No início foi o Vine
Os quatro tinham perfis individuais no Vine, a rede social de vídeos de 6 a 7 segundos, muitos deles filmados em modo selfie. Conheceram-se entre likes, nas páginas uns dos outros, e, depois, cimentaram a cumplicidade no curso de escrita de humor de Rui Sinel de Cordes, que lhes deu um conselho: “Arranjem um gap no mercado e especializem-se.” O Bumerangue foi para o ar em fevereiro deste ano, com dois vídeos semanais publicados às quintas e domingos, sempre às nove da noite.
Seis meses antes, já Carlos, Guilherme, Manuel e Pedro tinham começado a escrever textos para estes “quadros de humor muito rápidos e visuais para gente jovem”.
“O facto de ser experimental não quer dizer que seja feito em cima do joelho”, adverte o quarteto de guionistas e intérpretes, que também começa a dar os primeiros passos em palco, fazendo stand-up comedy.
De que falam?
Os temas da atualidade podem tornar os sketches virais, mas também lhes dão um prazo de validade. “Não vamos muito pelo humor político, por exemplo, para ter piada hoje e daqui a três meses. Preferimos abordar temas com os quais nos identificamos, como as redes sociais, o mundo universitário, as saídas à noite ou os namoros”, justificam.
A estreia do coletivo aconteceu no vídeo Abertura Fácil, com apenas 19 segundos. Entretanto, as ideias proliferaram, os textos cresceram e os vídeos, por vezes, ultrapassam os dois minutos. Mas “o desafio é manter em um minuto e meio.” Para os vídeos da segunda temporada preocupam-se em não utilizar referências muito específicas, como ao Colégio São João de Brito, à discoteca Urban Beach ou ao Cais do Sodré, e irem por assuntos mais abrangentes (hipsters, Sida, férias com amigos, formas de acabar uma relação, jovens sem acesso às tecnologias ou empreendedorismo).
“Queremos sair do nicho e chegar a um público mais velho e menos urbano”.
‘Silêncio! Vamos gravar. Ação!’
É no cabelo que todos mexem cada vez que a gravação é interrompida. Preocupados com a aparência, ensaiam o improviso e seguem o guião nos smartphones. Já tiveram a “ideia medieval” de ler o guião em papel… mas não resulta.
“São sketches muito visuais”, normalmente, começam com um plano geral e uma espécie de conversa em nada relacionada com o tema do vídeo. O produtor, realizador e faz-tudo Miguel Faria, 33 anos, habituado a trabalhar em cinema, vê-se muitas vezes obrigado a tomar conta deste quarteto fantástico. “Dou por mim e estão todos a tirar fotos e a mexer nos telemóveis”.
Desta vez, numa conversa de café, gozam com diferentes pronúncias da palavra inglesa entrepreneur, que significa empreendedor, mas que, na opinião do Bumerangue, poucas pessoas sabem dizê-la. Pelo meio, misturam o uso exagerado de termos que refletem tendências atuais, como artesanal, caseiro, low cost, showroom, catchy, premium, trendy e gourmet.
Quem os faz rir
“Somos de uma geração que não viu o Herman José, ou melhor, viu mas fora do tempo”, assumem. Por isso, as suas referências humorísticas passam, sobretudo, por fenómenos da internet, como os brasileiros Porta dos Fundos e Rafinha Bastos, ou o português Ferro Ativo (de Frederico Pombares, Henrique Dias e Roberto Pereira). Na escrita, citam nomes como João Quadros, Rui Sinel de Cordes e Salvador Martinha e são fãs de Bo Burnham, Jim Jefferies, Jimmy Carr, Louis C.K. e Ricky Gervais.
Por serem quatro, por terem começado na internet e conquistarem agora um lugar na SIC Radical, não temem comparações com o Gato Fedorento? “A única razão para nos compararem é por o Manuel ser igual ao José Diogo Quintela”, brinca Guilherme.
“A nossa linguagem é mais urbana, o Gato usava mais a caracterização, interpretando personagens como o matarruano, o saloio ou o talhante, nós somos sempre nós próprios”. Manuel vai mais longe e considera despropositado serem comparados a pessoas que já trabalhavam em humor há dez anos.
