Corria o verão de 1978 quando coloquei, pela primeira vez, uma máscara de mergulho na cara! Entrei dentro de água na Praia do Ouro em Sesimbra, em frente ao destroço do histórico navio couraçado Numancia, e o que vi através daquela janela foi inesquecível! Na água cristalina e calma, as rochas sobre o fundo de areia estavam cobertas de algas e com vastos cardumes de pequenos peixes. Fiquei cativo do mundo submerso para sempre.

Nas férias de verão seguintes, voltei a mergulhar nestas águas dezenas de vezes. Fui conhecendo as espécies de peixe, os seus hábitos, os seus segredos e esconderijos. Mais tarde, com fato de mergulho, conheci toda a costa portuguesa de norte a sul. Com o curso de mergulho fui viajando por outros oceanos além-fronteiras. Mas o meu estúdio, onde experimentava novos equipamentos fotográficos, novas técnicas de iluminação e aprendia sobre ecologia, biologia, oceanografia, sempre foram os fundos entre o cabo Espichel e a Arrábida.

Na década de 1990, à hora da novela, vestia o fato de mergulho e com as garrafas às costas entrava na água, nadava uns metros e deixava-me cair para o fundo de areia, na mesma praia do batismo. Com o sol deitado atrás da falésia, assistia à metamorfose nas areias. O turno do dia enterrava-se na areia fina, ou escondia-se num recanto seguro, enquanto o turno da noite despertava como zombies do areal. Milhares de estrelas-do-mar, lulas, potas, camarões, caranguejos, entre muitas outras criaturas, começavam a circular na penumbra da noite. O palco era o mesmo, apenas a luz e os atores mudavam em poucos minutos.

Em 1998, com pompa e circunstância, durante a Exposição Mundial em Lisboa ‒ Expo’98 sobre o tema dos Oceanos, foi anunciada a criação do Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha. Uma área protegida que se estende desde a Praia da Foz a norte do cabo Espichel até à Praia da Figueirinha às portas de Setúbal.

Esta área classificada abrange cerca de 53 km2 e assenta numa linha de costa de 38 km, essencialmente de falésias altas e praias de areia.

Após a sua criação, só em 2005 foi detalhado o plano de ordenamento com regras e limitações para todos aqueles que usam este espaço.

O território protegido passou a ter zonamentos e condicionamentos, em função da área em causa: proteção total, proteção parcial, ou proteção complementar.

Com importantes comunidades piscatórias (Sesimbra e Setúbal), turismo intenso oriundo da Grande Lisboa e arredores, bem como muitas atividades lúdicas náuticas, não tem sido fácil gerir uma área protegida com estas características.

Aos poucos, ano após ano, começo a registar muitas espécies, em locais onde nunca as tinha visto. Muitos peixes, que apenas os observava com tamanhos juvenis, começo a vê-los em fase adulta avançada e com bom porte. Robalos, douradas, pargos, entre outros peixes, com valor comercial. Os cardumes de várias espécies começam a ser mais numerosos. Algumas zonas da costa da Arrábida parecem aquários, repletos de vida, desde pequenos invertebrados até grandes vertebrados.

Visitar

Próximo de Lisboa e do estuário do Sado, o Parque Marinho estende-se ao longo de 38 km da costa sul de Setúbal, entre a serra da Arrábida e o cabo Espichel, desde a Praia da Figueirinha à Praia da Foz.

Área: 52 km²
Extensão: 38 km de costa
Profundidade máxima: 100 m
Região: Lisboa e Vale do Tejo
Distrito: Setúbal
Concelhos: Palmela, Sesimbra e Setúbal
Espécies marinhas: > 1 000

Um dos bons exemplos do incremento das dimensões e variedades de peixe é o recife artificial do River Gurara, um navio nigeriano, com 175 metros, que naufragou em fevereiro de 1989 a sul do cabo Espichel. Hoje, um aglomerado de chapas e outras estruturas são um ex-líbris deste parque marinho e um local de peregrinação regular para centenas de mergulhadores.

Todos os anos, revisito locais, converso com os pescadores de inúmeras artes de pesca que trabalham na zona do parque e nos seus arredores. Falo com vários cientistas de várias universidades e instituições que por ali desenvolvem estudos, pesquisas pormenorizadas, que avaliam desde minúsculos animais do plâncton até grandes predadores de topo. As tecnologias sempre a evoluir, a miniaturizarem-se, a possuir mais autonomia de trabalho, mais capacidade de registar dados, vão revelando informações e conhecimentos verdadeiramente notáveis. E mais não se faz, na área da Ciência, nesta zona por não existirem os investimentos necessários para a sua continuidade ou implementação.

O balanço é positivo, mas ainda há muito por fazer na gestão desta área classificada. Muitas vezes, o saber existe, os processos são conhecidos, mas é necessário implementar no terreno as medidas mais eficazes.

É notório que será necessário dar mais atenção às atividades lúdicas, como, por exemplo, o mergulho. Melhorar os acessos às praias e manter os equipamentos. Aumentar a informação sobre esta zona protegida e, claro, não descurar a fiscalização sobre importante património natural.

A comunidade piscatória é igualmente um elemento importante para conhecer a dinâmica deste território. Ninguém passa mais tempo no mar do que os pescadores, o saber adquirido ao longo de décadas, de gerações, é hoje uma importante ferramenta para compreender o presente, ou mesmo o futuro. Já ouvi histórias muito antigas que pensei que fossem fantasia, ou exageros de pescadores e caçadores do passado.

Quando assisto a determinados fenómenos nos últimos anos, que não imaginava alguma vez presenciar nas águas de Sesimbra, vêm-me à memória relatos antigos de marítimos da “Bela Piscosa” ‒ Os Lusíadas ‒ Canto I.

Baleias e golfinhos

Há séculos que estas criaturas nadam por estas águas, mas durante muito tempo foram quase um segredo bem guardado dos pescadores locais. Hoje, existem várias empresas de observação de cetáceos em Sesimbra que realizam viagens diárias para ver de perto estes mamíferos marinhos. Se os golfinhos-comuns e o roazes são as espécies mais frequentes nestas paragens, todos os anos são ainda avistadas baleias-comuns, baleias-anãs, baleias-piloto, orcas e golfinhos-riscados. No cardápio de registos não faltam algumas espécies de tubarões, e outros megapeixes como atuns e espadartes.

