “Não o faças”, “Não sou como os outros”, desculpei-me a seguir.” Este é talvez o ponto mais sensível para Ronaldo – porque aqui o jogador admite que Kathryn lhe disse para parar. Falta conhecer o resto do questionário para poder avaliar o que Ronaldo poderá ter dito em resposta às outras questões e também a versão do primo e cunhado do jogador, que estavam na penthouse, e também foram chamados pelos advogados a dar a sua versão dos acontecimentos.
A favor de Cristiano Ronaldo
O vídeo que mostra o flirt na discoteca
É talvez o ponto mais frágil da versão da alegada vítima. As imagens de um vídeo divulgado pelo “The Sun” não condizem com a versão fugaz que Kathryn dá sobre a forma como conheceu Cristiano Ronaldo na zona vip de uma discoteca em Las Vegas, horas antes da alegada violação na penthouse com vistas panorâmicas sobre a cidade. A alegada vítima diz que Ronaldo lhe deu o número de telefone e que de seguida lhe enviou um sms a convidá-la para uma festa no hotel. O vídeo, porém, mostra que antes disso os dois se envolveram na discoteca, enquanto dançavam na pista, e que não terá havido apenas uma troca de números. Ronaldo, porém, terá dito aos advogados, em setembro de 2009, que não deu o número à americana, antes a convidou diretamente para passar no seu hotel, algo que Kathryn terá feito voluntariamente, na companhia de uma amiga. Outra parte da história ainda por explicar é se a suposta violação teve repercussões no casamento da alegada vítima ou qual o papel do marido ou ex-marido nos tempos que se seguiram à alegada violação. Um texto da Der Spiegel diz que era casada à data com um barman albanês mas que nos documentos não havia qualquer referência a este homem; um segundo texto da revista alemã, já de 2018, diz que Kathryn casou em 2008 e se separou cerca de um ano depois, mas não especifica o mês.
Contra Ronaldo/a favor de Ronaldo
O acordo extra-judicial
Este argumento pode servir para atacar qualquer uma das partes. Cristiano Ronaldo aceitou pagar 375 mil dólares para que Kathryn nunca falasse sobre o caso, o que para muitos é, por si só, uma confissão de culpa. O agente e advogados do jogador alegam, no entanto, que o fizeram apenas para que a história não causasse danos na imagem do atleta, numa altura em ia ser transferido para o Real Madrid. Por outro lado, também a alegada vítima aceitou calar-se sobre uma alegada violação em troca de dinheiro, algo que a defesa de Ronaldo pode usar para a acusar de chantagem e oportunismo. Kathryn explica que não avançou judicialmente porque foi desincentivada pela polícia a avançar com a queixa e porque temia ver o seu nome descredibilizado na praça pública.