Era o lugar onde todos queríamos trabalhar. A empresa cujo nome era quase sinónimo de Silicon Valley, na Califórnia, representava o melhor que por ali se inventava – começando por uma apregoada cultura de transparência, que se pautava sobretudo por dar aos seus funcionários a possibilidade de debater o futuro com a administração. Criada em 1998, ainda no final do ano passado, a Universum, consultora líder mundial em marcas empregadoras, a classificava como a mais interessante para trabalhar depois da licenciatura, depois de ouvir mais de 200 mil alunos de engenharia, negócios e tecnologia, em países tão diversos como Brasil, China, Canadá, França, Índia, Japão e Rússia. Mas uma sucessão de polémicas – e só de 2019… – ameaça gravemente essa posição.
Logo no início do ano, foi o caso da app considerada antigay por promover terapias de conversão, e a suspensão da empresa do Índice de Igualdade Empresarial. A aplicação fora desenvolvida pelo grupo Living Hope Ministries, fundamentalistas que há cerca de 30 anos defende esse tipo de tratamento e logo causou uma imensa onda de revolta e consternação por ter sido acolhida na Google Play.
A meio do verão, voltou a falar-se da Google mal foi conhecida a acusação a Anthony Levandowski, 39 anos, especialista em veículos autónomos e quase sinónimo de Waymo, empresa daquele universo google que estava na corrida dos carros que andam sozinhos. Alegadamente, terá levado segredos da tecnológica para a Uber – qualquer coisa como 14 mil ficheiros transferidos para o seu computador pessoal. No tribunal, foi acusado de 33 crimes e uma pena cumulativa de mais de 300 anos.
Mais recentemente, soube-se que a Google terá tido acesso a registos médicos de milhões de americanos, sem consentimento nem de pacientes nem de médicos. Ao que avançava então o Wall Street Journal, terá recebido uma grande quantidade de registos médicos a partir do Ascension, considerado o maior sistema de saúde sem fins lucrativos nos Estados Unidos.
Agora, o despedimento compulsivo de quatro funcionários remata um verdadeiro Annus Horribilis para aquela que foi a empresa de sonho de tantos. “O Google acabou de demitir quatro dos meus colegas de trabalho por terem ousado fazer a pergunta ‘o Google está ajudando famílias separadas ou aprisionando crianças na fronteira?'”, twittou Amr Gaber, engenheiro de software, citado pela CCN, o mesmo que já tinha organizado vários protestos contra a empresa. “Acontece que depois de encontrarem informações acessíveis a todos, eles alertaram os colegas de trabalho sobre notícias horríveis”.
Basicamente, confirmavam que a Google estava a ajudar a alfândega na proteção das fronteiras americanas – e com isso à detenção de milhares de migrantes que tentavam uma nova vida no país. Antes de tudo o mais, e enquanto decorria um inquérito interno, foram suspensos. Mas depois do protesto organizado no final da semana passada exigir o seu regresso, acabaram por ser despedidos.
“Acabei de ser informada pela Google que fui despedida”, escreveu Rebecca Rivers, no seu twitter, logo no início desta semana, ela que fora uma das peças centrais dos protestos contra a gigante da tecnologia. Agora, para os colegas, não há qualquer dúvida: trata-se obviamente de uma forma de intimidação a quem está na empresa. Afinal, já no início do mês o CEO Sundar Pichai cancelara as conhecidas reuniões semanais “TGIF” (“Thank God It’s Friday”, ou “graças a Deus é sexta”, em tradução livre). A justificação? “Trata-se de um esforço coordenado para evitar que haja partilha das nossas conversas fora da empresa.”