A Índia continua a ser o país que mais filmes produz no mundo, com uma média anual de mais de 1400, grande parte graças aos sucessos de Bollywood. Ao mesmo tempo, cresce um cinema indiano independente, na descendência de Satyajit Ray, que não nos deixa indiferentes. É nesse contexto que surge esta pérola, chamada Tudo o que Imaginamos como Luz, a segunda longa-metragem da jovem realizadora Payal Kapadia, um dos melhores filmes indianos que a Europa viu na última década.
Tudo o que Imaginamos como Luz é, em primeiro lugar, a sinfonia de uma cidade. É Bombaim que se celebra, nas suas cores e movimentos, observada em travellings, na leitura musical de Topshe: a banda sonora é um dos pontos altos de um filme que não tem pontos baixos. Uma cidade que nos impele, por onde somos levados através das cores, da energia, do seu devir. A cidade de todas as ilusões, como alguém a descreve.
Definida a cidade, entramos então nas personagens. Duas mulheres, ambas trabalham num hospital e partilham casa. A mais velha vive longe do marido que emigrou para a Alemanha e enfrenta com preceito a sua solidão. A mais nova vive um amor difícil, se não impossível, com um rapaz de outra religião.
Ambas se encontram numa luta subtil pelo direito a amar. Em entrevista, a realizadora explica que na Índia não há o costume de se dizer “eu amo-te”, por isso foi possível criar a sua linguagem própria de amor. Essa linguagem é feita de gestos, de momentos que por vezes são monumentos, tal a delicadeza na forma como são desenhados.
O filme é altamente poético. Mas também concreto. Tal como acontece com O Meu Bolo Favorito, o filme iraniano sobre o qual falámos na semana passada, aqui conta-se uma história de amor com obstáculos do tamanho de um país inteiro (ou de uma cidade). O peso social de uma Índia conservadora é brutal e devorador, mesmo numa cidade tão moderna e festiva quanto Bombaim.
Tudo o que Imaginamos como Luz é uma obra maior também pela forma como está filmado. A realizadora consegue tirar todas as emoções com os seus movimentos de câmara, que tanto focam um movimento de mãos como nos ampara num rosto terno. Sem dúvida um filme marcante de uma realizadora que queremos seguir até ao fim do mundo.
O filme da jovem realizadora Payal Kapadia recebeu o Grande Prémio do Júri em Cannes, e tem acumulado distinções por todo o mundo, além de figurar nas principais listas dos melhores filmes de 2024.
Tudo o que Imaginamos como Luz > De Payal Kapadia, com Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam, Hridhu Haroon > 118 min