Linha de vida. Assim se chama o cabo que, habitualmente, garante a segurança dos duplos de cinema durante as suas manobras mais arriscadas. Um procedimento que o norte-americano Carlos Lopez IV conhecia bem. Aos 25 anos, já somava 23 filmes e séries de TV no seu palmarés, enquanto duplo. Assalto à Casa Branca, Tartarugas Ninja: Heróis Mutantes ou Os Jogos da Fome: Em Chamas são apenas alguns exemplos das longas-metragens em que participou. Na madrugada da passada quinta-feira, 2, o jovem terá optado por desafiar todas as normas de segurança, arriscando um salto entre uma janela do 4.º andar, nas traseiras do hostel Goodnight, na Baixa lisboeta, onde estava alojado, e o prédio em frente, a dois metros de distância. A proeza terminou em tragédia, após a queda de uma altura de 16 metros.
Carlos estava de férias em Portugal com a namorada. Na terceira e última noite de estada, o casal regressou ao hostel para lá das 2h da manhã, na companhia de um pequeno grupo de norte-americanos com quem haviam travado amizade no alojamento (e que fariam parte do grupo de hóspedes aos quais o duplo mostrou alguns vídeos seus de proezas falhadas…). Subiram para os quartos e, por volta das 3h50, quando a namorada já estaria deitada, o rapaz dirigiu-se à casa de banho comum dos hóspedes do quarto piso. Fechou a porta e não voltou a sair.
O estrondo da queda sobressaltou um dos hóspedes norte-americanos que estaria na casa de banho do 3.º andar e o staff do hostel, que deu o alarme. Quando o INEM chegou, já não havia nada a fazer.
Foi aberto um inquérito pela Polícia Judiciária (PJ), que só estará concluído depois de serem conhecidos os resultados da autópsia – por exemplo, ao nível das análises toxicológicas, o que deverá acontecer dentro de duas semanas. Fonte da PJ revelou à VISÃO que o inquérito deverá ser “pacífico”, visto que “não existem quaisquer indícios de crime”. Apesar de não ter havido testemunhas, a polícia acredita que Carlos Lopez terá tentando saltar de um edifício para o outro e que algo correu mal, como indicam algumas tubagens dobradas, às quais o norte-americano se terá tentado agarrar – a gerência do hostel já o teria advertido por algumas manobras arriscadas numa varanda do edifício.
Riscos (mal) calculados
Devido à sua participação em diversos blockbusters, a notícia da morte do jovem correu mundo. O tabloide britânico Mirror apelida Carlos Lopez de “fanático pelo parkour”, uma modalidade urbana que implica superar obstáculos da forma mais eficiente possível, usando apenas o corpo. Os saltos são as principais proezas dos traceurs (o nome dado aos praticantes). Surgida em França, no início da década de 2000, a modalidade chegou a Portugal há menos de dez anos. Atualmente, existirão cerca de 400 praticantes nacionais, sobretudo na faixa etária entre os 15 e os 19 anos. O instrutor Luís Alkmim, 23 anos, admite que é um desporto “radical”, mas garante que antes de fazerem um salto os traceurs “treinam muito no chão”. Em sete anos de parkour, diz, “é a segunda vez que ouviu falar num acidente fatal. “O outro caso aconteceu na Rússia, há dois anos”, recorda.
Carlos Lopez era novo no parkour e poderá ter sido a inexperiência a traí-lo. “Um salto de dois metros de distância é pouco para um praticante regular, mas não basta medir a distância, é preciso avaliar o perigo do local, ver se as calças podem ficar presas em algum sítio, se as mãos escorregam ou se o lugar para onde vamos saltar é seguro”, alerta Luís. O também ator saltou num local desconhecido, com pouca luminosidade e, no mínimo, com o cansaço do dia acumulado. Impossível resistir à tentação? “Às vezes há uma necessidade de arriscar”, confessa o duplo da Madstunts, David Chan, 32 anos, depois de tecer elogios ao talento de Carlos Lopez. Quando se desafia a sorte, é essencial um “plano b”: “Se o meu pé escorregar, o que faço? Há que avaliar qual poderá ser o desfecho mais grave. Posso estar disposto a partir um braço, mas não a morrer”, diz.
O psicólogo Paulo Sargento, 48 anos, acredita que muitos “buscadores de sensações” procuram profissões ligadas ao risco. “Há pessoas que têm um défice de substâncias como a serotonina, a chamada hormona de felicidade, e estão sempre em busca de novas sensações”, explica o docente universitário. Não o surpreende, por isso, que o jovem duplo tenha tentado uma manobra arriscada sozinho, sem necessidade de se exibir: “Os ‘buscadores de sensações’ são gratificados internamente, competindo consigo próprios.” O que acaba por ter como consequência “comportamentos arriscados e uma frágil capacidade para controlar o impulso”. O diretor da escola de duplos da Carolina do Norte (a terra natal de Carlos), Dale Girard, 50 anos, não associava uma personalidade impulsiva ao amigo. “Ele era muito divertido, mesmo quando trabalhávamos em condições difíceis. Estava sempre focado e lembro-me de, na escola, o ver praticar até na hora do almoço. Não o imagino a arriscar uma coisa destas”, diz, à VISÃO. Mas a namorada de Carlos, Chuanie Liang, saberia que ele gostava de arriscar. Depois de ouvir o estrondo provocado pela queda, ainda lhe enviou um SMS: “Espero que não sejas tu.”