Criado em Irvington, uma pacata região suburbana do estado de Nova Iorque, Ellis Pinsky era, pelo menos à primeira vista, um adolescente comum. Durante o dia, Pinsky frequentava o ensino secundário, jogava futebol e estava com os seus amigos, mas o que aqueles à sua volta não sabiam era que durante a noite o jovem vivia uma vida dupla. Sentado em frente ao seu computador, Pinsky passava as suas noites a decifrar palavras-chave, a aceder a telemóveis de estranhos e a recolher informações confidenciais de empresas e, no seu golpe mais ousado, chegou a extrair 24 milhões de dólares em criptomeoedas da conta de um homem que nunca tinha visto.
A sua facilidade em aprender levaram a que rapidamente se tornasse conhecido no mundo digital dos hackers, ganhando nome pelos cantos e recantos mais secretos da Internet entre aqueles que partilhavam dos seus interesses. Esse nome, no entanto, não era Pinsky: no universo do online, o jovem identificava-se por uma alcunha que protegia a sua identidade real.
Na tarde de 7 de janeiro, no entanto, Pinsky cometeu um erro que levaria a que não apenas a sua família e amigos, mas todo o mundo conhecesse tanto o seu nome código da internet como o seu nome verdadeiro e ligasse os dois à mesma pessoa. Através dos seus avançados conhecimentos no que toca a computadores, o jovem, que, na altura, tinha apenas 15 anos, organizou um golpe que representa o equivalente tecnológico a arrombar um cofre de alta segurança e roubar o que lá se encontra. O que começou por ser um hobbie, um interesse nos segredos da Internet, rapidamente se tornou numa arma de crime com a qual Pinsky conseguiu, a pedido de um usuário da Internet que o terá, inclusive, ajudado, roubar cerca de 24 milhões de dólares em criptomoedas do milionário Michael Terpin.
Hoje, e dois anos depois do caso de Pinsky se ter tornado púbico, o jovem que até então se havia recusado a dar qualquer tipo de entrevista, aceitou falar em exclusivo com a revista Rolling Stone para contar a sua versão da história, a versão daquele que foi retratado como um “adolescente sociopata suburbano” pelos órgãos de comunicação, como descreve a própria revista. “Sinto que é importante que o meu lado da história seja ouvido”, disse a Alex Morris, a jornalista que liderou as entrevistas. “Há sempre dois lados”, acrescentou.
A sua vontade de se dar a conhecer e de dar a conhecer a sua história segue a invasão da sua casa há cerca de dois anos, uma invasão para a qual há muito se preparava e que não tem dúvidas de que terá sido encomendada, suspeitando mesmo por quem e o porquê de o ter feito. Segundo Pinsky os invasores estariam à procura dos restos do dinheiro que havia roubado há quatro anos, mas que garante já não ter. Aquele que acredita ser o responsável por enviar os invasores prefere não dizer.
Nas primeiras horas de uma manhã de 2020, quatro intrusos invadiram a casa que o jovem dividia com a sua mãe, padrasto e três irmãos mais novos. As suas caras estavam cobertas por máscaras de ski e vestiam sobretudos grossos que escondiam facas e uma pistola falsa de 9 mm. Segundo o que conta a Rolling Stone, as facas seriam para torturar a família de Pinsky até o jovem dizer aquilo que queriam ouvir, onde escondia o dinheiro, e a pistola falsa era uma forma de ameaça que provocaria um medo semelhante a uma pistola verdadeira, mas não traria tantas repercussões legais na eventualidade de serem apanhados. A presença dos quatro invasores foi captada pelas câmaras de segurança e a janela que terão partido ativou os alarmes, alertando a família para a sua presença.
A família de Pinsky foi surpreendida pelo ataque, mas não o jovem que já havia tomado precauções meses antes quando comprou uma espingarda no mercado negro para se defender. Pinsky preparou-se durante muito tempo para o momento em que ouviu o estilhaçar da janela e o som desconcertante do alarme a ecoar por toda a casa, mas nem por isso deixou de se sentir assustado. O seu primeiro instinto foi abrir a gaveta onde guardava a sua espingarda e dirigir-se ao corredor. Com a ajuda da sua mãe, Pinsky confrontou os dois assaltantes que haviam subido até ao andar de cima. Assim que estes fugiram, o jovem encurralou os dois restantes assaltantes e chamou a polícia. Embora o ataque tenha acabado por falhar e a família de Pinsky tenha saído ilesa, o jovem não deixou de sentir o peso da culpa e da responsabilidade enquanto via os homens algemados serem levados pelas autoridades e a sua própria mãe a gritar em desespero “Quem vos mandou?” vezes sem conta.
