O dinheiro serviria para compensar a morte de um familiar, coisa sem preço. Mesmo assim, a indemnização – mais de 100 mil euros – era invulgar para um acidente de viação. Não se estranha, por isso, que o advogado de Cantanhede, José Mendes Saraiva, 68 anos, tenha sentido a conquista da avultada quantia como uma vitória pessoal. Afinal, se não fosse a combatividade em tribunal e a capacidade de trabalho que sempre lhe foram reconhecidas em mais de trinta anos de profissão, provavelmente, o resultado não teria sido tão frutuoso para o cliente.Até aqui, são os próprios colegas de profissão a admitir que o desfecho judicial teve méritos de advogado. O problema foram as ações a que o orgulho haveria de levar. Em vez de chegar às mãos dos familiares das vítimas, o dinheiro foi direitinho para a conta do advogado. E nunca mais de lá sairia, caso o cliente não tivesse procurado explicações junto da seguradora, que o informou do cheque já entregue ao jurista da zona centro. Sempre que o queixoso ligava para o escritório a saber do andamento do processo, as desculpas para a demora na entrega da indemnização recaíam sobre os pecados da Justiça. Tudo atrasado porque, alegava Mendes Saraiva os tribunais estavam “moribundos”. Assim haveria de constar no acórdão da Relação, que indeferiu o recurso da defesa. Pena de prisão de três anos, por este abuso e por outro de contornos semelhantes, foi a sentença confirmada por todas as instâncias. O castigo ficaria suspenso, desde que fossem devolvidos aos donos legais os milhares de euros arrecadados indevidamente. Entre compensações e juros a quantia rondava os 400 mil euros, entretanto já pagos, segundo o advogado do réu, Rodrigo Santiago. José Mendes Saraiva, que havia de suspender a atividade por doença, cometeu o crime mais comum entre a sua classe profissional: abuso de confiança. E é um exemplo de como a linha que separa a defesa de criminosos e a prática de crimes anda cada vez mais atravessada por advogados. Apesar da frequência crescente de excessos como este, foi a acusação de homicídio contra Duarte Lima (ver caixa) que deixou o mundo judicial com o credo na boca. Estão ainda por provar as alegações que levaram as instâncias brasileiras a emitir um mandado de captura para a prisão preventiva do jurista, mas já ninguém duvida de que alguma coisa vai mal na advocacia nacional.
Quantos mais, pior
Isso mesmo provam os números. Só nos últimos seis anos foram suspensos ou expulsos – as duas penas mais graves – 170 advogados. Se lhes somarmos as punições de advertência, censura e multa, conclui-se que a percentagem de profissionais castigados por má conduta ou mesmo prática de crimes no exercício da profissão chega aos 7 por cento. Só Lisboa contabiliza oito queixas por dia. Mesmo descontando os casos em que as reclamações são infundadas, continua a ser preocupante. “Desde janeiro, temos feito dois julgamentos por plenário, o que dá quatro por mês. E apenas chegam a julgamento os processos em que a pena potencialmente aplicável é a suspensão ou a expulsão”, afirma Teresa Alves Azevedo, vice-presidente do Conselho de Deontologia de Lisboa.
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