“Nós criámos o nosso próprio projeto mas sem a experiência deles. Somos umas crianças neste meio.”
Do Facebook para a TV
Primeiro, o texto e o ritmo. Depois a contemporaneidade e noções apuradas de técnicas de televisão. Estas foram as principais razões para Pedro Boucherie Mendes, 44 anos, diretor dos canais temáticos da SIC, aceitar o desafio de os pôr no ar, na SIC Radical.
Com os sketches da primeira temporada já a passarem entre os programas, uma das grandes mais-valias do Bumerangue é o facto de serem realmente curtos, mas a “competência como estão filmados também ajuda”, diz o diretor dos canais temáticos da SIC.
“Não somos amadores, apesar de ser através do Facebook que começámos.” Com mais de 7 mil seguidores na rede social, veem a passagem para o ecrã com naturalidade: “Basicamente, vai ficar tudo igual.”
Sem fazer futurologia, Pedro Boucherie Mendes entende que o fenómeno Gato Fedorento “é irrepetível”, mas não tem dúvidas de que estes quatro também vão longe. “Se vão fazer campanhas para o Meo não sei. Se calhar farão para o Netflix.”
QUEM É QUEM
Manuel Cardoso
Aos 20 anos, tem uma única convicção: “Vou trabalhar em humor, só não sei em que formato, e como vai acontecer.” Depois de, aos 14 anos, ter chegado à final de Cómicos de Garagem, das Produções Fictícias, estagnou, até aos 18 anos. Seguiu-se um estágio, no Canal Q e num programa do Rui Sinel de Cordes. Pelo meio, fundou o grupo Comedy Pack, de stand-up. Agora, interrompida a licenciatura em História, está a estudar Escrita para TV e Cinema, na Restart, com Possidónio Cachapa e Nuno Costa Santos como professores. É no palco, e sozinho, que se sente melhor. “Ali,só dependo de mim e o feedback é imediato”. Mas sente que precisa de desenvolver o à vontade para falar em público. Aos domingos, também joga futebol de cinco, “mas quase ninguém acredita”.
Guilherme Geirinhas
Queria ser “cirurgião dos olhos” e chegou a frequentar o primeiro ano de Medicina antes de mudar para Economia, a que se seguiu o Erasmus em Itália e um mestrado em Gestão. Desde o mês passado, Guilherme, 24 anos, trabalha como copywriter, na agência de publicidade Bar. “Estou na fase de tábua rasa, absorvo tudo.” Viciado em redes sociais, com perfis, pelo menos, no Facebook, no Twitter, no Instagram e no Vine, é sozinho, entre a meia-noite e as duas da manhã, que gosta de escrever os sketches, nos quais costuma brincar com figuras públicas.
Carlos Vilhena
Aos 21 anos, e no início do curso de Estudos Gerais, com especialização em escrita, Carlos divide o seu tempo entre as (poucas) aulas, a escrita e as gravações para o Bumerangue, as atuações em bares, o final de noite na discoteca Urban e os jogos de futebol de cinco, aos domingos. Com Manuel, partilha, por vezes, o palco e o relvado. Daqui a um ano e meio, quer estar em São Paulo, no Brasil, onde o mercado é muito maior. “Em Portugal, dez minutos do meu repertório esgotam-se em poucas apresentações. No Brasil, há comediantes que, na mesma noite, atuam em dois ou três sítios. O humor é o único ‘plano A’ que tenho para a minha vida.”
Pedro Teixeira da Motta
Se há um ano lhe dissessem que a sua vida iria passar pelo humor, Pedro teria muitas dúvidas. Hoje, aos 20 anos, e a terminar o curso de Gestão, foi o último dos quatro a ter aulas de escrita com Rui Sinel de Cordes e a aventurar-se na stand-up comedy. Orgulhoso por saber tocar piano e bateria, sempre que pode escreve, usando uma pitada de humor de exagero e metendo lebres e pombas nas suas histórias…