Uma procura pelo “verdadeiro poder”
A entrevista exclusiva à Rolling Stone foi a primeira a alguma vez ser dada por Pinsky e implicou vários encontros entre Morris e o jovem. A jornalista conta no artigo como demorou a adquirir a confiança do hacker batizado pela imprensa norte-americana como Baby Al Capone e que Morris descreve como “um jovem adulto atormentado pela angústia”. Pinsky estava hesitante em relação a contar a sua história, mas aceitou fazê-lo sob a condição de que a repórter contasse “bem” a sua versão, que não é “simples”, assegurou.
O percurso de Pinsky foi marcado pela sua mudança para Irvington, quando tinha apenas 11 anos. Foi nessa pacata cidade que o jovem descobriu a sua paixão por computadores e pelo universo da Internet. Tudo começou com uma pergunta inesperada: “Como está o clima aí em Irvington?”. A questão pode parecer, num primeiro momento, natural dado que era aí que vivia o jovem, mas foi o facto de ser um jogador online, que nunca havia conhecido Pinsky e muito menos sabia o seu nome, a fazê-la, que o inquietou. Desde que se mudara que Pinsky tinha começado a interessar-se pelo universo dos videojogos online, nomeadamente Counter Strike ou Call of Duty. Os seus jogadores tendem a comunicar verbalmente durante os jogos, embora muitas vezes se tratem de desconhecidos que não partilham informações pessoais entre si e que recorrem a nomes de utilizador que não refletem as suas verdadeiras identidades. Mas, se assim o é, como sabia o jogador que Pinsky era de Irvington?
Em conversa com outros jogadores, Pinsky descobriu a existência de um programa gratuito chamado Wireshark que identificava endereços de protocolo de internet e permitia saber aproximadamente a origem do sinal. A descoberta despertou algo em Pinsky. “Foi quando realmente aconteceu aos 12 ou 13 anos: ‘Uau, eu sou este menino, mas posso realmente exercer este tipo de poder’”, conta a Morris. A internet guardava segredos que queria desvendar e tudo estava apenas à distância de um clique.
A partir daí, Pinsky começou a conviver com a comunidade de aspirantes a hackers que cerca os ambientes dos videojogos online. A sua habilidade e facilidade em aprender chamou a atenção de hackers mais evoluídos que aceitaram ensiná-lo em troca de tarefas que o jovem teria de realizar por eles, nem sempre legais. Algumas das tarefas implicavam extrair de trabalhadores de redes sociais, ou serviços informáticos, palavras-passe ou credenciais profissionais para aceder aos computadores de outras pessoas. Trata-se de uma técnica conhecida por engenharia social. Pinsky provou ter um talento natural para este tipo de tarefa, mas depois de rapidamente dominar a sua metodologia, quis ir mais longe, aprender mais, estava interessado no “verdadeiro conhecimento, verdadeiro poder”. Em pouco tempo o aluno tornou-se o mestre.
Aos 15 anos, Pinsky já se considerava “capaz de invadir qualquer conta e dispositivo”. Desde que se começara a interessar por computadores que o jovem autodidata havia trabalhado para criar uma rede de colaboradores e cúmplices a quem pagava pequenas quantias para que o ajudassem nos seus crimes cada vez mais complexos. O seu objetivo? Difícil dizer em concreto, até porque, em parte, fazia-o apenas porque sabia que conseguia.
O assalto perfeito?
Foi com 15 anos que o famoso Baby Al Capone orquestraria aquele que seria o seu maior assalto de sempre: o roubo de 24 milhões de dólares em criptomoedas. Nesse dia, Pinsky foi contactado por um dos seus colaboradores, Harry, que lhe trazia uma oferta de ataque promissora. Segundo o jovem, Harry terá dito que um utilizador que conhecia a comunidade online OGusers, popular entre os hackers, se havia oferecido para vender senhas de usuários de um serviço de negociação de criptomoedas.
Pinsky não hesitou e com o auxílio de Harry identificou aquela que seria a sua vítima entre os vários clientes que se encontravam registados no banco de dados: Michael Terpin, um empresário de 60 anos que, na época, estava próximo de ser um bilionário. Com a ajuda das informações vendidas pelo utilizador anónimo, Pinsky e o seu parceiro no crime conseguiram aceder ao cartão SIM de Terpin. A partir daí abriu-se um universo de possibilidades e, assim que começaram a explorar os documentos e dados do milionário, ambos se aperceberam de que o potencial do golpe que levavam a cabo era bem maior do que aquilo que imaginaram. Ao verificarem os movimentos do seu portfólio de criptoativos, os dois hackers descobriram o pote de ouro no final do arco-íris: 900 milhões de dólares na criptomoeda Ethereum (uma alegação feita por Pinsky que Terpin nega).
