Quem passou recentemente por Negrais, eventualmente à procura do famoso leitão assado da região, reparou de certeza nos muitos cartazes amarrados aos postes de eletricidade, a anunciarem animadamente uma festa no dia 16 de julho, com o misterioso título Morte Sem Fim. Não é um panfleto a anunciar um concerto de heavy metal nem nenhuma propaganda mística. Trata-se, na verdade, de uma ação artística de Hugo Canoilas, 39 anos. “Bastante ambiciosa”, avisa o próprio. É um projeto que ele está a preparar há um ano, desde que foi escolhido como artista convidado, para criar uma obra inédita a ser apresentada no Museu do Chiado, no âmbito da 2ª edição do MNAC/SONAE Art Cycles (depois de, na 1ª edição, Daniel Blaufuks ter aí apresentado Toda a Memória do mundo).
Tudo começa neste sábado: Endless Killing (2008), uma pintura “enciclopédica” com cem metros, dedicada à história da violência, instala-se, das 15h às 21h, na pedreira de pedra amarela desta localidade em Sintra. Um contexto que dá novo impacto à representação de homens nus, despidos do verniz civilizacional, em diversas cenas de agressão, armados com pedras, lanças, facas, espadas, paus…. A esta impressionante intervenção de arte no espaço público, vai juntar-se uma festa, um concerto de Felipe Felizardo, um dj set de Sonja, e uma verdadeira caravana de comes e bebes – e tudo isto, incluindo o público enquanto “agente ativo” que dará novos sentidos à obra, será filmado para a exposição que Canoilas apresentará no MNAC-Museu do Chiado a partir de 18 de novembro.
Festa e exposição estão integradas em Debaixo do Vulcão, o seu projeto inspirado no romance homónimo de Malcolm Lowry, sobre os últimos dias de um cônsul no desvario do Dia dos Mortos em Cuernavaca, no México. “É um livro que tem entrado e saído da minha vida, e que, agora, ganhou outra projeção”, conta Hugo. A força das manifestações da cultura popular, que atravessam o romance, encontra, aqui, ecos inesperados, que vão além do registo documental da festa esperada. O artista português quer aproveitar todos os recursos e possibilidades ao seu dispor, no âmbito do ciclo, para amplificar espaços, efeitos e públicos da futura exposição em nome próprio.
E cruzando universos que habitualmente não se tocam, Canoilas quer até estacionar essa mesma caravana de comes e bebes, que antes andará a servir petiscos à população e aos visitantes de Negrais, em frente ao MNAC, na Rua Serpa Pinto, em Lisboa: entre setembro e outubro, a estratégia é que a viatura abrigará uma mostra de videoarte de vários artistas, sendo depois transladada para dentro do museu, e da exposição. Um projeto ambicioso e original, que utiliza vários media, e cria novos canais de comunicação com o Outro. Diz Hugo Canoilas: “A maneira como tudo se vai repetindo, ativando memórias, evoca as performances dos anos 1970. Ao criar várias camadas de experiências, que ligam trabalho erudito e cultura popular, estou a chegar a vários tipos de público.”