Numa viagem ao largo da costa, não só podemos ver estes belos animais marinhos, mas também muitos deles em interação de caça com aves marinhas.

Para quem gosta de observar aves marinhas, o final do verão será a melhor altura do ano para se maravilhar com a diversidade de espécies que ali ocorrem (cerca de uma vintena). 

Mega fauna Não é prática comum, mas o mergulho com tubarões-azuis ao largo da costa de Sesimbra-Cabo Espichel pode ganhar maior fôlego. Curiosamente, nesta zona este do Atlântico, a maioria dos tubarões-azuis observados são fêmeas, como este, que veio, curioso, contemplar os mergulhadores

Cinco mergulhos especiais

> Jardim das Gorgónias

Será um dos mergulhos mais famosos de Sesimbra. A poucas milhas do Porto de Abrigo, este cabeço de rocha, a leste da vila piscatória, tem inúmeras gorgónias e uma diversidade de invertebrados notável. Nalgumas zonas da pedra existem “estações de limpeza” onde grandes e pequenos peixes vêm pedir os serviços de desparasitação aos habitantes mais habilitados para esta tarefa, como pequenas sarguetas ou bodiões.

> Pedra do Leão

Esta pedra icónica de Sesimbra tem na sua base uma arcada muito ampla, apreciada por várias espécies de peixes. Não é difícil encontrar cardumes de centenas de indivíduos à sombra desta rocha em dias de grande calmaria. Um deleite visual, para mergulhadores iniciantes e consagrados.

> “River Gurara”

Com o passar dos anos, toda a estrutura do navio vai colapsando. Mas a criação do Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha veio permitir que este recife artificial fosse colonizado por uma diversidade de fauna notável. Não sendo permitido pescar na zona, os grandes peixes encontraram ali um refúgio perfeito para viver durante longos períodos. Com boas condições de mar, é uma imersão inesquecível.

> Ponta da Passagem

Perto do cabo Espichel, e numa zona muito hidrodinâmica, há uma ponta rochosa que tem uma arcada submersa de grande dimensão. No verão, esta área costuma ficar coberta de grandes algas laminárias. E onde há uma frondosa floresta de algas castanhas, há muita vida.

> Batelão

Fica ao “virar da esquina”, na base do molhe de Sesimbra. Do lado de fora da infraestrutura-esporão, existe um destroço de um batelão de ferro. Ao contrário do que se poderia imaginar, esta zona é riquíssima em peixe. E quando as águas estão cristalinas e quentes, é impressionante ver os cardumes a circular na zona. Em setembro e outubro é quase certo o encontro com cardumes de milhares de tainhas em cortejos nupciais.

Luís Quinta
Mergulha há mais de 45 anos nas águas do Parque Marinho Prof. Luiz Saldanha – Sesimbra

O multipremiado fotógrafo e realizador de história natural Luís Quinta é colaborador regular da National Geographic Magazine e da revista VISÃO.

Publicou mais de um milhar de artigos e reportagens na imprensa nacional.

Tem diversos artigos e imagens publicadas na imprensa internacional.

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Os resultados “são realmente bastante dramáticos”. James DeGregori, biólogo especializado em cancro da Faculdade de Medicina da Universidade do Colorado, em Aurora, e um dos autores do estudo explica a apreensão: “As infeções por vírus respiratórios não se limitaram a despertar as células”; também provocaram a sua proliferação, ou multiplicação, “em números enormes”.

Na investigação, agora publicada na Nature, foram usados ratinhos, mas os resultados corroboram o que se encontra em humanos: dados de milhares de pessoas mostram que a infeção pelo coronavírus SARS-CoV-2 está associada a um aumento de quase duas vezes nas mortes relacionadas com o cancro, o que pode ajudar a explicar por que razão as taxas de mortalidade por cancro aumentaram no início da pandemia de Covid-19.

Os investigadores identificaram células cancerígenas dormentes, separadas do tumor inicial, escondidas em tecidos como a medula óssea em pessoas em remissão de cancro da mama, da próstata e da pele, entre outros. Estas células são precursoras da metástase — que é a disseminação do cancro para órgãos distantes — e representam um problema, mesmo em sobreviventes destes tipos de cancro.

Os cientistas há muito tentam descobrir o que faz com que essas células despertem novamente. Trabalhos anteriores sugeriram que a inflamação crónica é a culpada, como a causada pelo tabagismo e pelo próprio envelhecimento. Esta ideia fez DeGregori e a sua equipa pensarem se a inflamação aguda causada por uma infeção respiratória também teria esse efeito de reativar células cancerígenas adormecidas. Para isso, usaram técnicas de engenharia genética para levar os ratinhos a desenvolver cancro da mama e “semear” células tumorais dormentes noutros tecidos, como o pulmonar. Depois, infetaram os roedores com o vírus da Covid ou da gripe.

Em poucos dias, as células de cancro adormecidas nos pulmões dos animais ativaram-se, proliferaram e formaram metástases. Os investigadores descobriram, no entanto, que não foram os vírus respiratórios a provocar diretamente este efeito, mas a IL-6, uma molécula essencial do sistema imunitário – nos ratos modificados geneticamente para não terem esta molécula, a multiplicação das células de cancro dormentes foi muito mais lenta.

Além do papel da IL-6, também as células T, igualmente do sistema imunitário, mostraram ter um papel importante neste processo, ao proteger as células cancerígenas de outras defesas do sistema imunológico. “Ver que essas células cancerígenas estavam a perverter o sistema imunológico para as proteger em vez de as eliminar foi mesmo bastante chocante”, afirma DeGregori.

Mas há mais um dado relevante: este “despertar” das células cancerígenas não se manteve. Cerca de duas semanas depois de “acordarem”, as células foram ao estado de dormência, o que levou os cientistas a concluir que as infeções não causam diretamente cancro, mas tornam mais provável que, no futuro, outra infeção leve ao reativação do cancro. DeGregori compara o processo a atear um fogo várias vezes: “Fazemos chamas e depois elas apagam-se. Mas agora temos 100 vezes mais brasas do que tínhamos antes.”

A minha mãe diz que ter medo é sinal de inteligência. Talvez tenha razão. Mas então porque é que temos medo de coisas tão imbecis?

