Desenvolve-se na Alemanha, começou a varrer Itália, já é grande em França e está entrincheirada na Hungria. A extrema-direita populista tem ganhado terreno por toda a Europa e as eleições de 26 de maio deverão trazer uma nova demonstração de força. Pela primeira vez, o ‘centrão’ europeu não deverá ter a maioria em Estrasburgo e, caso os eurocéticos sejam capazes de se aliar, podem mesmo ser a maior família política no Parlamento Europeu. O que acontecerá à Europa se estiver cheia de políticos que não acreditam nela?
Já faltam menos de 80 dias para as eleições europeias e as sondagens não são animadoras para aqueles que acreditam numa Europa integrada e cooperante. Depois de já terem começado a influenciar ou mesmo a fazer parte de executivos em vários Estados-membros, a direita eurocética deverá ser a grande vencedora dessa ida às urnas, o que lhe dará uma força sem precedentes para influenciar a política comunitária e as escolhas para os mais importantes cargos da União Europeia.
Os números são avassaladores. Segundo as projeções publicadas em Janeiro, o Partido Popular Europeu (PPE) – família da qual fazem parte PSD e CDS – perderá perto de 40 lugares no novo Parlamento Europeu. Embora ainda seja a principal família política entre os 27, os partidos que o integram apenas lideram as sondagens em dois dos dez países mais populosos da UE. E nem sequer deverão ser o principal derrotado de 26 de maio. Essa distinção caberá provavelmente aos socialistas (S&D), que poderão acabar com uma perda superior a 50 lugares. Juntos, PPE e S&D podem ficar abaixo dos 45%, muito aquém dos 54% do último escrutínio. Esse recuo não será compensado totalmente pelo crescimento dos liberais e pró-europeus do ALDE, que deverão ganhar quase 30 lugares, em parte graças à integração do En Marche!, de Emmanuel Macron.
Enquanto o centro encolhe, as franjas políticas ganham peso. A extrema-direita do ENL (Europa das Nações e das Liberdades) poderá ter mais 25 eurodeputados. É nessa família que está a Frente Nacional, de Marine Le Pen, a Liga de Itália, o FPO austríaco e o Partido para a Liberdade, da Holanda. As projeções apontam também para um ganho de 4 para o EFDD (Europa da Liberdade e da Democracia Direta), capaz de compensar a perda do UKIP (via Brexit) com a entrada do italiano 5 Estrelas e da AfD, da extrema-direita alemã. Na ala eurocética, as únicas perdas devem atingir o ECR (Reformistas e Conservadores Europeus), que ficam sem os tories do Reino Unido.
Em comum, estas forças têm uma forte resistência à integração europeia e ao euro enquanto moeda única. Recusam o acolhimento de refugiados, são contra o casamento homossexual, opõem-se a uma transição rápida para energias renováveis e, tal como a esquerda mais radical, torcem o nariz à NATO e ao comércio livre. Olham para as elites liberais, para os burocratas comunitários e para a maior parte dos média como inimigos. No caso do ENL, apresentam também uma proximidade com Vladimir Putin que é motivo de preocupação em Bruxelas.
Alguns analistas têm colocado em cima da mesa a possibilidade de estas forças se juntarem sob a mesma bandeira. Caso essa e outras peças do dominó caiam – como a saída de Viktor Órban do PPE e a integração de outros nacionalistas desalinhados -, este bloco eurocético pode acabar a ocupar um quarto dos lugares em Estrasburgo. “Os partidos antieuropeus poderiam assim tornar-se o grupo mais forte do Parlamento Europeu, mesmo acima do PPE”, lê-se num relatório do Deutsche Bank, publicado em outubro do ano passado. “Isso seria certamente aquilo que o ex-conselheiro do Presidente Trump, Steve Bannon, tinha pensado quando fundou O Movimento, para unir todas as forças anti-UE.”
