Numa versão benigna, foi a mãozinha que supostamente deu a velhos amigos, alegadamente envolvidos num esquema ilícito de atribuição rápida de vistos gold a cidadãos chineses, que deixou Miguel Macedo em maus lençóis e pode conduzir a acusações graves contra o ex-ministro da Administração Interna, que se demitiu a 11 de novembro de 2014.
Para a procuradora Susana Figueiredo, do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), do Ministério Público (MP), a averiguação da PJ, na Operação Labirinto, recolheu indícios suficientemente fortes para atribuir ao ex-governante (ouvido pela magistrada nos passados dias 8 e 11, e que saiu do DCIAP com a medida de coação mais leve, Termo de Identidade e Residência) três crimes de prevaricação por titular de cargo político e um de tráfico de influência. E, em todos eles, surgem os tais velhos amigos: António Figueiredo, ex-presidente do Instituto dos Registos e Notariado (em prisão preventiva desde novembro de 2014), e Jaime Gomes, empresário e ex-sócio de Macedo. Saiba o que está em causa.
SÓ ENTRE NÓS?
Segundo o MP, o ministro Miguel Macedo forneceu ao seu ex-sócio Jaime Gomes o caderno de encargos de um concurso público que ainda não tinha sido lançado, o que conferiu ao amigo do governante “uma posição de vantagem” com essa informação privilegiada.
O OFICIAL DE LIGAÇÃO ABORTADO
Alega o MP que Miguel Macedo ordenou a Manuel Palos, então diretor do SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (também arguido no processo), a nomeação de um oficial de ligação em Pequim, para “satisfação de interesses de natureza privada e lucrativa” de Jaime Gomes, António Figueiredo e do empresário chinês que, alegadamente, com eles colaborava, Zhu Xiaodong. Esse oficial de ligação supostamente ajudaria na angariação de clientes chineses para os vistos gold. Mas a mencionada nomeação seria de súbito abortada, em 2014, quando uma fuga de informação tornou pública a investigação da PJ à concessão dos vistos dourados.
DA LÍBIA, COM FERIMENTOS
O MP atribui outra ordem de Miguel Macedo a Manuel Palos, no sentido de alegadamente favorecer a empresa Intelligent Life Solutions (ILS) – VER MAIS NO FINAL DESTA PÁGINA* – na emissão de vistos de estada temporária. A ILS tinha um acordo com o Ministério da Saúde da Líbia que previa o tratamento de feridos de guerra líbios em dois hospitais privados portugueses (Prelada, no Porto, e Cruz Vermelha, em Lisboa). E precisava daqueles vistos com rapidez, não só para os feridos em causa como para familiares que os acompanhavam.
RECADOS AO FISCO?
O suposto tráfico de influência relaciona-se com alegadas diligências que Miguel Macedo terá feito junto do gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Paulo Núncio foi recentemente ouvido no processo como testemunha), para que a ILS obtivesse um reembolso de IVA no valor de um milhão de euros.
* À ILS está ligado Paulo Lalanda Castro, arguido na Operação Marquês, por supostamente ter ajudado José Sócrates a branquear dinheiro, contratando-o como consultor para a multinacional farmacêutica suíça Octapharma, de que é administrador, e para a sua própria firma, Dynamicspharma, com dois salários mensais de €12 500. Mas a suposta interceção entre os dois processos – Marquês e Labirinto – tem raizes antigas, que remetem para outra velha amizade, pessoal e profissional: Lalanda de Castro e Jaime Gomes conhecem-se pelo menos há 25 anos, desde que trabalharam juntos na direção de uma empresa farmacêutica.