Não sei. Ninguém sabe. Mas sei isto: aquilo a que chamamos “medo” no nosso quotidiano não é medo nenhum. É outras coisas. O medo dos imigrantes, ou da agenda woke, do fascismo ou do colapso ambiental, ou dos impostos ou das vacinas? São apreensões de folhetim, no máximo desassossegos de agência noticiosa.

Depois há certas manias. O medo da irrelevância, ou de agulhas, de falar em público, ou de palhaços. Aversões ou fobias que são, no fundo, desejos ao contrário. Vontades de sofrer. Uma agulha pica, a irrelevância é desoladora, falar em público pode ser duro, e um palhaço… bem, um palhaço é sinistro, de facto.

Mas tanto num caso como noutro são pequenos e civilizados receios. Inquietudes da vida corrente que nos distraem do medo que importa. Do medo verdadeiro. Do medo nu. Refiro-me, amigo leitor, ao mar profundo. Refiro-me ao escuro. Refiro-me aos monstros que vivem debaixo da cama. O que não tem nome.

Este é um medo que já nos esquecemos que existe. Porque o mundo, com a sua luz vigilante e os seus guiões de auto-ajuda, não permite que se manifeste. Mas, quando por acidente lá chegamos, ficamos próximos de uma verdade mais profunda acerca de nós próprios. Descobrimos que não estamos sós. Nunca estivemos.

Permita-me, o leitor, o seguinte. Já mergulhou sozinho no mar alto? Eu já. Muitas vezes. E é cada vez pior. Sinto um aperto no peito, uma angústia animal, uma náusea que não é física. Ali, entre o coração e o pensamento.

E já acampou? Não me refiro a montar tenda no campismo da Caparica, nem ir a um Festival meter umas pastilhas e sornar num iglu da Quechua. Refiro-me a calçar as botas, pegar num canivete e numa lanterna, e ir sozinho para a serra. Sem rede. Sem ninguém que lhe oiça os gritos.

Já fez isso? Não faça. Ou melhor: faça.

É aí que ele aparece. O medo. Aquela coisa que vem de dentro, de um sítio fechado. Sobretudo durante a noite. Por isso o espírito precisa de ser ocupado. Por isso precisa de coisas para fazer. De ouvir alguém a contar uma história. Ou de escrever num caderno. Dar um passeio, caçar borboletas, pintar uma aguarela, observar pássaros; qualquer coisa, senão enlouquece.

É daí que surgem os passatempos. Os antigos que não andavam tão alheados como hoje nós andamos, tinham de ocupar o espírito. Com selos, com música, com raquetes. As crianças sabem disso. Por isso brincam o tempo todo. São sábias, as crianças. Disfarçam-se. Inventam. Partem objectos valiosos. Tudo para não ouvirem os monstros debaixo da cama. Para não encararem o escuro. O grande escuro. Que é exactamente o mesmo que um homem adulto encontrará se for sozinho para a serra. Na ventania nos pinheiros, na imobilidade nos olhos de um pássaro nocturno, no crepitar de uma coisa qualquer. Nestas coisas que nos dizem que no princípio há medo. Medo de alguma coisa anterior a nós. Que nos contempla de longe. E de dentro.

A minha sogra diz-me que o que devemos recear é o “bicho-homem”. É uma observação razoável que não contradigo. Mas o medo irrazoável — de um som, um bicho, uma coisa sinistra— prova que temos connosco aquilo de que precisamos. Porque, ao detectar uma presença, adivinhamos o indetectável. Talvez mitológico, talvez religioso, talvez existencial. Seja o que for, está a olhar para nós. E confirma-nos que não somos o centro de coisa absolutamente nenhuma.

Nota: Em Agosto faço férias do Vale Era Verde. Se Deus quiser voltarei em Setembro. Quanto a si, caro leitor que, com simpatia e paciência, tem aturado estes meus textos, desejo-lhe um óptimo tempo estival. Olhe, vá acampar.

Manuel Fúria é músico e vive em Lisboa.
Manuel Barbosa de Matos é o seu verdadeiro nome.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O alívio fiscal trazido pela alteração das taxas gerais do IRS nos primeiros oito escalões de rendimento começa a fazer-se sentir este mês, quando os trabalhadores por conta de outrem receberem os seus vencimentos de agosto. O mesmo acontece com os pensionistas da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA).

Como o despacho que aprovou as novas tabelas “produz efeitos a partir de 1 de agosto de 2025”, as taxas reduzidas aí previstas têm de se aplicar “aos rendimentos pagos ou colocados à disposição” dos trabalhadores a partir dessa data.

Se as empresas e as outras entidades pagadoras de salários (como as IPSS, as fundações ou associações) não conseguirem reter o IRS de agosto de acordo com as novas taxas, podem, em casos extraordinários, fazer o acerto mais tarde, até ao final do ano.

Tabelas distintas

Umas primeiras tabelas, para agosto e setembro, têm taxas excecionalmente mais baixas que pretendem compensar as retenções feitas entre janeiro e julho, em que ainda não era possível ter em conta a versão final do IRS, apenas aprovada em julho.

Num segundo momento, em outubro, novembro e dezembro, as taxas serão mais altas do que as de agosto e setembro, mas serão inferiores às aplicadas até julho, pretendendo corresponder à versão final do IRS.

Em agosto e setembro, quem tem um salário bruto até 1.136 euros não entregará IRS, pois até esse patamar de rendimentos mensais a taxa é de 0%. Imediatamente acima desse nível, a retenção é inferior a dez euros até vencimentos brutos até 1.574 euros.

Simulações da consultora PwC para a Lusa mostram que, em regra, os reembolsos relativos ao IRS de 2025 irão fazer diminuir os reembolsos em 2026. Simultaneamente, quem já é chamado a entregar imposto no momento do acerto final deverá entregar um valor mais alto no próximo ano, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) fizer a liquidação final.

A sala transformava-se no espaço sideral. As peças de legos eram armas de raios laser ou comandos de naves intergaláticas, enquanto ao fundo, na televisão, passavam as aventuras de Mr. Spock. Crescer com um pai obcecado por ficção científica fez-me passar horas a ver os episódios de Star Trek e assistir, uma e outra vez, aos filmes das cassetes de VHS com a saga da Guerra das Estrelas. A ideia de aventura, de explorar mundos novos, os fatos excêntricos, as lutas entre o bem e o mal eram estimulantes e divertidos. Só comecei a desinteressar-me pela ficção científica quando dei por mim a tropeçar sobretudo em conteúdos distópicos, projeções de um mundo devastado por guerras, destruído por uma civilização decadente, onde os humanos são seres em fuga, acossados pela crise ambiental, por máquinas inteligentes que querem dominá-los ou por outros povos que os oprimem.