Os últimos anos trouxeram uma mudança de foco. A extrema-direita deixou de querer apenas destruir a União Europeia e concentra-se hoje na tentativa de construir uma “nova” Europa, que se reja por princípios diferentes. “Estamos num ponto de viragem histórico”, afirmou Le Pen, em Sofia, no final do ano passado. “A globalização selvagem vai acabar.”
Como será estar num Parlamento Europeu que não acredita na Europa? A VISÃO falou com cinco eurodeputados portugueses sobre o impacto das eleições de maio no futuro da Europa. “Marine Le Pen disse à RTP que já não quer sair da União Europeia, porque pode influenciá-la a partir de dentro. O conceito de Europa que tem é de países de costas voltadas”, sublinha Marisa Matias, eurodeputada do BE, à saída do plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. “O crescimento das forças populistas de extrema-direita será um momento difícil, do ponto de vista dos valores democráticos, porque são a antítese da solidariedade e da cooperação.”
Miguel Viegas, do PCP, aponta no mesmo sentido. “A União Europeia já está num impasse. Aquilo que se antevê para as eleições europeias já está instalado nos governos da Áustria, Itália, Suécia, Holanda, Alemanha… E veremos agora em Espanha. Não é um fenómeno novo. Já tem impacto no Conselho Europeu, que é a entidade que decide”, explica.
De facto, a extrema-direita populista governa ou apoia executivos em Itália, Áustria, Polónia, Hungria, Eslováquia, Dinamarca e Finlândia. Agora, as eleições europeias deverão voltar a dar mais de 20% à Frente Nacional de Le Pen (vencedora das eleições europeias de 2014), mais de 10% à AfD na Alemanha e dar muito mais força ao euroceticismo italiano, que já tem mostrado as suas garras nos debates entre chefes de Estado acerca de políticas de imigração ou da reforma da Zona Euro.

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Pedras na engrenagem
No entanto, a união da extrema-direita não está garantida. Estes movimentos têm tido dificuldades em cooperar. Matteo Salvini, por exemplo, quer que os imigrantes sejam distribuídos pelo resto da Europa, algo difícil de engolir para os países de leste. Os alemães da AfD desprezam também a visão dos italianos em relação às contas públicas. Mesmo no seu seio, estas famílias políticas tendem a ser menos disciplinadas do que outras bancadas.
Ainda assim, podemos contar com uma forte disrupção em Bruxelas e em Estrasburgo. Mesmo longe de uma maioria no Parlamento, podem tentar bloquear políticas migratórias, de reforma da arquitetura do euro ou de medidas no setor financeiro. O objetivo é claro: reverter o nível de integração entre os Estados-membros. “Se [a extrema-direita] ascender a uma posição em que possa exercer mais controlo, a UE irá certamente parecer-se mais com aquilo que os críticos lhe apontam: burocrática, pesada e irrelevante. No final, os populistas de direita europeus estão na posição de tornar reais as suas próprias previsões, ao mesmo tempo que atraem mais votos para as próximas eleições”, escrevia já neste ano a revista alemã Der Spiegel.
Uma vez que a “grande coligação” PPE e S&D já não terá mais de 50%, a formação da Comissão Europeia terá de ser negociada com outras forças, assim como o novo orçamento comunitário e os nomes para os mais altos cargos da UE, que abrirão ao longo do ano: além de um novo presidente da Comissão Europeia, será nomeado um novo presidente do Conselho Europeu (hoje Donald Tusk), do Parlamento Europeu (Antonio Tajani) e do BCE (Mario Draghi), entre outros.
Bruxelas está preocupada. “Podemos ser a última Comissão Europeia formada por pessoas que realmente acreditam na Europa”, afirmou a comissária Cecilia Malmström, no Fórum Económico Mundial, em Davos.
