O Tribunal Cível de Lisboa concluiu que os serviços médicos prestados a Tereza Coelho, na Cuf Descobertas, no final de 2008, lhe retiraram probabilidade de vida. Por isso, condenaram o hospital do grupo Mello Saúde a indemnizar a família em mais de cem mil euros, que se somam a quantia idêntica a pagar pela seguradora Fidelidade.
A argumentação da juíza Higina Castelo é considerada inédita, pelo que poderá mesmo fazer jurisprudência numa área – a negligência médica – em que a Justiça em Portugal tem sido conservadora.
“É possível que seja o primeiro acórdão em Portugal a alegar perda de chance”, admite a advogada Filomena Girão. O conceito, considerado pioneiro em Portugal na área da saúde, tem sido aplicado com mais frequência a advogados, quando não cumprem todo o seu dever perante os clientes, deixando, por exemplo, esgotar prazos. No caso de Tereza Coelho, a juíza entendeu que o facto de o médico não ter pedido mais exames, nomeadamente uma radiografia aos pulmões, retirou probabilidade de sobrevivência (“perda de chance”) à doente. Uma alegação, diz Filomena Girão, que torna esta decisão “interessantíssima para a defesa dos direitos dos pacientes em casos de negligência médica”.
A fundadora da Associação Lusófona do Direito da Saúde admite que “no campo da responsabilidade médica, é a primeira vez que se vê uma condenação apenas pela perda de chance”. Na sentença, lê-se que a Cuf “tinha a obrigação contratual de ter agido de outra forma, de ter realizado determinados exames que teriam permitido diagnóstico certo e de ter assistido e medicado a paciente em conformidade”. O erro do hospital privado, escreve a juíza, levou a uma “redução drástica da probabilidade de sobreviver” e “contribuiu de forma pesada para a morte da cliente”. Embora clara ao senso comum, a alegação não é vulgar, como é admitido no próprio acórdão.
Ironicamente, o caso chegou a tribunal não porque a família de Tereza Coelho, editora do escritor António Lobo Antunes, quisesse processar o hospital por negligência, mas porque a Cuf insistia em apresentar a conta pelos serviços que não conseguiram salvar a mulher do escritor Rui Cardoso Martins.
A ex-jornalista do Público morreu, aos 49 anos, de septicemia, no Hospital Cuf Descobertas, depois de ter sido enviada para casa com um diagnóstico de amigdalite. A juíza considerou que houve responsabilidade pela “perda de chance”.
Contactado pelo VISÃO, o grupo Mello informou que irá recorrer da decisão. A morte de Tereza Coelho, que deixou dois filhos órfãos, com 8 e 10 anos na altura, segue agora para a Relação. Aí se decidirá se fará ou não jurisprudência.