Quando eu ainda sonhava com aventuras espaciais, não sei se alguma vez me apercebi de como o autor da série Star Trek usava a possibilidade de sair da Terra para enviar mensagens políticas, que passavam despercebidas à estação que a emitia. “Ao criar um mundo novo com regras novas, eu podia falar de sexo, religião, Vietname e política.” A tripulação de Spock preocupava-se com a paz, combatia o autoritarismo e o imperialismo e punha em causa o racismo, o sexismo e o papel da tecnologia. “Se falasse de um povo roxo num planeta longínquo, a estação não percebia do que se estava a falar. Estavam mais preocupados com os decotes. Chegavam mesmo a enviar um censor para o estúdio para medir os decotes das mulheres e garantir que não se via demasiado os seios”, disse uma vez o criador da Star Trek, Gene Roddenberry.

Mr. Spock vivia no séc. XXIII. Nós estamos no séc. XXI. Quando eu era criança, 2001 ainda era uma data fantástica projetada num futuro longínquo de uma odisseia no espaço. Agora, é um passado já bastante distante. E o presente começa a parecer-se demasiado com o tipo de filmes que me fizeram desinteressar-me pela ficção científica.

Se em 1966 Gene Roddenberry conseguia fintar a NBC, enchendo de conteúdos políticos uma aparentemente inofensiva saga espacial, em 2025 o Presidente dos Estados Unidos fez do Elmo seu alvo político. O Elmo é um bonequinho vermelho e felpudo que, ao lado do Monstro das Bolachas, me ensinou sobre coisas como partilhar. Donald Trump acredita que isso é o tipo de conteúdos “esquerdalhos” que ajudam a endoutrinar criancinhas no comunismo e a contagiá-las com coisas tão woke como respeitar quem é diferente ou ajudar os mais frágeis.

Numa cruzada contra a PBS e a NPR – as redes de serviço público americanas –, Donald Trump conseguiu fazer passar no Congresso um corte de 1,1 mil milhões de dólares, que constitui um rude golpe em estações que já enfrentam os seus próprios problemas e que, assim, ficam com menos disponibilidade financeira para continuar a produzir o tipo de programas educativos que ajudam crianças em idade pré-escolar há 50 anos. Para se ter uma ideia, em março, depois de a Warner Brothers ter anunciado que deixaria de pagar por novos episódios da Rua Sésamo, a produtora Sesame Workshop teve de despedir 20% dos seus trabalhadores, incluindo criadores de conteúdos.

“This is big”, anunciou Donald Trump, na rede social Truth Social, com uma alegria provocada pela destruição que faz lembrar Donald Grump, o monstro com um tufo de cabelo laranja que apareceu em 2005 num caixote do lixo da Rua Sésamo, com um projeto para aí construir uma Grump Tower, arrasando as casas do Egas, do Becas e do Poupas. Já agora: há quem ache que o Egas e o Becas são um casal e, por isso, conteúdo woke, claro.

A resposta à agressividade de Trump foi uma imagem do Poupas Amarelo e do Sr. Snuffleupagus – um amoroso e peludo mamute castanho – com a frase: “Orgulhosos por sermos vossos vizinhos”, publicada na rede social X. Elon Musk disse que a empatia “é um vírus”. E eu gostava muito de acreditar que sim, não pelas mesmas razões, mas porque gostava que esse sentimento se espalhasse pelo mundo. Pelo menos, a resposta da Rua Sésamo tornou-se viral.

Muitos dos conteúdos que marcaram a minha infância foram pensados ainda no rescaldo de algo que aconteceu muitos anos antes: a II Guerra Mundial e num contexto de Guerra Fria. Nesse mundo, havia poucos cinzentos. Era quase tudo a preto e branco: os bons e os maus. Os maus eram feios e tentavam dominar o mundo, os bons eram bonitos e generosos e ganhavam sempre.

Nesse mundo, ser um trafulha não era uma qualidade. Explorar os outros haveria sempre de merecer castigo. E toda a crueldade acabava mal. Era ingénuo? Era. Dava-nos uma ideia limitada e maniqueísta do mundo? Dava. Mas essa ilusão, que também tinha um lado propagandístico, ajudou a construir nas sociedades ocidentais um certo sentido de superioridade moral e de excecionalismo. Foi muito graças a essas ideias que nos convencemos de que a democracia ocidental era uma espécie de produto final perfeito da História.

Foi à boleia dessa ideia que se fizeram muitas guerras e muitas mortes, com a opinião pública ocidental a acreditar que estava “do lado certo da História”. Nós éramos os bons. O que se está a passar agora é uma frecha nesse sistema de crenças. Cada vez mais de nós se confrontam com a mentira que isso representa quando veem as imagens de crianças palestinianas famélicas mortas a tiro à espera de comida, quando percebem a facilidade com que são oprimidas pessoas que se manifestam pela paz, quando assistem à perseguição impune de imigrantes e à forma como os Estados os criminalizam, prendendo em centros de detenção trabalhadores cujo crime era lutar por uma vida melhor.

Perante tudo isto, há quem sinta vontade de fugir da realidade. “Beam me up, Scotty.” Há quem assegure que deixou de ver as notícias e foge dos jornais, para manter a sanidade mental. Para esses, tenho uma má notícia: a ideia de que se pode fugir à realidade é uma ilusão. E uma ilusão perigosa, ainda por cima. Por muito que entenda a vontade de experimentar uma anestesiante alienação, o mundo é o que é e, mais cedo ou mais tarde, perceberemos que estamos dentro dele.

Quando eu era criança, os cardassianos, um povo autoritário que tentava expandir o seu império, foram vencidos pelo Mr. Spock. Eu tenho saudades dos tempos em que os vilões acabavam mal. Mas sei que não posso esperar pela tripulação da Enterprise para me salvar e que as minhas peças de legos já não emitem raios laser mortíferos. Ainda assim, acho que aquelas tardes todas passadas a ver os heróis salvar o Universo não foram em vão. Deram-me, pelo menos, a ideia de que é sempre possível lutar. Que a Força esteja connosco.