Mesmo que a Europa escape desta bala, a pressão sobre as instituições europeias continuará por várias vias. Existe uma tensão permanente entre Bruxelas e as capitais, em relação à cedência de soberania. “É tudo decidido por burocratas em Bruxelas”, foi uma das ideias mais poderosas no debate sobre o Brexit. Gerir esse constrangimento já era como ter um equilibrista a caminhar sobre um fio de nylon, mas a crise financeira representou uma rajada de vento violentíssima. Hoje, a Zona Euro ainda vive entre os destroços da recessão e da austeridade que a atingiu no pós-2008, tendo acicatado as tensões entre Estados-membros e as acusações mútuas, ora de falta de solidariedade ora de falta de responsabilidade orçamental.
Esse é um dos motivos que leva Maria João Rodrigues a defender a urgência da reforma da Zona Euro. “Não estamos só a prevenir crises futuras, ainda estamos numa situação de asfixia. Países como Portugal podiam crescer muito mais”, afirma no seu gabinete, em Estrasburgo. “O crescimento de movimentos populistas deve-se a uma crise mal resolvida.”
No momento em que a economia europeia começava a recuperar, o continente foi atingido pela crise dos migrantes, que funcionou como lançar sal numa ferida ainda aberta. As tensões norte-sul complexificaram-se, surgindo interesses diferentes a leste. A menos de 4 meses das eleições, a imigração está no topo das preocupações dos eleitores, em quase todos os países. As exceções são a Suécia… e Portugal. Cerca de 40% dos europeus elegem-na como o desafio mais importante que a UE enfrenta. Na Alemanha e em Itália, o tema parece ser especialmente relevante para os resultados eleitorais.
Momento de clarificação
Quase metade dos europeus diz sentir que o seu voto não conta na UE, enquanto essa percentagem é de “apenas” 36% nas eleições legislativas. Isso pode estar a refletir-se numa participação cada vez mais baixa nas europeias. Há 20 anos, a abstenção rondava os 50%. Em 2014, já superou os 57%. “Se os votos das pessoas que se abstiveram em 2014 contassem para um novo partido, ele seria a maior força política em 24 de 27 países da UE”, escreve o Politico. Portugal é um dos países com pior desempenho. Há cinco anos, apenas um terço dos eleitores foi às urnas.
“Infelizmente, estas políticas [anti-solidárias da extrema-direita] já tinham começado a entrar pela porta das instituições europeias, seja em relação a políticas de imigração ou de austeridade”, refere Marisa Matias. “Convém colocar a pergunta: onde está a união da União Europeia? Ela parece já ter desaparecido.”
Os europeus continuam a apoiar a UE, mas o entusiasmo desapareceu para muitos, depois de mais de uma década de desilusão económica. Uma visão otimista é achar que os próximos meses podem funcionar como um despertador para os europeístas.
“Esta pode ser uma oportunidade para os grupos pró-europeus alinharem os seus interesses entre as diferentes fações, de forma a conseguirem apresentar uma defesa forte contra os esforços dos blocos anti-UE para travarem políticas construtivas; e para provar que os críticos estão errados, ao ver uma Europa desunida”, pode ler-se no mesmo relatório do Deutsche Bank. “Mais do que nunca, o próximo Parlamento Europeu será um fórum para debates quentes e disputas sobre o futuro da Europa. Mas isso não é necessariamente uma coisa má.”
Onde está a união da UE?
Marisa Matias
O crescimento das forças populistas de extrema-direita será um momento difícil do ponto de vista dos valores democráticos, porque representa a antítese da solidariedade e da cooperação. Mas infelizmente essas políticas já tinham começado a entrar pela porta das instituições europeias, muitas vezes através das principais famílias do centro político, seja em relação a políticas de imigração ou de austeridade. Ninguém ganha com o crescimento destas forças, mas era o que faltava dizermos que não podemos fazer nada. Temos o dever de marcar o que são os campos democráticos e antidemocráticos. Como em todos os momentos difíceis, este será também um momento de clarificação. Marine Le Pen disse que já não quer sair da UE porque pode influenciá-la a partir de dentro. O conceito de Europa que têm é de países de costas voltadas. Mas também convém colocar a pergunta: onde está a união da União Europeia? Ela parece já ter desaparecido há muito tempo.
