A estreia de João Oliveira no Parlamento Europeu ficou marcada pela oposição às decisões aprovadas pelo hemiciclo. As reeleições de Roberta Metsola e Ursula von der Leyen são, para o antigo deputado do PCP, “más notícias” para a Europa, mas foi a aprovação de novo pacote de ajuda à Ucrânia que dominou a insatisfação do novo eurodeputado português. “Temos uma posição muito clara quanto a isso: não nos desviaremos da luta pela paz, da denúncia de todos aqueles que querem a guerra, do confronto com aqueles que querem mais mortes, mais destruição, mais negócios milionários de vender armas e a fomentar a guerra”, afirma. “O combate pela paz”, diz João Oliveira, está no topo das prioridades para o mandato dos próximos cinco anos.
A sua estreia no Parlamento Europeu decorreu numa sessão plenária que ficaria marcada pelas reeleições de Roberta Metsola [como presidente do Parlamento Europeu] e Ursula von der Leyen [como presidente da Comissão Europeia] e pela aprovação de uma resolução de apoio à Ucrânia. Que balanço faz do arranque desta legislatura?
Diria que o arranque da legislatura ficou, de facto, marcado por decisões que não foram boas para os povos. Quer em relação às reeleições de Roberta Metsola e Ursula von der Leyen, quer em relação ao conteúdo das discussões que foram feitas, nomeadamente essa resolução para a continuação da guerra na Ucrânia, nenhuma das decisões foi uma novidade, mas nenhuma delas é uma boa notícia. É a mesma perspetiva das decisões que têm sido tomadas na União Europeia (UE), incapazes de resolver problemas como os da habitação, da saúde, dos salários e das pensões, da valorização dos serviços públicos, da melhoria da capacidade produtiva de cada país…
Votou contra a resolução, em linha com aquela que tinha sido a posição, na anterior legislatura, dos eurodeputados do PCP. Sandra Pereira e João Pimenta Lopes chegaram mesmo a ser classificados como “os maiores amigos de Putin” no Parlamento Europeu, num artigo do jornal norte-americano Político, devido às posições sobre a guerra na Ucrânia. Que leitura faz desta classificação e o que se pode esperar do eurodeputado João Oliveira sobre este assunto?
Essa classificação “amigos de Putin” é, pura e simplesmente, propaganda de guerra. Quem faz a guerra, quem lucra milhões com a guerra, não quer que se fale de paz. E se alguém falar de paz é, imediatamente, rotulado de qualquer coisa, para que se anule todo o discurso. E é preciso que as pessoas percebam que isso é feito para que aqueles que têm uma perspetiva de paz, que querem o fim da guerra, não tenham espaço e se encolham. São apenas ofensas e calúnias. É preciso que aqueles que estão verdadeiramente preocupados com a continuação da guerra, com um conflito de cariz nuclear, não se desviem um centímetro do caminho de defesa da paz, mesmo que tenham de enfrentar esse tipo de acusações.
Podemos concluir, então, que a sua posição não vai passar por uma posição de apoio à Ucrânia da forma que tem sido votada no Parlamento Europeu…
Temos uma posição muito clara quanto a isso: não nos desviaremos da luta pela paz, da denúncia de todos aqueles que querem a guerra, do confronto com aqueles que querem mais mortes, mais destruição, mais negócios milionários de vender armas e a fomentar a guerra. Isso não serve aos povos. O que serve aos povos é o caminho da paz, e sempre que houver iniciativas deste género no Parlamento Europeu, que insistam no caminho da guerra, continuaremos a combatê-las, a votar contra e a denunciar o que se procura fazer com este tipo de iniciativas. A resolução aprovada tem três elementos esclarecedores: fala, pela primeira vez, da guerra “pelo tempo que for necessário”; exige a cada Estado-membro um esforço financeiro, que, no caso de Portugal, corresponde a 640 milhões/ano para alimentar a guerra indefinidamente; e, por último, não fala de uma única medida que possa contribuir para uma solução de paz. Não há uma. E isso basta para revelar as reais intenções de quem apresenta e aprova aquelas resoluções.
O Parlamento Europeu “guinou” à direita após as eleições de junho. Como observa o crescimento da extrema-direita no hemiciclo?
É uma evidência, não é? O crescimento das forças de extrema-direita é um dado objetivo, há mais deputados desse espectro político, e aquilo que se vai ouvindo e vendo na Europa por parte desses deputados corresponde, exatamente, ao que já se esperava do papel da extrema-direita… Temos visto, em vários governos nacionais, que quando a extrema-direita chega ao poder não resolve nenhum dos problemas que antes identificava, mas apenas se posiciona ao serviço dos grandes grupos económicos e financeiros, que, na verdade, foi o que sempre fez na História. O que importa, neste momento, é perceber como se pode fazer o combate à extrema-direita.
E como pode ser feito?
De forma diferente da que tem sido feita. Continuo convencido que a forma mais eficaz e estrutural para derrotar a extrema-direita é dar resposta aos problemas económicos e sociais dos povos, fazer políticas diferentes das que têm sido feitas pela UE, romper com o neoliberalismo que serve os grandes grupos económicos e financeiros, a banca, mas que não serve os povos, os trabalhadores, os reformados e os jovens. As políticas adotadas têm criado nas pessoas profunda desilusão e descontentamento, porque negam a resposta às necessidades mais básicas, de emprego, habitação, saúde, educação, proteção social… Só rompendo com essas políticas é possível fazer frente à extrema-direita, não apenas porque se vai a raiz dos problemas de que se alimentam esses movimentos – e através dos quais instrumentaliza o descontentamento dos povos, não para dar respostas, mas apenas para capitalizar apoios –, como também é o caminho para se aprofundar a democracia para o futuro.
No hemiciclo do Parlamento Europeu fala-se muito do “cordão sanitário” aos eurodeputados de extrema-direita. É importante mantê-lo?
Não quero desvalorizar o “cordão sanitário”, porque é diferente haver ou não partidos de extrema-direita em posições institucionais relevantes. Mas acredito que o caminho verdadeiramente substancial, que permite combater mais eficazmente a extrema-direita, tem de ser o da resposta aos problemas económicos e sociais dos povos, garantindo que se faça um verdadeiro aprofundamento da democracia.
Começou, agora, uma caminhada de cinco anos. Pessoalmente, que metas definiu para este mandato 2024-2029?
Há, para começar, um elemento de referência que é muito exigente: manter o nível de intervenção no Parlamento Europeu que os deputados do PCP habituaram os portugueses. A intensidade e a profundidade da nossa intervenção coloca uma grande exigência para os próximos cincos anos. Claro que a redução da nossa representação cria naturais dificuldades do ponto de vista da capacidade concreta que temos para fazer o nosso trabalho, mas é algo que tem de ser superado. Depois, diria que as questões da luta pela paz estão, neste momento, no topo das nossas prioridades. Continuaremos, naturalmente, a estar atentos e a dar respostas ao problemas económicos e sociais que o nosso País atravessa. São questões que consideramos prioritárias.