Smartphone para Seniores é um equipamento intuitivo que alia a tecnologia atual a um design centrado nas necessidades de utilizadores mais seniores ou com necessidades especiais.

O Smartphone para Seniores da iServices foi desenvolvido para responder às exigências de quem procura um telemóvel funcional, resistente e fácil de usar. O ecrã de 5 polegadas com alto contraste garante uma excelente visibilidade e os ícones grandes facilitam a navegação – mesmo para os utilizadores com menos destreza manual ou visão reduzida.

Pensado para o dia a dia

Entre as funcionalidades destacam-se as chamadas e mensagens, rádio FM, despertador, lanterna e um botão SOS que permite contactar rapidamente, apenas com um toque, um familiar ou o serviço de emergência – um elemento de segurança extra para as situações imprevistas do dia a dia.

O sistema operativo Android 12, aliado aos 3GB de RAM e 32GB de armazenamento interno, assegura um bom desempenho e compatibilidade com diversas aplicações. O dispositivo conta ainda com som amplificado, compatível com aparelho auditivos – garantindo uma boa experiência de utilização a quem tem maior sensibilidade auditiva.

A bateria de longa duração oferece autonomia para vários dias sem necessidade de carregamentos e quando for necessário, basta colocá-lo na base de carregamento – uma solução pensada para as mãos menos ágeis.

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Para quem procura uma solução completa, a iServices disponibiliza um pack exclusivo que inclui o Smartphone para Seniores e uma capa protetora em formato livro, desenvolvida à medida do equipamento. Esta capa assegura proteção total contra quedas e riscos, sem interferir com a usabilidade do telemóvel ou adicionar volume desnecessário.

Uma escolha inteligente para o presente e o futuro

Na iServices, a inovação tecnológica também se traduz em acessibilidade. O Smartphone para Seniores é um exemplo claro dessa missão: facilitar a vida dos utilizadores através de soluções simples e eficazes. Com base de carregamento USB-C, compatibilidade com as aplicações mais úteis e um conjunto de funcionalidades centradas no utilizador, este telemóvel é ideal para quem procura uma comunicação sem complicações.

A União Europeia e os EUA chegaram finalmente a acordo sobre as tarifas aduaneiras, ficando estabelecida uma taxa de 15% sobre todos os produtos europeus vendidos no mercado norte-americano e sem qualquer reciprocidade por parte dos bens ou serviços norte-americanos vendidos no espaço comunitário.

Entre os líderes dos 27, muitos foram os que elogiaram a conclusão das negociações, entre os quais o primeiro-ministro português, admitindo que o compromisso estabelecido trazia “estabilidade e previsibilidade” às relações comerciais entre os dois blocos económicos.

Mas também surgiram várias vozes a contestar o resultado destas negociações, como foi o caso do primeiro-ministro francês, François Bayrou, que considerou “um dia sombrio aquele em que uma aliança de povos livres, unidos para afirmar os seus valores e defender os seus interesses, se resigna à submissão”.

Já Giorgia Meloni, primeira-ministra de Itália, prefere esperar para ver os pormenores. “Considero positivo que haja um acordo, mas se não vejo os detalhes, não consigo julgá-lo da melhor maneira”, justificou.

E com alguma razão, pois ainda existem muitos detalhes para ser avaliados, logo a começar pelas incongruências que há entre os comunicados feitos pela Casa Branca e por Bruxelas.

Os EUA dizem que o acordo prevê um tarifário único de 15%, enquanto Bruxelas salienta que a negociação prevê um teto de 15% para a generalidade dos produtos. Numa nota publicada na terça-feira, 29, a Comissão Europeia admite que haverá um “tratamento excecional” para alguns produtos estratégicos. Ou seja, a partir de 1 de agosto, as tarifas que os EUA têm agora em vigor “sobre aeronaves e peças de aeronaves, produtos químicos, medicamentos genéricos ou recursos naturais irão regressar aos níveis anteriores a janeiro”.

Europa dividida

Dinamarca
“As condições comerciais não serão tão boas como eram, e não por nossa escolha. É preciso encontrar um equilíbrio que estabilize a situação e com o qual ambos os lados possam conviver” – Lars Løkke Rasmussen, ministro dos Negócios Estrangeiros

Finlândia
“O acordo traz a previsibilidade necessária à economia global e às empresas finlandesas. Mas o trabalho deve continuar para desmantelar as barreiras comerciais. Apenas o livre comércio transatlântico beneficia os dois lados” – Petteri Orpo, primeiro-ministro

França
“É um dia sombrio quando uma aliança de povos livres, reunidos para afirmar os seus valores comuns e defender os seus interesses comuns, se resigna à submissão” – François Bayrou, primeiro-ministro

Alemanha
“O acordo conseguiu evitar um conflito comercial que teria atingido duramente a economia alemã, muito focada na exportação, em particular no setor automóvel” – Friedrich Merz, chanceler

Hungria
“Isto não é um acordo… Donald Trump comeu Von der Leyen ao pequeno-almoço. Foi isso que aconteceu, como, aliás, já suspeitávamos que iria acontecer. Em matéria de negociações, o Presidente dos EUA é um peso-pesado, enquanto a presidente da Comissão Europeia é um peso-pluma” – Viktor Orbán, primeiro-ministro

Irlanda
“Embora lamentemos que a tarifa básica de 15% esteja incluída no acordo, é importante que agora existam mais certezas sobre os fundamentos do relacionamento comercial UE-EUA, que é essencial para o emprego, o crescimento e o investimento” – Simon Harris, ministro do Comércio

Espanha
“Valorizo a atitude construtiva e negociadora da presidente da Comissão Europeia. De qualquer forma, apoio este acordo comercial, mas faço-o sem qualquer entusiasmo” – Pedro Sánchez, chefe do governo

Suécia
“Este acordo não enriquece ninguém, mas pode ser a alternativa menos má. O que parece positivo para a Suécia, com base numa avaliação inicial, é que o acordo cria alguma previsibilidade” – Benjamin Dousa, ministro do Comércio

Já em relação ao aço e ao alumínio, que atualmente têm uma taxa de 50%, a Casa Branca voltou a afirmar que esta tarifa é para manter, enquanto a Comissão Europeia diz que irão ser estabelecidas “quotas tarifárias” para as exportações da União Europeia, o que permitirá “reduzir as tarifas atuais de 50% e, ao mesmo tempo, garantir uma concorrência global justa”.