Apesar da descoberta, Pinsky e Harry não conseguiram aceder a esse dinheiro, tentando, em alternativa aceder a outras contas de ativos com um nível de segurança mais reduzido. Nessa demanda encontraram uma empresa chamada Counterparty, onde descobriram mais de três milhões de Triggers, uma criptomoeda emergente na qual Terpin havia investido. Inicialmente, tanto Pinsky como Harry acharam que, no total, as criptomoedas equivaleriam a apenas alguns milhares de dólares, mas uma simples consulta ao preço da moeda virtual revelou que se tratavam de 24 milhões de dólares.
Depois de hackear a senha de segurança, que consistia em 12 palavras, os dois parceiros do crime assumiram o controle da conta. Este seria o momento crucial que viria a que, dois anos depois, Pisnky fosse descoberto: o jovem transferiu algum dinheiro para sua própria conta para ter certeza de que se tratava de dinheiro real, um erro pelo qual hoje ainda paga. Assim que verificou que o seu saldo havia aumentado, Pinsky e Harry mobilizaram a sua rede de cúmplices para os ajudaram a fazer dezenas de transações, trocando o dinheiro por bitcoins e passando-o por diferentes servidores para que fosse, depois, depositado numa conta que tinham acabado de criar. Pinsky admitiu na sua entrevista que vários milhões de dólares foram perdidos na operação de lavagem de dinheiro, isto porque Terpin acumulou 10% do total de Triggers existentes e a venda maciça que efetuaram fez com que o preço da moeda caísse em tempo real.
Uma vida de riqueza e de medo
Depois de dividir o dinheiro com Harry, Pinsky tornou-se um adolescente milionário com uma conta recheada que os seus pais haviam criado para que pudesse começar a economizar para a faculdade. A manhã que seguiu o seu maior golpe de sempre parecia normal: Pinsky acordou e seguiu para a aula de ginástica na sua escola secundária, como sempre fazia, mas, o que os outros não sabiam era que o jovem norte-americano era agora um dos criminosos mais ricos e jovens do mundo. Um sonho tornado realidade? Não. Nos dois anos que se sucederam, o dinheiro não conseguiu anular o medo que o dominava de ser descoberto.
De acordo com o relato de Pinsky, o adolescente não tinha consciência de ter roubado uma fortuna, parecia-lhe que se tratava apenas de mais uma noite passada em frente ao computador. Assim que ganhou consciência da quantia de dinheiro que agora tinha em mãos, o jovem admitiu ter comprado um relógio de Patek Philippe, por 50 mil dólares pagos em bitcoin, e gasto outros 900 dólares em voos de Chicago a Nova Iorque para toda a sua família.
Embora dê a impressão de que foi discreto com os seus gastos, o jornalista Daniel Kucher afirmou num artigo para a SoMagNews, que existem muitos indícios de que o jovem era mais aberto em relação à sua situação monetária do que admite. Além de conduzir um Audi R8 com apenas 15 anos, os seus colegas terão também dito, segundo Kucher, que Pinsky terá viajado para Miami e Las Vegas usando o JetSmarter, um serviço de aluguer de aviação privada, e que resolveu uma discussão durante um jogo de futebol escolar dizendo ao seu rival: “Eu podia comprar-te a ti e a toda a tua família. Eu tenho 100 milhões de dólares”. Ainda assim, estas tratam-se apenas de alegações, pelo que não há provas de que tal tenha, de facto, acontecido. No que toca aos seus pais, segundo o que conta o Al Capone da informática, a sua mãe nunca suspeitou das suas atividades ilegais, mesmo com as suas compras mais caras, nomeadamente o carro e o relógio.
Viver demais demasiado cedo
Em 2020, Pinsky foi denunciado pela vítima do seu próprio assalto, Terpin. Foi nessa altura que o jovem contou toda a sua história aos pais que rapidamente o colocaram nas mãos de um advogado de renome. Sob o seu aconselhamento, Pinsky declarou-se culpado de apropriação indébita e devolveu 562 bitcoins, o relógio Patek e pouco menos de 100 mil dólares em dinheiro que mantinha num cofre que escondia de baixo da sua cama, na esperança de que tal fosse visto com bons olhos pelas autoridades legais. O que, de facto, se sucedeu: Pinsky não chegou a ser acusado até porque tinha apenas 15 anos na época do crime.
O Baby Al capone diz ter contado toda a verdade, mas Morris não nega que permanece uma atmosfera de incerteza quando termina a sua entrevista com o jovem que, de momento, estuda Ciências da Computação e Economia numa faculdade que pediu para não mencionarem, tendo até passado um semestre em Florença, uma cidade longe de Irvington, que não consegue deixar de associar a uma época dramática da sua vida. Morris deixa ainda claro, num último momento, de que vê em Pinsky uma melancolia prematura de alguém que viveu demais demasiado cedo e que agora se vê preso a um erro do passado.