Eurodeputada do BE
Os povos não querem uma UE federal
Nuno Melo
Forças políticas que em 2009 tinham uma expressão residual hoje disputam eleições. Em França, Marine Le Pen venceu as eleições europeias, em 2014. Devemos ir às urnas tentar ter uma maioria europeísta, que tem garantido paz e prosperidade no nosso espaço comum. Mas temos de ter consciência daquilo que tem motivado o crescimento destas forças. À cabeça, os fenómenos de corrupção. Depois, a violação do princípio de subsidiariedade, procurando niveladores artificiais, em vez de denominadores comuns. Não é igual legislar sobre tomadas elétricas ou sobre a possibilidade de presos votarem. Um exemplo têm sido as políticas de imigração. É errado um português achar que a forma como vê o mundo pode ser transposta para 28 países. A UE deve perceber que o aprofundamento económico foi sempre motivo de sucesso. Criámos riqueza, postos de trabalho e, com isso, o reconhecimento dos povos. O problema da UE surgiu com a vontade de aprofundamento político – desde o Tratado de Maastricht e adensado pelo alargamento a Leste – que os povos não querem. Os povos não querem uma Europa federal.
Eurodeputado do CDS
Populismo nasce de crise mal resolvida
Maria João Rodrigues
Há o risco de o resultado das eleições complicar a discussão em torno da reforma da Zona Euro, mas continuo a ter a esperança de que iremos ter uma maioria pró-europeia no Parlamento e que continuaremos a avançar com esta agenda de reforma. Paradoxalmente, no que diz respeito à Zona Euro, não estou pessimista em relação ao impacto das eleições europeias.
Os populistas terão de perceber que, se querem soluções para aquilo de que se queixam, não poderão bloquear esta reforma. O futuro pode complicar-se, mas também reservar surpresas. A pressão política pode ficar de tal ordem que obrigará os responsáveis a encontrar soluções. [Ao reformar o euro] não estamos só a prevenir crises futuras, ainda estamos numa situação de asfixia. Países como Portugal podiam crescer muito mais. O crescimento de movimentos populistas deve-se a uma crise mal resolvida.
Eurodeputada do PS
Divisão clara entre europeístas e nacionalistas
Paulo Rangel
Haverá um reforço dos blocos nacionalistas e será mais difícil formar maiorias. Mas também é possível fazer uma leitura mais positiva da eleição. Estes resultados obrigarão a uma divisão mais clara entre europeístas e nacionalistas. Isso já aconteceu noutros países, faz parte da maturação do nosso processo político. O problema é que muitos nestes movimentos também querem questionar a separação de poderes, colocando em causa a liberdade de expressão.
Eurodeputado do PSD
UE já atravessa uma crise de valores
Miguel Viegas
A UE está num impasse. Aquilo que se antevê para as eleições europeias já está instalado nos governos de Áustria, Itália, Suécia, Holanda, Alemanha… E veremos agora em Espanha. Não é um fenómeno novo que irá nascer. Já tem impacto no Conselho Europeu, que é a entidade que decide. É uma UE já em profunda crise de valores, onde não é possível chegar a consensos sobre questões fiscais ou sobre imigração. Está paralisada. As eleições deverão reforçar esta tendência. Sem dúvida que assustam. O que aí vem não será nada bom. Mas não vale a pena inventar fantasmas. A extrema-direita e o populismo nascem da incapacidade de resposta europeia. O caso de Itália é flagrante. A UE não é capaz de gerir um milhão de refugiados? Isso também é válido para a austeridade. Os milhões de pessoas que votaram a favor do Brexit são todos uma cambada de energúmenos?
Eurodeputado do PCP