Negociações paralelas

No âmbito das negociações bilaterais, Bruxelas prometeu ainda comprar 650 mil milhões de euros de petróleo e gás natural dos EUA até ao final do termo do mandato de Donald Trump. No entanto, na opinião de alguns especialistas, esta poderá ser uma cláusula difícil de ser cumprida. O site de informação Politico, depois de ouvir vários especialistas em energia, considera-a “quase impossível de atingir”. Segundo Laura Page, analista chefe da Kpler, empresa que opera no setor das matérias-primas, este número é “completamente irrealista”.

Desde 2022 que a União Europeia tem intensificado a compra de gás natural aos EUA, devido às sanções impostas à Rússia por causa da invasão da Ucrânia,

“A compra de energia aos EUA permite diversificar ainda mais a origem dos nossos fornecimentos, o que contribui para aumentar a segurança energética da Europa”, admitiu Ursula von der Leyen.

Acordo Ursula Von der Leyen e Donald Trump assinam o documento que estabelece as tarifas alfandegárias sobre os produtos europeus

No ano passado, a União Europeia importou cerca de 375 mil milhões de euros em energia, dos quais 75 mil milhões foram provenientes dos EUA, o que significa que, para cumprir o acordo, as compras de energia aos EUA teriam de triplicar ao longo dos próximos três anos. Além disso, a UE deixaria de comprar a outros fornecedores que vendem o gás mais barato, como é o caso da Noruega, que fornece este combustível através de gasoduto.

Mas não só. Segundo outro analista do setor, Homayoun Falakshahi, a União Europeia não tem capacidade de refinação para o petróleo de xisto, que é o predominante na produção norte-americana. A União Europeia compra 12% do seu petróleo e poderá alcançar, no máximo, um teto de 14%, salienta o chefe do departamento de análise da Kpler. “É realmente uma fantasia”, garante em declarações ao Politico.

Entre as partes ficou ainda prometido o investimento europeu nos EUA até um valor de 600 mil milhões de euros de empresas europeias em território norte-americano, uma verba que irá juntar-se aos 2,4 biliões que já foram aplicados por entidades europeias nos mais variados setores de atividade daquele país.

Este era um dos pontos-chave das negociações, pois desde o início do seu mandato Donald Trump tem insistido na intensificação da produção nacional de forma a criar postos de trabalho nos EUA.

Ficou ainda prometida a compra de material militar norte-americano num montante que não foi quantificado, mas que Trump admitiu ser de “centenas de milhares de milhões de dólares”.

Por fim, a União Europeia garantiu a possibilidade de adquirir até 40 mil milhões de euros em microprocessadores para Inteligência Artificial, um negócio que Bruxelas considera “fundamental para manter a vantagem tecnológica da União Europeia”.

De fora ficaram as tarifas sobre os serviços, nos quais os EUA têm um claro superavit sobre a União Europeia, sobretudo nas tecnologias. Aliás, no seu comunicado, a Casa Branca faz questão de realçar que foram analisadas as “barreiras injustificadas sobre o comércio digital” e que Bruxelas garantiu que não irá adotar, nem manter, tarifas de uso de rede.

Por sua vez, Bruxelas diz que o acordo “serve os interesses económicos fundamentais da União Europeia em relações comerciais e de investimento estáveis e previsíveis” entre os dois blocos económicos. E termina lembrando que o acordo não é “juridicamente vinculativo”, mas permite que ambas as partes continuem a negociar até que seja possível implementar na íntegra “o acordo político”.

A partir do dia 1 de agosto, as empresas portuguesas que exportam para os EUA verão os seus produtos serem taxados em 15% quando derem entrada nas alfândegas daquele país. Ao todo, serão cerca de 5,3 mil milhões de euros de bens que passarão a ter este custo adicional. Em 2024, Portugal exportou um total de 79,3 mil milhões de euros, sendo os EUA o nosso quarto maior mercado externo, responsável por 6,7% das nossas vendas ao exterior.

O primeiro-ministro, Luís Montenegro, congratulou-se com esta decisão e admite que o acordo traz “previsibilidade e estabilidade”, elementos “vitais para as empresas portuguesas e a economia”.

Com as tarifas definidas, a estabilidade dos negócios entre os dois maiores blocos económicos do mundo pode estar garantida, mas ainda existem muitas contas a fazer por parte das empresas. Algumas já admitiram que irão assumir parte do novo custo, reduzindo as margens de venda, enquanto outras irão passar a “fatura” imposta por Donald Trump para o consumidor final, ou seja, os cidadãos norte-americanos. Qualquer uma das estratégias acarreta riscos, pois no primeiro caso as empresas irão ter menos receita e, no segundo irão perder competitividade naquele que é um dos mercados mais competitivos do mundo.

Um dos setores nacionais que poderão ser mais afetados pelas tarifas é a indústria farmacêutica, que no ano passado vendeu mais de 1,2 mil milhões de euros para os EUA, o que representa 23% das nossas exportações para aquele país. Em abril, Donald Trump chegou a ameaçar impor tarifas de 200% para esta indústria, o que praticamente inviabilizaria a venda de medicamentos europeus nos EUA. A meta de 15% agora estabelecida permite a tal estabilidade de que fala Luís Montenegro, mas, mesmo assim, ficará cerca de dez pontos percentuais acima da média das tarifas que existiam antes de Trump, que em média ascenderam a 4,7% para os medicamentos importados. 

Embora não tenha o mesmo peso da indústria farmacêutica, o setor têxtil, que representa pouco mais de 8% das nossas vendas para os EUA, poderá também sentir fortes efeitos derivados das tarifas, com a agravante de muitas empresas portuguesas dependerem quase exclusivamente do mercado norte-americano para a sua atividade.

Quem também mostra fortes sinais de preocupação são os vitivinicultores e a razão não é para menos. Uma em cada dez garrafas de vinho vendidas ao exterior tem como destino os EUA. Um aumento de 15% no preço pode representar uma enorme perda de competitividade do nosso vinho naquele mercado. Ao todo, esta indústria exporta cerca de 100 milhões de euros para os EUA e a entrada em vigor das tarifas é mais um problema a somar aos muitos que o setor já atravessa.

E a situação pode ser ainda mais grave para as empresas exportadoras da Região do Vinho Verde, pois os EUA são o principal mercado comprador deste produto português.

Já a indústria automóvel, um dos grandes motores da economia nacional nos últimos anos, pode não ser diretamente afetada pelas tarifas – em 2024 Portugal vendeu menos de três mil carros para os EUA –, mas os efeitos colaterais poderão ser devastadores, sobretudo para a indústria dos componentes. Apesar de os EUA representarem menos de 5% das vendas ao exterior, as fábricas nacionais são grandes fornecedoras de marcas vendidas no mercado norte-americano, como a Mercedes, a BMW ou a Porsche. E se as vendas destes veículos baixarem, as empresas portuguesas serão afetadas por tabela.

Em 1890, o rei D. Carlos foi surpreendido, logo no início do seu reinado, pelo Ultimato Britânico, um documento em que Londres exigia a Portugal o abandono das forças militares nacionais dos territórios africanos identificados no chamado Mapa Cor-de-Rosa e que eram reivindicados por Lisboa.O governo português, face à ameaça da maior potência do mundo – que embora fosse, também, a mais velha aliada, não teria contemplações, perante uma eventual tergiversação portuguesa… –, não teve outro remédio senão acatar o que lhe era exigido e, com o rabo entre as pernas, retirar.

Em 2025, perante o “ultimato” americano, o mais poderoso aliado da União Europeia, Bruxelas submeteu-se à exigência de Washington, aceitando tarifas mútuas de 15% nas transações comerciais. O acordo sujeita os europeus a um crescimento económico ainda menor do que o esperado – e o esperado já era anémico – e põe em causa uma série de áreas de atividade e setores sobre os quais paira a possibilidade da abertura de falências e correspondente desemprego. O “ultimato” americano ameaçava Bruxelas com tarifas de 30%, o que seria o correspondente, como alguns disseram, a um imenso ciclone sobre a economia europeia que, com a cedência dos 15%, reduz o grau da catástrofe à categoria de “tempestade”.

Em Portugal, em 1890, ergueu-se o clamor da bravata lusitana, sem mais consequências do que aquilo de que se costuma dizer que “é só garganta”. Mesmo assim, o memorando elaborado pelo primeiro-ministro inglês, lorde Salisbury, – e a sua total aceitação – provocou consequências internas importantes: a desacreditação da monarquia e a afirmação do projeto republicano; o hino A Portuguesa que, de início, proclamava, no refrão, “contra os bretões, marchar, marchar”; e uma subscrição pública para o reforço da marinha de guerra, com o intuito de dar combate aos ingleses – que eram, convém recordá-lo, “apenas” os senhores dos mares e os proprietários da maior frota de guerra do mundo…

Em Portugal, em 2025, vozes de vários quadrantes políticos manifestam indignação e rasgam as vestes, havendo, por cá e na Europa, quem (num paralelo com a subscrição pública de 1890…) pretenda responder a Donald Trump com tarifas iguais de 30%, “para ele ver o que é bom” e, ignorando que o homem podia aumentar a parada para 80, 100, 120 ou 200%, dar batalha à maior economia do mundo. Desta vez, não é uma monarquia que se desacredita, mas todo um sistema demoliberal europeu. Nem são os republicanos que ganham dividendos, mas os populistas e os oportunistas antissistémicos. Basta ver que o acordo alcançado entre a Comissão Europeia e Donald Trump, embora deixe hipóteses de sobrevivência à indústria automóvel, sacrifica, em grande parte, o setor agroalimentar – sabendo nós o poder de choque que os tratores europeus têm quando começam a desfilar pelas ruas de Paris, Lisboa ou Bruxelas ou quando os votos começarem a ser contados nas vastas zonas afetadas.

No meio de tudo isto, um político, com mais lata do que um ferro-velho, vem insurgir-se contra o acordo e contra a “fraqueza europeia”. Chama-se ele André Ventura, o trumpista que se gabou de ter sido convidado para a tomada de posse de Donald Trump. Ou a Europa coloca André Ventura a negociar com Trump, ou a piada faz-se sozinha

Os valentões que rasgam as vestes perante o ajoelhar europeu ao dictat norte-americano fazem-no, sobretudo, por duas razões: a primeira, por descargo de consciência. A segunda, porque não têm de ser eles a tomar as decisões. Desde 1945 que a Europa está totalmente dependente dos EUA, e não só na área da Defesa: está dependente dos norte-americanos, também, nas áreas da economia e da tecnologia. A Europa não tem quaisquer condições para lhes fazer frente, e isso começa pelo próprio protesto inorgânico que alastra pelas redes sociais: os europeus que usam o Facebook, o X ou o Instagram para protestar contra a prepotência de Trump e dos EUA fazem-no graças aos próprios EUA. Um simples clique, do outro lado do Atlântico, pode cortar-lhes a palavra e desligar as redes. Não dependemos, apenas, das dissuasoras armas nucleares americanas ou dos seus aviões invisíveis e escudos inteligentes antimíssil: se os americanos se chatearem, também ficamos sem correio eletrónico. As (metafóricas) subscrições públicas para fazer guerra aos EUA, a que assistimos nos últimos dias, são tão ridículas como as que se fizeram em Lisboa em 1890. Embora, se houvesse capacidade e coragem para cerrar os dentes, talvez a guerra a Trump tivesse uma possibilidade (muito ténue) de sucesso. Responder na mesma moeda iria precipitar a Europa numa era de miséria e convulsão pré-Plano Marshall, mas essa seria a única maneira de travar Trump. Como bom negociante, Donald Trump é imprevisível e pode, conseguida a mão, exigir levar o braço. Ninguém sabe o que ele vai querer ou impor amanhã. Ora, se não obtivesse hoje absolutamente nada, talvez concluísse que não adiantaria insistir. O problema é que nenhum europeu está disposto, hoje, a fazer sacrifícios. E nisso, os americanos continuam a dar cartas.

Pensando bem, os europeus estão totalmente dependentes dos EUA desde muito antes de 1945. A última potência europeia capaz de resistir à Alemanha de Hitler – mas não de a vencer – foi o canto do cisne, como depreendemos do Discurso das Praias de Winston Churchill, em 1940, que terminava assim: “… E se, no que eu não acredito nem por um instante, esta ilha, ou uma grande porção dela, fosse subjugada e passasse fome, então, o nosso império de além-mar, armado e guardado pela frota britânica, prosseguiria com a luta, até que, na boa-hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e o seu poder, daria um passo em frente para o resgate e a libertação do Velho.” Não foi preciso: o Novo Mundo deu o passo em frente muito antes. Porque nessa altura a Europa já não dependia de si própria – e, então, o “Reich de Mil Anos” dos nazis, durou o que durou. Com o Plano Marshall, os EUA ensinaram-nos a pescar. O problema é que, até hoje, as canas continuam a ser fornecidas por eles.

O resultado do acordo alcançado entre a Comissão Europeia e Donald Trump tem consequências graves. Financeiramente, os EUA lucrarão entre 80 e 90 mil milhões de dólares por ano, enquanto a UE perderá oito a nove mil milhões. As tarifas aumentam a receita dos Estados, mas estes perdem no que cobrariam em torno do crescimento económico. E a chamada “economia verde”, que dava os primeiros passos promissores, é torpedeada mortalmente.

Mas todo este caso prova duas realidades que talvez nos custe engolir: primeiro, Donald Trump foi eleito pelos norte-americanos e não por qualquer outro povo do mundo. O que, na sua perspetiva, está a fazer é a tentar defender os interesses egoístas do seu país e dos seus eleitores, como todos fazem, e a usar o poder que o seu país tem. A segunda é ainda mais surpreendente: pois bem, está a conseguir. E, portanto, limita-se a cumprir a suas promessas eleitorais. No fundo, o projeto dos que o rodeiam é “um Reich de Mil Anos”. No meio de tudo isto, em Portugal, um político, com mais lata do que um ferro-velho, vem deitar postas de pescada, insurgindo-se contra o acordo e contra a “fraqueza europeia”. Chama-se ele André Ventura, o trumpista que se gabou de ter sido convidado para a tomada de posse de Donald Trump. Ou a Europa coloca imediatamente André Ventura a negociar com Trump, ou a piada faz-se sozinha.

Não foi o primeiro nem o segundo, talvez nem o terceiro nem o quarto nome a ser contactado pelo Governo para assumir o cargo de governador do Banco de Portugal, mas Álvaro Santos Pereira é, segundo Leitão Amaro, ministro da Presidência, “a nossa escolha e a nossa proposta para o País”.

Desde muito cedo se percebeu que Luís Montenegro não pretendia que Mário Centeno assumisse um segundo mandato, tendo de imediato avançado com um plano de contactos com vários economistas de renome, todos eles com carreira internacional. A primeira escolha recaiu em Ricardo Reis, o prestigiado professor da London School of Economics, mas, segundo algumas fontes, este cargo “não se conciliava com os seus objetivos a prazo a nível académico”.

Na mesa estiveram ainda nomes como Sérgio Rebelo, que lidera o departamento de Finanças da Kellogg School of Management, ou Luís Cabral, professor de Economia na Universidade de Nova Iorque. Todos eles, por uma ou outra razão, se mostraram indisponíveis para assumir o cargo, até que surgiu o nome de Álvaro Santos Pereira, que acabaria por aceitar o convite.

“É hoje o economista principal de uma das principais organizações internacionais da economia mundial. É um profundo conhecedor da economia portuguesa, um profundo conhecedor da economia internacional e conhecedor do sistema financeiro”, defendeu Leitão Amaro.

Nascido em Viseu, em 1972, Álvaro Miguel Rodrigues dos Santos Pereira licenciou-se em Economia pela Universidade de Coimbra, tendo depois feito o doutoramento na Simon Fraser University, no Canadá. Foi docente em várias universidades daquele país e não perdeu o contacto com Portugal, assinando artigos de opinião em vários órgãos de comunicação nacionais, como Público, Diário de Notícias e Expresso, entre outros.

Em 2011 foi convidado por Passos Coelho para assumir o cargo de ministro da Economia e do Emprego, tornando-se um dos principais interlocutores do governo português com a Troika. Portugal vivia com graves problemas económicos e com uma escalada do nível de desemprego, o que obrigou a várias reformas estruturais. Criou a nova Lei da Concorrência, fez profundas alterações na legislação laboral e até avançou com a suspensão de quatro feriados a bem “do aumento da produtividade do País”. 

Defensor da reindustrialização nacional e de uma maior aposta no setor extrativo, acabou por renegociar as rendas das empresas energéticas e “suspendeu” o projeto do TGV, obra que considerava ser “um erro financeiro”.

O próprio considerou que “em dois anos, Portugal implementou o programa europeu de reformas mais ambicioso desde a era Thatcher”.

Apesar deste plano ambicioso e de todos os seus projetos, acabou por ser o primeiro ministro de Pedro Passos Coelho a ser “remodelado”, deixando o cargo para dar o lugar a António Pires de Lima.

Uma das razões que, na altura, se apontaram para este afastamento foi uma célebre frase que Álvaro Santos Pereira terá proferido na cerimónia de abertura da conferência DN Made in Portugal. Forte defensor da dinamização da economia através das exportações, o então ministro questionava porque é que Portugal não apostava na internacionalização dos seus produtos, acabando por deixar a pergunta no ar: “Porque não existe um franchising de pastéis de nata?”

Álvaro Santos Pereira deixou o governo e rumou a Paris para assumir o cargo de economista-chefe na OCDE.

Ao longo da sua vida, publicou vários livros, sendo o primeiro deles, lançado em 2007, um romance, Diário de um Deus Criacionista. Nesse mesmo ano publicou ainda um livro mais técnico, Os Mitos da Economia Portuguesa. Ainda antes de integrar o governo, lançou O Medo do Insucesso Nacional e, quando já estava com o cargo de ministro, publicou Portugal na Hora da Verdade. Dois anos depois de deixar o governo, lançou o livro Reformar Sem Medo – Um Independente no Governo de Portugal, no qual relata, na primeira pessoa, as suas experiências como governante, a sua obra e o que deixou para fazer, bem como os lobbies que enfrentou e, por fim, porque acabou por ter de sair.

A partir de setembro, Álvaro Santos Pereira começará a escrever um novo capítulo, desta vez na cadeira de governador do Banco de Portugal.